Salitre (CE): Município depende da água de PE

Os quase 17 mil habitantes deste município, na região do Cariri-Oeste, sofrem, há décadas, com a falta de água. A seca dos últimos anos agravou a crise hídrica de Salitre. Os reservatórios mais próximos da cidade estão com capacidade inferior a 5%, como é o caso do Açude Poço da Pedra, no município de Campos Sales, distante 30Km. Os salitrenses estão comprando água vinda da cidade de Araripina, no Pernambuco, Estado cujo município faz divisa.

O diretor do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Salitre, Viana Félix, avalia que a cada ano a situação se agrava. Ele ressalta que o Sindicato tem tentado, junto aos governos estadual e federal, uma "solução, ainda que paliativa, para este problema secular". Viana relata que a comunidade mais carente é a que mais sofre com o problema. Por mês, alguns moradores chegam a desembolsar mais de R$ 50,00 com a compra de água.

Atividades simples, como tomar banho de chuveiro, são impossíveis em vários bairros. Aos 51 anos e moradora de Salitre há 35, a dona de casa Márcia Pereira conta que "nunca viu cair uma gota de água do seu chuveiro". "Reformei minha casa ano retrasado, mas quase não mexi no banheiro. Raramente ele tem água encanada e, quando tem, a pressão é muito pequena".

Para driblar o problema da falta de água, Márcia compra, por semana, 200 litros ao preço de R$ 6. A água é vendida por carroceiros e extraída de poços espalhados pela cidade. Para o consumo, a dona de casa conta que a água é comprada de carros-pipa vindos do Pernambuco. "São duas contas. A água que uso para lavar prato, roupa e a casa compro aqui na cidade, a água para beber vem de fora. O gasto por mês só com água é alto e acaba faltando para outras coisas", lamenta a senhora.

Cena comum
A cena mais comum ao andar pela cidade é ver carroceiros de um lado para o outro comercializando água. De acordo com Viana Félix, existem mais de 40. "Eles começam a trabalhar bem cedo, logo pela madrugada iniciam a coleta de água no maior poço da cidade, localizado no centro. Apesar de a água ser bastante salgada, serve para atividades do lar", explica Félix.

O carroceiro José Justino de Oliveira Silva, 38, trabalha há três anos no segmento. Ele atua com a ajuda de seus dois filhos, José Filho e Cristiano, ambos com ensino médio incompleto. Justino diz que após o quadro de seca no Estado, as vendas aumentaram consideravelmente. Por dia, ele chega a fazer dez entregas. "O preço da carrada varia com a distância, fica entre 6 e 7 reais", explica. Cada "carrada" contém 200 litros de água.

Quando a população calcula o quanto gasta mensalmente com o consumo da água, verifica-se que o custo é superior ao que se pagaria à Companhia de Água e Esgoto do Ceará (Cagece), se o município tivesse um reservatório para esse fim. "Usamos até o dinheiro dos benefícios do Governo, como o 'Bolsa família' para comprar água", acrescentou.

Para o consumo, 15 caminhões da Operação Pipa, do Governo Federal, fazem a distribuição de água potável na zona rural. Viana avalia que os cerca de 8 mil habitantes radicados fora da sede do município estão em "uma posição pouco mais confortável". "Lá a situação é melhor. O Exército faz uma rota mensal distribuindo a água que é armazenada nas cisternas de cada casa", explica o diretor do Sindicato. Ainda segundo ele, já existem quase três mil cisternas e outras 1.200 estão em conclusão.

Já na zona urbana, carros-pipas particulares comercializam água potável. O líquido também vem do Estado do Pernambuco. A vigilância Sanitária colhe amostras para atestar a qualidade da água para o consumo. Não há um número exato de quantos caminhões atuam no segmento, no entanto, de acordo com o assessor de comunicação da Prefeitura, Alexandre Franklin, "são mais de 25 carros-pipas somente na sede do município".

Órgãos públicos
Escolas públicas, secretarias municipais, postos de saúde, Prefeitura e o hospital da cidade não estão livres do problema. No único hospital do município, alguns banheiros estão sem água e outros interditados por falta do líquido. Apesar de o diretor da unidade de saúde, Mazinho, negar a situação, pacientes denunciam o "descaso".

"Primeiro eu te pergunto, como fazer saúde sem o básico, a água?", indaga Graça Cunha. A manicure diz que frequentemente se desloca ao Hospital com seu filho e a cena é sempre a mesma. "Banheiros sempre sujos, não tem água na descarga, na pia, e outros estão assim, com arame na porta sinalizando a interdição", mostra.

O diretor do Hospital reconhece que "alguns dias há falta de água, porém, o quadro não dura muito tempo, por termos uma caixa d'água com boa capacidade de armazenamento".

Anualmente, são gastos 50 mil reais para abastecer a unidade de saúde, conforme informou o prefeito Rondilson Ribeiro de Alencar. Para todos os órgãos públicos, o gestor disse que o município gasta, por licitação, 28 mil reais, comprando água para abastecer todos os órgãos.

Soluções
Com açude Poço da Pedra, que abastece as cidades de Salitre e Campos Sales, está no volume morto, com apenas 4,7% de sua capacidade, uma alternativa viável seria o reparo da bomba instalada em um poço de Salitre, cuja vazão é de mil litros por hora. O problema é a alta temperatura no subsolo que inviabiliza a bomba instalada.

Para o gestor, o ideal seria que a Cagece assumisse a responsabilidade pelo abastecimento de água no município. "Estamos em um período emergencial. O Município já decretou estado de calamidade, reconhecido pelo governo do Estado. Na realidade, a cidade está em colapso. O governo se posiciona alegando que precisa haver um processo de licitação. "Salitre não tem açude e nem pode contar com o poço profundo", avaliou.

A Cagece em Salitre foi procurada pela reportagem para falar sobre o assunto, no entanto, um funcionário, que pediu para não ter sua identificação revelada, disse: "uma ordem vinda de cima não nos permite falar com a imprensa".

O Ministério Público está movendo uma Ação Civil contra o Governo do Estado, no sentido de tentar solucionar o problema, conforme adiantou o prefeito.

ANDRÉ COSTA
COLABORADOR

Fonte: Diário do Nordeste

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