Em dez anos, número das uniões estáveis cresceu 76% no Ceará

O cearense passa por uma transformação quando se trata das relações amorosas. Na última década, as uniões consensuais, em que o casal vive junto sem se casar no civil ou no religioso, foram as que mais cresceram no Estado. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Censo de 2000 registrou que essa modalidade de relação representava 11,92% do total das uniões no Estado - 692.045 pessoas optaram por viver sob o mesmo teto do companheiro ou companheira sem passar pelo cartório ou igreja. Em 2010, esse tipo de relação alcançou 35,65% do geral. Ou seja, 1,219 milhão de pessoas decidiram "juntar os panos" ao invés de formalizar a união.

Isso significa um aumento de 76% em dez anos. Esse percentual coloca o Ceará na terceira posição no Brasil e segunda no Nordeste em uniões estáveis. Santa Catarina, com 95%, e Piauí, com 88%, lideram o ranking nacional nesse tipo de união levando com consideração o aumento de um Censo para outro em cada Estado.

De acordo com especialistas, mudanças na legislação, independência financeira das mulheres e diminuição do preconceito levam mais cearenses a desistirem do matrimônio formal. Na avaliação do chefe da unidade estadual do IBGE, Francisco José Moreira Lopes, os novos indicadores de nupcialidade decorrem de vários fatores interligados, mas todos vinculados à ida da mulher ao mercado de trabalho e à mudança de comportamento da sociedade. Moreira destaca, por exemplo, que a independência financeira e o maior controle sobre o próprio corpo deram a elas mais liberdade de escolha, como a de se casar e ter filhos mais tarde. "A opção por não ter filhos é outra tendência que vem sendo percebida", frisa.

O aumento das uniões consensuais seria também explicada por maior flexibilidade dos hábitos. "Ir morar junto passou a ser mais aceito pela sociedade, seja por uma busca dos jovens em conviver antes de optar pelo casamento, seja pelo conhecimento de que esse tipo de união está amparado legalmente", detalha a psicóloga Selma Câmara.

O casal Pedro Henrique e Juliana Marques é exemplo disso. Eles estão juntos há nove anos e afirmam que decidiram pela relação consensual por dois motivos. "O primeiro, financeiro. A gente preferiu comprar um imóvel do que gastar em festa. O segundo, porque eu me senti sem pressão para exigir cartório e igreja", conta Juliana, que está grávida de sete meses. "Além de tudo, a lei me garante direitos".

A farmacêutica Lara de Almeida e o fotógrafo Anderson Silva também optaram por viver juntos há um ano e meio. "Não existe mais esse negócio de preconceito. A gente também tem vantagem até na hora de comprovar renda para compra de imóvel".

Variáveis
Para compreender essas mudanças, afirma a professora Maria Dolores de Brito Mota, do Núcleo de Estudos de Gênero, Idade e Família, da Universidade Federal do Ceará (UFC), é preciso considerar outras variáveis, como idade, escolaridade, rendimentos, número de filhos, religião, casamentos anteriores, entre outros. "Este é um crescimento muito intenso para o período. Acredito que por si esse dado já mostra que as pessoas querem constituir famílias, relacionamentos íntimos. Não casar no civil e no religioso mostra uma profunda mudança no entendimento sobre o sentido de estar junto", afirma.

Na sua avaliação, casar nos dias de hoje é entrar no contexto de uma poderosa indústria de festa, com gastos grandes, desde o convite, enxoval, cerimônias civil e religiosa, roupas, chás, buffet, fotos, filmagem, enfim, um mercado de produtos especializados que desencadeia gastos que muitas vezes representam dividas que os casais enfrentam no início da vida conjugal.

"Neste novo milênio a contestação do patriarcalismo é muito mais veemente, sobretudo no interior da estrutura familiar onde ele se enraizou", indica a doutora em Sociologia e coordenadora do Núcleo de Apoio a Pessoas em Situação de Violência Doméstica e Familiar (Navi), da Universidade de Fortaleza (Unifor), Marinina Gruska Benevides.

Isto, diz ela, está intimamente ligado à dinâmica global das forças produtivas, ao aumento dos níveis de escolarização e trabalho feminino e aos meios contraceptivos que permitem controlar o processo reprodutivo e liberar a sexualidade. "A inserção da mulher em novas realidades tornou reduzida a autoridade e dominação exercida pelo homem como chefe da família", explica a pesquisadora.

LÊDA GONÇALVES
REPÓRTER

Fonte: Diário do Nordeste

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