Mega museu sobre Luiz Gonzaga está quase pronto

Colossal, assim como sua fonte inspiradora. Essa é uma boa palavra para descrever o projeto do Centro Cultural e Museu Cais do Sertão Luiz Gonzaga, equipamento a ser instalado em um dos armazéns do Porto do Recife, na capital pernambucana. A primeira etapa do complexo, referente ao museu, deve ser inaugurada em 13 de dezembro deste ano, quando o Rei do Baião completaria 101 anos.

O objetivo inicial era entregar o equipamento na data do centenário de Gonzaga, mas descobertas arqueológicas, imprevistos na fase de fundação geraram atrasos nas obras e, consequentemente, um novo cronograma. O empreendimento localiza-se no Recife Antigo, cujo subsolo abriga, por exemplo, resquícios de muralhas antigas da cidade. O outro prédio do Centro Cultural deve ser finalizado em 2014, com auditório, salas para oficinas, restaurante escola, café e espaços de ambientação e convivência. A área total é de 5.500m².

Já o museu Cais do Sertão conta com 7.500m² de área construída e recursos da ordem de R$ 97 milhões, para execução das instalações e produção de conteúdo e acervo. 85% desse valor são oriundos do Governo de Pernambuco; o restante vem do Governo Federal, via Ministério da Cultura (MinC). As obras do térreo do prédio estão adiantadas e o ritmo de trabalho parece intenso, para dar conta dos prazos.

Esses e outros detalhes foram anunciados em coletiva realizada nesta semana em Recife, com a presença do presidente do Porto do Recife, Rogério Leão; a curadora e diretora geral do projeto, Isa Grinspum Ferraz; o Secretário de Desenvolvimento Econômico de Pernambuco, Márcio Stefanni Monteiro; o coordenador geral do empreendimento, Gilberto Freyre Neto (Fundação Gilberto Freyre); e o Secretário Executivo de Políticas de Desenvolvimento de PE, Felipe Chagas.

Integração
Além das grandes dimensões, outro diferencial do museu é ter sido concebido a partir da integração entre expografia, arquitetura e tecnologia de ponta. Juntos, todos esses elementos contribuem para uma "experiência de imersão e de vivência, hora coletiva, hora individual, de ordem intelectual e também afetiva, que não pode ser reproduzida com a TV ou a internet, por exemplo", explicou a curadora e diretora de criação Isa Grinspum Ferraz.

Reconhecida por trabalhos como o Museu da Língua Portuguesa (SP), que também se destaca pelo uso de recursos tecnológicos multimídia, Ferraz ressalta que, no Cais do Sertão, ela funciona de maneira convergente ao resto do acervo.

"Combinamos tradição e tecnologia. O acervo terá objetos originais de Luiz Gonzaga e réplicas criadas por artistas ligados à sua carreira, relíquias e peças de arte contemporânea. Elementos como luzes, som e climatização serão controlados por um sistema muito refinado, como uma teia", adiantou Ferraz.

A concepção do museu, segundo a curadora, fundamentou-se em dois anos de pesquisa não apenas sobre Luiz Gonzaga, mas sobre o universo sertanejo, aspecto basilar em seu trabalho. "Para abordar a odisseia de sua vida e obra tínhamos que trazer também o sertão, daí o nome Cais do Sertão. A proposta era construir não apenas um museu, mas um centro de referência e pesquisa da cultura sertaneja", esclareceu Ferraz.

Decidida a proposta, foi reunida uma equipe multidisciplinar de colaboradores para gerar conteúdo para o museu, entre artistas, cineastas, pesquisadores, especialistas em arqueologia, ecologia da caatinga, no legado de Gonzaga e na cultura sertaneja. O time de criação envolveu nomes como Tom Zé, Miguel Wisnik, Antonio Risério (responsável pela ideia original) e Frederico Pernambuco de Mello, Paulo Vanderley Tomás, Leda Dias e Anselmo Alves.

O prédio do museu (módulo 1 do complexo) é dividido em seis espaços distintos. Em frente à entrada há uma praça batizada o Juazeiro e a Sombra, com nada menos que um juazeiro de 50 anos transplantado do interior de Pernambuco. O professor Daniel Duarte, da Universidade Federal da Paraíba (campus II, em Areia), especialista em plantas da caatinga, coordenou o processo.

Toda a ação foi registrada em vídeo que fará parte do acervo do museu. Atualmente a árvore recebe cuidados para crescer no novo ambiente. A chance é de 50%. "Nada aqui é decorativo, tudo tem significado. Depois de vários cortes ficou apenas a essência", enfatiza Ferraz.

