Juazeiro do Norte (CE): ´Paixão de Cristo´ revela talento de personagens reais

Um dos momentos mais emocionantes da vida da vendedora Andreilda Pereira Sales está sendo o de encenar, pela primeira vez, Maria, a mãe de Jesus, num dos grupos mais populares e antigos de Juazeiro, na encenação da Paixão de Cristo. A Compactur leva às ruas da cidade mais de 100 personagens e figurantes, para apresentar ao público que vai ao Horto, durante a Semana Santa, a peça Jesus, O Nazareno, e também em outros bairros da cidade. São quase três décadas de um trabalho que rende ao grupo a satisfação de contracenar nas ruas. A arte de levar o conhecimento dos momentos marcantes do cristianismo, para as pessoas comuns.

O ourives Jorge da Silva Melo, pela primeira vez, encara o papel de Jesus, no espetáculo. Há 15 anos participando da companhia, já vivenciou personagens como Lázaro e Tomé. Foi também figurante. Para ele, um papel forte e que exige concentração. Poderá vivenciá-lo numa das quatro apresentações do grupo marcadas para acontecer nesta semana, porque há outro participante que fará Jesus na peça. O personagem principal da história, com isso, está garantido de não faltar às apresentações.

Profissões diversas
São lavadores de carro, auxiliares de pedreiro, chapeadores, proprietários de lava-jato. Esses profissionais, nesse momento, simplesmente, vivenciam a arte de subir ao palco e sair às ruas, com orientações do presidente da Compactur, José Antonio de Sousa, o Zezim, para atravessar as estações que culminam com a crucificação de Jesus.

Dono de um lava-jato em Juazeiro, ele, além de produtor, diretor, é também ator. Faz o papel, há três anos, do sumo sacerdote Caifás, que presidiu dois dos julgamentos de Jesus. Sua esposa, Ana Maria Alves de Sousa, faz o papel da Samaritana.

Nesse trabalho, o envolvimento do grupo não é apenas dos atores com os seus próprios personagens, mas com todos os aspectos que o trabalho possa proporcionar. Cada um dá a sua contribuição, inclusive com a produção do figurino. Assim aconteceu com o Jorge, que irá encarar o protagonista da história. Mas a grande responsabilidade mesmo fica com Zezim.

Ele e Maria têm enfrentado a luta de manter as apresentações anuais do grupo ainda vivas na cidade. A finalidade era mesmo tornar a Compactur uma espécie de companhia oficial de apresentação da Paixão de Cristo, no município, emblemático pela sua religiosidade.

Tanto que a apresentação com maior nível de produção acontece na Sexta-Feira da Paixão, às 9 horas, na Colina do Horto, espetáculo de mais de duas horas, com as estações, para romeiros de várias partes do Nordeste e público do Cariri, que vai até o Horto nesse dia, em forma de sacrifício e oração.

As outras apresentações vão acontecer nos dias 26 e 27, no campus do Pirajá, da Universidade Regional do Cariri (Urca), em Juazeiro, às 19h, e no domingo, dia 31, no espaço Marcos Jucier, na Avenida Ailton Gomes, também no Pirajá, às 19 horas.

Vários outros grupos desenvolvem atividades durante o ano na cidade, reúnem personagens, de várias partes, para encenar a Paixão de Cristo, nesse período. Um deles é o da Associação Comunitária Amigos de Dom Bosco, com o projeto Paixão de Cristo - Jesc. O grupo tem 20 anos e se apresenta para um público de 8 mil pessoas dos bairros Limoeiro, Franciscanos, Timbaúbas, Pio XII, Pirajá e outras localidades. A apresentação acontece no bairro Limoeiro. A peça conta com o envolvimento de 100 figurantes e atores.

Zezim afirma que mesmo concorrendo ao edital da Paixão, do Governo do Estado, não é muito fácil levar o espetáculo às ruas sem apoio do poder público. "Se dessem pelo menos o transporte seria de grande valia", diz. O reconhecimento do valor do grupo é algo que espera até hoje. Os atores populares conseguem fazer história em Juazeiro, segundo o lavador, durante todos esses anos de trabalho.

Teatro popular emociona o público
A representação de importantes passagens na vida de Jesus Cristo mantém viva uma história de mais de dois mil anos. Mesmo assim, fiéis lotam os locais onde há apresentação para acompanhar as principais passagens de Jesus na Terra.

