Impasses e falta de recursos barram construção de aterros de resíduos sólidos

Dentre os grandes problemas de gestão pública encontrados nos municípios brasileiros, hoje, a dificuldade em atender às metas da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) por certo é um dos mais desafiadores. Desde agosto de 2014, cidades de todo o País vêm sofrendo fortes pressões do Governo Federal e do Ministério Público para que não mais utilizem os lixões como destino final dos detritos e construam, no lugar, aterros sanitários. O ano passado foi dado como prazo limite para a substituição, mas, oito meses depois, muito pouco ou nada foi feito na maioria das localidades.

No Ceará, uma das iniciativas para impulsionar a erradicação dos depósitos inadequados de lixo foi criada em 2012, quando a Secretaria de Cidades do governo estadual anunciou a formação de consórcios regionalizados entre os municípios para a implantar 30 aterros sanitários em diferentes áreas do Estado. A realidade atual, contudo, é que, devido a impasses administrativos e falta de recursos, apenas dois consórcios firmados pelo projeto conseguiram efetivar a construção dos novos locais de destinação dos resíduos.

As informações fazem parte do Panorama dos Resíduos Sólidos do Ceará, diagnóstico realizado pela Secretaria de Meio Ambiente (Sema) com base em dados de 2014 e 2015, divulgado na semana passada. De acordo com o levantamento, 11 consórcios (que incluem municípios como Canindé, Iguatu, Quixadá, Ipu, Nova Russas e Pacatuba) não deram qualquer encaminhamentos às intervenções.

Obstáculos
Cinco grupos ainda aguardam financiamento. Dois chegaram a iniciar as obras, mas tiveram que suspendê-las por conta de empecilhos burocráticos. Já outros três consórcios nem finalizaram os projetos executivos para viabilizar a implantação dos aterros sanitários.

O grupo com sede em Jaguaribara possuiu um aterro que, em decorrência da operação inadequada, virou lixão. Agora, também não há previsão para a construção de um novo. Situação semelhante ocorre no consórcio de Maracanaú, cujo aterro foi implantado, mas funciona em condições inadequadas.

Quatro consórcios assinaram, no fim do ano passado e início deste ano, ordens de serviço para começar a elaboração dos projetos executivos. Por fim, o grupo sediado em Sobral garantiu verbas para as obras, mas ainda não as executou.

Os únicos consórcios firmados pela Secretaria das Cidades com aterros atuando normalmente são os de Fortaleza e Aquiraz. Entretanto, ambos devem chegar à capacidade máxima no próximo ano, segundo o panorama da Sema.

Licenciamento
Hoje, no Ceará, apenas 3% do resíduos sólidos produzidos são acondicionados em aterros sanitários, método designado em lei para a disposição do lixo por reduzir os danos ao solo. Todo o restante vai parar nos lixões. Em grande parte, o problema ocorre porque o Estado possui somente cinco aterros dotados de licenciamento ambiental, localizados nas cidades de Caucaia, Aquiraz, Sobral, Mauriti e Brejo Santo.

"Já tivemos cerca de 15, 20 aterros licenciados, mas eles acabaram virando lixões, porque não havia fiscais nem técnicos para administrar esses espaços", diz Humberto Carvalho Junior, especialista em saneamento ambiental e responsável pelo Panorama de Resíduos Sólidos. "Precisamos correr com a construção dos novos. Isso vai minimizar os impactos causados pelos lixões o mais rápido possível. Mas também não adianta construir se não houver administração", acrescenta.

Expedito Lopes, presidente da Associação de Prefeitos do Ceará (Aprece) alega que a ineficiência dos municípios em relação à substituição dos lixões é resultado da falta de recursos para construir depósitos adequados e até para elaborar os projetos das obras.

Responsabilidades
"Só os projetos já são muito caros. Custam em torno de R$ 600 mil a R$ 800 mil. Para fazer o aterro, os municípios não gastam menos de R$ 15 milhões. Não temos verba para isso", afirma Lopes.

Segundo o analista de regulação Alceu Galvão, que deve assumir a Coordenadoria de Saneamento da Secretaria das Cidades neste mês, a gestão dos resíduos sólidos é responsabilidade dos municípios e cabe ao governo dar suporte para que os consórcios formalizados tenham prosseguimento.

