Jardim (CE): Brincadeira do Careta é ato tradicional da região

É tempo de encaretar. Na Semana Santa a tradição cultural assume lugar nas ruas do Cariri, em dias que antecedem a Páscoa e a malhação do Judas. Os meninos e adultos tomam de conta da brincadeira com a chocalheira na cintura e máscaras de papelão ou borracha, pintadas com figuras estranhas ou até conhecidas, assustando os mais novos e até divertindo os de maior idade. Pedir esmolas, seja em moeda ou alimento, tudo vale nesse momento. As roupas grandes e velhas são do fundo do baú. Uma tradição que se repete há séculos. Quem já foi criança nas ruas do Cariri, principalmente em áreas da zona rural, se assustou com um deles, carregando os seus chicotes, correndo atrás das pessoas.

A brincadeira de careta faz parte da tradição cristã durante a Semana Santa, que simboliza a morte do apóstolo Judas, representado por um boneco feito de roupas velhas e com enchimentos, seja de serragem ou molambos. Quando ele passa ocorre o grande apogeu da festa popular, até chegar o momento final do enforcamento e explosão do boneco. Nas ruas de Jardim, essa tradição se tornou forte, com uma programação que começou na última quinta-feira. Hoje, a partir das 14 horas, será realizada uma passeata pelas ruas do Centro da cidade, com premiação final para os melhores caretas, testamento e malhação do Judas.

A abertura da Festa dos Karetas de Jardim aconteceu com a passeata do Pau do Judas. O hasteamento do mastro se deu, com desfile pelas ruas, participação de grupos culturais da cidade e um show pirotécnico. É assim, todo ano. São cerca de mil caretas nos sítios, distritos e ruas do Município. Grande parte dos caretas da festa é da cidade mesmo. São 600. Todos eles filiados à Associação Cultural dos Karetas de Jardim.

Esmero
A organização todos os anos segue um cuidado especial, principalmente com a segurança. Para isso, os brincantes têm que estar de posse de sua carteirinha de identidade, emitida pela associação. "É uma forma de mantermos o controle, sabendo quem são as pessoas que estão nas ruas", diz o presidente da entidade, Luiz Lemos. Ele afirma que mesmo com as brincadeiras, e alguns dos integrantes até exagerando um pouco na bebida, sempre foi uma festa tranquila, sem registros de maiores problemas relacionados à violência.

Irreverência e a criatividade tornam-se elementos importantes para vivenciar a festa da malhação. Isolados, correndo atrás do povo ou em turmas, as brincadeiras podem ser das mais exóticas aos pedidos mais simples, para quem puder atender com as esmolas.

Jardim é uma das cidades mais antigas da região. Pacata e hospitaleira, é cercada pelo verde da Chapada do Araripe. Nessa época do ano, se torna um atrativo por conta da festa.

Os brincantes começam a se preparar para o ritual da malhação desde as primeiras horas da manhã deste domingo. A Sexta-feira da Paixão é o único dia em que a programação é suspensa em virtude da data considerada sagrada para os católicos. Este ano, segundo o coordenador dos trabalhos, Luiz Lemos, não foi possível realizar as oficinas de máscaras. Só ano que vem. É uma forma de fortalecer e preservar a tradição, envolvendo as crianças e adolescentes, além de aprimorar a prática para a confecção de máscaras bem trabalhadas. E hoje, como estímulo aos mais dedicados, haverá um concurso para escolha da melhor máscara, com premiação aos vencedores.

O trabalho é acompanhado também por uma comissão organizadora, desde a retirada do pau do Judas, que acontece duas semanas antes. A preocupação com a segurança da festa tem sido um dos pontos debatidos todos os anos, até por conta do crescimento do número de brincantes e do público, que se desloca até a cidade para assistir ao cortejo. Para Lemos, é importante que todas as pessoas possam ser identificadas e andem com documentos de identificação. "Uma questão de segurança para todos", enfatiza.

Segurança
Orientações relacionadas à segurança foram estudadas, em uma parceria com a polícia e a administração da cidade, no intuito de garantir a realização da festa. E não é apenas a cidade que os brincantes percorrem, mas na zona rural é uma tradição. Os adereços das máscaras fazem a diferença. Nesses primeiros dias de abril a cidade entra no clima, desde o carregamento do pau do Judas. As crianças levam a brincadeira, literalmente, para os costumes. "Com a urbanização, a festa sofreu algumas transformações", admite o coordenador. A tradição, que nasceu com o festejo das colheitas, o que não necessariamente acontece nos dias de hoje, segue nas artes, com imagens que estarão sendo expostas sobre os costumes.

Lemos disse também que existem brincantes, em algumas localidades da zona rural, que preferem o sistema mais antigo da festa quando se paramentam com 'melão e cabaça' e saem a pedir gêneros alimentícios nas casas, num ritual que relembra a colheita. Segundo ele, as manifestações folclóricas na cidade necessitam de um trabalho mais amplo de divulgação, diante da sua importância e das tradições. A festa vem sobrevivendo, mesmo com as ameaças da modernidade. O sentido da colheita e do espantalho mais tarde é que passou a ser substituído por Judas Iscariotes.

Os primeiros registros históricos da brincadeira em Jardim são do final do século XIX. Os agricultores se reuniam e confeccionavam uma espécie de espantalho, a quem chamavam de "pai véi" ou "vosso pai" e, mascarados, com chocalhos e chicotes, percorriam vários sítios em busca de donativos para o Sítio do "Pai Véi", onde faziam uma grande festa e malhavam o espantalho. A festa se urbanizou a passou a utilizar o personagem da história Bíblica.

Os caretas reuniam-se em suas localidades, preparavam seus trajes confeccionados de materiais exóticos, utilizando máscaras de cabaças, peles de animais, palha de milho, chicotes para se defenderem dos ataques dos cães e chocalhos para chamar a atenção. A urbanização da festa, conforme Lemos, foi responsável por mudanças e inovações, unindo o sagrado e o profano.

Mais informações
Associação Cultural dos Karetas de Jardim
Rua Padre Miguel Coelho, 43
Centro
Telefone (88) 3555.1352

ELIZÂNGELA SANTOS
REPÓRTER

Fonte: Diário do Nordeste

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