A observação vale, por exemplo, para os combogós de parte do prédio, cujo desenho único foi elaborado a partir do traço das galhagens e do chão seco do sertão. Ao todo, foram utilizadas 2.200 peças, em uma "construção artesanal para fazer do museu um espaço único", ressaltou o secretário Márcio Stefanni.

Na entrada haverá uma vitrine com objetos pessoais de Gonzaga, como sanfonas e trajes (chapéus, perneiras, gibões). Logo após, uma sala redonda em aço, chamada Útero, onde os visitantes "mergulharão" em uma projeção de oito minutos, em 220°, que sintetiza e expressa poeticamente a paisagem física e cultural do sertão. "Quase como um rito de passagem", resume Ferraz.

A etapa seguinte, batizada Armazém: o Mundo do Sertão, divide-se em seis territórios distintos, cada um com cerca de 70m². Um riacho construído entre elas representa o Rio São Francisco e ajuda a delimitá-las.

No espaço Ocupar haverá uma grande maquete reproduzindo a caatinga, seu relevo e bioma. Telas, vitrine e estações interativas contam a história da ocupação do sertão, divididas entre aspectos de paleontologia, arqueologia, ecologia, colonização e urbanização. Projeções e animações revelam aspectos inusitados da geografia e história desse universo. No território Viver haverá um labirinto de texturas que evoca a vida no sertão, além de objetos de uso cotidiano e filme sobre as casas e comidas sertanejas. Em Trabalhar, estarão expostos cerca de 50 ferramentas de trabalho, acompanhados de instalação com imagens e sons da feira e outra multimídia sobre a relação do sertanejo com a água.

Territórios
No território Cantar serão resgatadas as maneiras como o sertão foi retratado na música e no cinema. Uma linha do tempo dinâmica conta, por meio de objetos raros e iconografia, a história da invenção do Baião por Luiz Gonzaga e seus parceiros.

Compõem ainda o espaço uma vitrine com roteiros originais do programa "No mundo do Baião", criado e estrelado por Gonzaga e Zé Dantas na Rádio Nacional. No Túnel das Origens, uma projeção audiovisual de cerca de dez tipos de artistas e personagens tradicionais nordestinos (banda de pífanos, repentistas, cantadores de feira, cordelistas, vaqueiros, cantadores, de abio, sanfoneiros etc) apresentam as sonoridades que inspiraram a invenção do gênero musical.

O território Criar é dedicado à cultura material sertaneja, popular e erudita, por meio de vitrines com objetos criados por artesãos - a exemplo de Mestre Vitalino. O visitante poderá navegar virtualmente por uma teia hipertextual composta por coleções de obras artísticas que retratam o sertão, relacionadas ao cangaço, amor, festas, paisagens, cotidiano, trabalho e crenças.

A fé, aliás, é o tema do território Crer, que, dividido em dois espaços (Deus e o Diabo na Terra do Sol), tematiza, o fervor religioso do sertão. Por fim, no território Migrar, estações multimídia trazem depoimentos de migrantes sertanejos, anônimos e famosos, inclusive do próprio Gonzaga. Dez monitores rodam filmes elaborados a partir de depoimentos e memória oral desses nordestinos que contam suas histórias de vida.

Encerra o circuito do museu a chamada Caixa, espaço em que se revezam três experiências audiovisuais: "Ói eu aqui de novo: vida e obra de Luiz Gonzaga em vídeo"; "A língua do sertão: espetáculo de luzes e sons sobre o falar e o escrever sertanejos"; e "Cordel: a literatura de cordel em versos e animação".

Acessibilidade
No mezanino do prédio haverá ainda um espaço com toda a discografia de Gonzaga e uma vitrine com capas de discos, além de tablets para os visitantes pesquisarem informações e ouvirem as músicas do Rei.Em um espaço chamado Imbalança, crianças e adolescentes poderão manipular e tocar instrumentos musicais. Completam o trajeto baias para caraoquê e para gravação de versões personalizadas de músicas de Gonzaga, a partir de samplers do Baião.

Computadores instalados no local garantem a conexão do museu com outras instituições em Pernambuco dedicadas à memória do artista (como o Parque Aza Branca, em Exu). Atualmente, a criação desses conteúdos encontra-se em diferentes fases. A previsão é de que em setembro parte dele comece a ser instalada no museu. Segundo Ferraz, já há em andamento um projeto de acessibilidade para o equipamento, elaborado por equipe especializada.

ADRIANA MARTINS
REPÓRTER

Fonte: Diário do Nordeste



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