"Algumas das iniciativas que fizemos foi dar todos os instrumentos legais para a formação dos consórcios e ajudar na elaboração dos planos de resíduos sólidos municipais", diz.

Mais apoio
No entanto, Galvão admite que as ações, até agora, não foram suficientes para fazer com que o trabalho avançasse. Por isso, ainda neste semestre, o órgão deve lançar um estudo que promete possibilitar a operacionalização da gestão integrada de resíduos sólidos em cada um dos consórcios cearenses.

"É uma questão complexa, haja vista a fragilidade técnica dos municípios, que têm dificuldades financeiras claras. Nesse sentido, vamos trabalhar nesse conjunto de ações, projetos, planejamentos e apoio à gestão para que consórcios tenham sustentabilidade", afirma.

Plano não tem previsão para ser implantado
Em andamento há, pelo menos, dois anos, a elaboração do Plano Estadual de Gestão de Resíduos Sólidos está sendo realizada por etapas. A divulgação, na semana passada, do Panorama de Resíduos Sólidos foi um dos passos em direção à conclusão do documento. Segundo Humberto Carvalho Junior, que também coordena a preparação do projeto, o trabalho deve ser finalizado no meio deste ano. A implementação, no entanto, ainda dependerá da aprovação do governador Camilo Santana, como explica o secretário de Meio Ambiente, Arthur Bruno.

"Caberá ao governador a decisão final sobre o papel do Estado e dos municípios. E só a partir daí teremos a finalização do projeto. Ainda não temos um prazo definido", afirmou Bruno. Segundo ele, o Plano Estadual também depende da entrega dos Planos Municipais de Gestão. Conforme a Sema, apenas 27 cidades possuem o documento com diretrizes para o gerenciamento do lixo. "Esse é nosso maior desafio, até porque prazo está esgotado. Acabou no ano passado. O Governo Federal vai apoiar os municípios que tenham plano. Os que não tiverem não receberão recursos", destacou.

Inclusão social de catadores é desafio
A Política de Resíduos Sólidos determina que catadores de materiais recicláveis participem na logística reversa e na coleta seletiva

Em paralelo à erradicação dos lixões, dar mais dignidade e garantir melhores condições de trabalho às pessoas que atuam diretamente com a catação de materiais recicláveis, tanto nos depósitos de detritos quanto nas ruas, é outra difícil tarefa dos municípios. De acordo com o Panorama de Resíduos Sólidos, 123 das 184 cidades cearenses contam com catadores nos locais de disposição final de resíduos. Ao todo, o levantamento contabilizou 7.356 homens e mulheres que se dedicam ao ofício no Estado.

Para Humberto Carvalho Junior, a inclusão social dos catadores é um dos principais pontos da Política Nacional de Resíduos Sólidos e, ao mesmo tempo, um dos mais difíceis de serem colocados em prática. "O papel dos catadores é fundamental. Sem eles, a situação do lixo seria bem pior. Mas eles não podem ficar em cima de um lixão várias horas por dia porque se contaminam. Além disso, são explorados pelos intermediários, que pagam pouco pelo material", explica o especialista em saneamento ambiental.

Conforme o diagnóstico da Sema, a maioria dos catadores, precisamente 5.610 pessoas, está presente na Região Metropolitana de Fortaleza. A região do Cariri fica em segundo lugar, com 459 trabalhadores.

Francinete Cabral Lima, representante da Rede de Catadores(as) de Resíduos Sólidos Recicláveis do Ceará, afirma que a luta por inclusão é antiga, mas, nos municípios do Estado ainda não avançou. Segundo ela, os catadores são os principais responsáveis por grande parte das iniciativas de reciclagem, mas, apesar disso, continuam a ser desvalorizados.

Valorização
"Em outras cidades, como São Paulo e Brasília, já existe um compromisso maior com os catadores nos projetos, mas aqui essa discussão ainda está acanhada", afirma Francinete.

Para colaborar com os trabalhadores, ela afirma que é necessário investimento das prefeituras na organização de coletas seletivas e no incentivo à formação de cooperativas. "Deve haver uma conscientização com os catadores para que eles se juntem a uma entidade, porque, desse jeito, ele é mais favorecido", diz.

VANESSA MADEIRA
REPÓRTER

Fonte: Diário do Nordeste

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