Companhia de Dança Alysson Amâncio: do Cariri para o mundo

No sertão caririense, um núcleo de dança contemporânea mantém diálogo com o mundo. Através da Internet, eles convidam grupos de outros estados e países para ministrarem oficinas e residências, enriquecem a própria pesquisa de linguagem e se atualizam do calendário de festivais. É assim que a Alysson Amâncio Companhia de Dança vem galgando uma trajetória firme e em ascensão no cenário da dança cearense.

Do grupo, criado em 2006, veio a Associação Dança Cariri, espaço de formação com biblioteca de artes e sala de ensaio. Desse passo inicial, nasceu o projeto do Festival Nacional de Dança do Cariri, onde foi possível germinar o contato com artistas e pesquisadores do movimento de todo o Brasil e ganhar fôlego para lutar pela instituição de uma graduação em dança na região.

A produção é latente e mostrou potencial para alçar vôo além dos limites territoriais que os cercam. No último dia 4 de julho, a companhia representada pelo coreógrafo caririense Alysson Amâncio subiu em palcos europeus. A primeira apresentação internacional do grupo – como também a estreia de seu novo espetáculo – aconteceu na cidade de Memmingen, no sul da Alemanha. O convite partiu da organização do Festival MM Meile Memmingen Cultursommer, após assistirem a um vídeo do espetáculo Cajuína enviado pela amiga Luiza Lubeck.

Apesar do cachê garantido pela organização do festival, todos os demais custos seriam de responsabilidade dos artistas. “Saiu bastante caro, mas foi um investimento. A dança no Cariri ainda é muito isolada, passamos muito tempo fazendo aula, ensaiando, mas circulamos muito pouco. Decidi que a partir de 2013 minha criações são do Cariri para o mundo. Quero poder dançar no Juazeiro, no Crato, em Barbalha, mas também na Alemanha, New York, Tóquio”, anseia o coreógrafo.

Fora de qualquer zona de conforto, diante de uma nova plateia, Alysson revelou em sua dança o cheiro das pessoas, a força da Chapada do Araripe, o gosto do piqui, o sabor da cajuína, o colorido dos reisados. Inevitável não se render ao nervosismo. Alysson estava fora dos palcos desde 2009, para poder assumir a assinatura das coreografias, as responsabilidades burocráticas da associação. Mas da noite de 4 de julho ele reconta com orgulho: plateia cheia, silêncio durante a encenação e público de pé aplaudindo por três minutos.

Cajuína traça um olhar sobre a cultura nordestina, porque é preciso fortalecer as raízes para colher os frutos. “A minha estreia na Alemanha vai ser um divisor de águas para a minha carreira. Primeiro por mostrar que podemos sim fazer uma dança para o mundo, não precisamos e nem devemos nos contentar a apresentar o espetáculo apenas nos nossos guetos. Na questão artística, me fez enxergar ainda melhor o quanto os Irmãos Aniceto, as bandas Cabaçais, os Reisados são fontes riquíssimas para possibilidades cênicas. Não sou da cultura popular e não quero ser um reprodutor de algo que eles fazem tão bem, mas posso resignificar a energia e a movimentação deles para minha linguagem contemporanea. Na verdade, não estou fazendo nada novo, taí Eugenio Barba, Antonio Nobrega, Valeria Pinheiro que já permeiam estes caminhos. Mas em ‘Cajuína’, acredito ter colocado na cena toda a minha trajetória de vida, o que vi e vivi nas minhas danças, na minha casa, nas ruas de Juazeiro”.

Para este projeto, a companhia revisitou parceria com o grupo Zabumbeiros Cariri. E por ela, se orgulham em dizer que são o primeiro grupo do Cariri a formar parceria e criar uma trilha inédita para um espetáculo de dança local. Os figurinos ganharam a assinatura de Alexandre Heberte e João Pimenta. A iluminação, de Luiz Renato, e as fotografias são de Souza Junior.

Além da apresentação do espetáculo, o festival previa mais duas ações: uma entrevista-debate com a plateia - e, por isso, Alysson teve que preparar bem o inglês -, e uma improvisação com os outros bailarinos. Ambos os vídeos estão disponíveis no Youtube. “Senti que o povo alemão é muito curioso e receptível às artes brasileiras. Eles me perguntaram sobre as músicas, sobre o meu figurino, como era a dança contemporânea no Brasil, como era o investimento para a dança no Brasil. Optei por falar a verdade, que temos grandes artistas e quase todos desbravadores, pois não existem políticas de investimento para a dança contemporânea no interior do Ceará”.

Atualmente, a companhia conta com único financiamento: o Prêmio Funarte Petrobras Klauss Vianna recebido em 2012. É dele que o grupo sustentará uma turnê pelo Norte e Nordeste brasileiros ao longo de 2013. Quem ficou com vontade de conferir a apresentação de Cajuína por aqui vai ter que esperar até setembro. A estreia nacional será em Juazeiro do Norte, seguida pela estreia em São Paulo, em outubro, no Espaço Caleidos. Nos meses de julho e agosto a companhia já está com a agenda lotada devido à temporada com o espetáculo “Boa noite Cinderela”, como parte do projeto “Dança Cariri - estreitando os laços”, apoiado pela Funarte. Bons ventos para a dança do Cariri.

Saiba mais
A Alysson Amâncio Companhia de Dança já foi contemplada por editais das secretarias de cultura locais e pelo Prêmio Klauss Vianna. Em sua sede, no Cariri, a companhia já recebeu residência do coreógrafo suíço Yann Marussich (que resultou na criação do espetáculo Com Cheiro de Peixe Criado) e da coreógrafa carioca Ana Vitória (com quem Alysson estreitou os laços criativos e compôs a peça O que Deságua em Mim). É também no espaço da companhia que Alysson fundou a Associação Dança Cariri, onde fomenta o ensino, pesquisa, criação, formação profissional e circulação da dança.

Fonte: O Povo



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