Dentre elas, o momento do batismo; a pregação e os milagres como a cura de pessoas com enfermidades graves; o encontro com Maria Madalena. Todas são cenas que antecedem a Via Sacra, retratada pelas 14 estações iniciada logo após a traição de Judas, um dos 12 apóstolos que seguiram o Messias e depois expandiram o cristianismo. Na história, conhecida por todos os católicos, Jesus é preso, julgado, condenado e crucificado.

Horto serve de cenário para encenação
Com a conquista de um dos editais da Paixão, há dois anos, foram adquiridos vários figurinos e também montado um cenário, expostos em sua totalidade na área do Horto, onde ocorre a apresentação todos os anos, a área ao lado do estacionamento. O local possui pequena elevação, com pedras, que lembram os cenários dos filmes voltados para a época e o tipo de temática.

O ourives Jorge da Silva respira fundo para encenar o personagem que ensaia há mais de seis meses. "Fazer Jesus em cena, não é brincadeira", afirma ele. "É algo que exige ternura, requer respeito, dedicação, com tudo que vai fazer".

A passagem mais forte da peça, segundo Jorge, é a fase do julgamento de Jesus. Para a personagem de Maria, é um momento de grande emoção. Uma forma de realização também, poder estar na pele de uma das mulheres mais importantes da humanidade, que sofreu um grande martírio.

Uma das grandes preocupações dos personagens é envolver o público, convencendo as pessoas de uma história real, que aconteceu há mais de dois mil anos. "Estamos revivendo um pouco disso tudo, e temos que levar emoção às pessoas. Tocá-las", observa ele.

Somente no Horto, 13 grupos realizam momento da Via Sacra. Um trabalho que exige quebra de rotina para esses homens e mulheres comuns. Para Zezim, o trabalho é compensador, porque o principal objetivo do grupo é levar mesmo o espetáculo às pessoas. "Com isso, cumprimos essa trajetória ao longo desses anos. É uma grande alegria e também uma realização", diz. Isso, mesmo sem o apoio do poder público local.

No lava-jato
As reuniões também acontecem no espaço do lava-jato. Normalmente à noite, ou nos fins de semana. Afinal, durante a semana, os atores e atrizes da Paixão de Cristo, se encontram em seus postos de trabalho.

Ele já encenou um centurião e também foi figurante. O lavador de carros, Ricardo da Silva neste ano vai ao palco interpretar Pilatos. Sua paixão pela arte o leva a fazer um dos personagens mais importantes da peça. "Tenho que impor autoridade nesse papel", diz ele. Não está sendo difícil encarar o personagem novo em sua vida.

A participação na Compactur já rendeu ao jovem ator a participação do filme feito em Juazeiro, Sangue no Sertão, que conta a trajetória do Padre Cícero. Zezim decidiu encarar essa realidade em sua vida. O prazer pela arte o impulsionou a encenar a Paixão de Cristo. São três anos à frente da companhia. 16 no grupo. O áudio das cenas apresentadas é gravado em estúdio. As falas são produzidas em cima de textos bíblicos. São 2 horas e meia de espetáculo, com a exibição de 21 cenas.

Para melhorar a atuação em cena dos participantes, um dramaturgo da cidade deu algumas orientações básicas, mas isso foi no ano passado. Neste ano, Zezim se encarrega de levar essas pequenas orientações. As dúvidas vão sendo minimizadas ao mesmo tempo em que ocorrem os ensaios. Afinal, a experiência dos que estão contracenando já vem de longe.

O grupo já chegou a mais de 200 integrantes. O trabalho de juntar as pessoas começa cedo. Ainda no final do ano são feitos todos os contatos. As cenas da peça incluem desde a ressurreição, o batismo, a tentação no deserto, o perdão de Madalena, Samaritana, santa ceia, a venda de Cristo por Judas, o sinédrio, entre tantas outras passagens conhecidas da história de Jesus.

Mais informações
Compactur
Rua: Delmiro Gouveia, 1085
Juazeiro do Norte
Salesianos
Telefone (88) 8837.7773

ELIZÂNGELA SANTOS
REPÓRTER 

Fonte: Diário do Nordeste



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