Crato (CE): Obra no Canal do Rio Granjeiro ainda preocupa moradores


Os desastres e cheias contabilizados durante a sua história são tantos que o comerciante Raimundo Valmir Rodrigues já perdeu as contas. Desde 1958, ele tem um pequeno armazém de frente ao Canal do Rio Granjeiro, em Crato, um dos pontos mais emblemáticos de cheias no Estado. Hoje, diz que as catástrofes são mais frequentes e já teve prejuízos que comprometeram toda a mercadoria do seu estabelecimento. Ele aumentou a altura da placa de metal, uma comporta, para conter um pouco mais a água que pode entrar no local nesse período chuvoso. "Quanto mais o tempo passa, as chuvas, mesmo as menores, se tornam mais ameaçadoras", constata.

A avaliação dele tem uma razão de ser, quando técnicos na área de engenharia alertam para uma realidade que a cada ano se torna mais comprometedora e ameaça a população, com o que podem chamar de tragédias anunciadas. Isso, frente aos riscos de uma obra de alto custo e que até agora é ineficiente para conter a força das águas que descem em velocidade desde a Chapada do Araripe até o Centro do Crato.

Medidas
Várias alternativas já foram apresentadas ao longo dos anos, desde a construção de reservatórios na área superior da Chapada do Araripe, alargamento do canal, aprofundamento do leito do rio. Mas o contrário vem acontecendo, com a intensa ocupação, e de forma desordenada, das áreas de encosta, com novas construções, o depósito de dejetos e águas de esgotos, além do adensamento populacional.

Todas essas questões já foram avaliadas pelo engenheiro civil Gerardo Júnior Cavalcante Lopes, como morador da cidade por vários anos. No início dos anos 2000, ao ver a obra do canal que era realizada, com o estreitamento do leito do rio, além de ter a base concretada, ele alertou para o crime ambiental e os riscos que a população estava passando.

O engenheiro enviou uma carta para o Ministério do Meio Ambiente (MMA), que tinha Marina Silva à frente, e destacou o erro técnico da obra, que necessitava de um bloqueio imediato. Por cerca de 15 dias, conseguiu paralisar o que via como um absurdo em meio a uma área densamente povoada. Após esse período, a Justiça acabou autorizando o projeto. De lá para cá, vieram as cheias subsequentes, prejuízos, trechos do canal destruído e até registro de morte.

Ele alerta para uma alternativa viável, que seria devolver o espaço para o rio. Segundo Gerardo, não existe outra ideia para ser viabilizada que afaste os riscos de grandes catástrofes na área, devendo ter o seu entorno desocupado em pelo menos cerca de 300 metros.

"A opção é simples, e pode ser realizada por etapas. As pessoas já veriam os efeitos serem minimizados. Isso é uma política estratégica, podendo ser este espaço transformado num grande parque, uma área verde e de lazer dentro da cidade, fazendo do Crato um município exemplar. Além disso, beneficiando toda a população e afastando os riscos de catástrofes na área. A gente precisa criar equipamentos comunitários para as pessoas, com o diferencial que mude a cultura de uma região, promovendo a qualidade de vida", explica.

Os moradores nesse período ficam apreensivos, como é o caso da professora aposentada Nascir do Nascimento, e do seu marido, o representante comercial, Antenor Gonçalves. Há poucos meses eles decidiram voltar para a casa, que ficou praticamente destruída durante a enchente registrada em 28 de janeiro de 2011. Uma madrugada de agonia e desespero, inesquecível para ales, com o registro de uma chuva de 162 milímetros. Foram mais de 30 casas atingidas no Crato nessa noite e boa parte do comércio da cidade foi invadida pela lama que tomou de conta das ruas principais do Centro.

O rastro de destruição foi maior na área onde mora Nascir. Depois de quase cinco anos, decidiu voltar para o mesmo local onde vivenciou um dos piores momentos de sua vida. Ela olha para a curva em 's' feita no canal, de frente à sua morada, para amenizar o trajeto da água e diz que foi pior. "Quando retorna, bate na torre da igreja e vem direto para a minha casa", afirma. Foi o que aconteceu na última grande cheia. Postes caíram na frente da sua residência e o canal ficou irreconhecível. A lateral do muro da casa foi levada e os móveis ficaram destroçados. Eram quase dois metros de água no interior da residência e eles correram para uma área e ficaram sobre a janela, para escapar durante toda aquela madrugada de chuva intensa. O que poderia ser aproveitado, após a saída temporária dos moradores, foi roubado. Depois que retornaram ao local, falam que até hoje não chegaram a ser indenizados pelos prejuízos. Nem eles ou qualquer outra pessoa que tenham conhecimento. Decidiram fazer uma construção reforçada num pequeno espaço do quintal. Utilizaram o pouco da reserva financeira que tinham e o projeto está pela metade. O dinheiro acabou.

Reforço
Antenor diz que fez questão de reforçar nos alicerces, com um metro e meio, e o novo muro que fez na casa. "Não precisava nem ter saído. Era para ter feito o serviço com mais pedras e profundidade", explica. Para eles, parece estar afastada a ideia de uma possível enchente, mas ainda ressaltam: seja o que Deus quiser. Na ponte de frente à casa dele existe um equipamento para medir catástrofes, implantado no ano passado. Uma Plataforma de Coleta de Dados, mas que apresentou defeito após uma precipitação de pouco mais de 70 milímetros.

Para Ronaldo Amorim não é novidade alguma que em mais um ano ocorra enchente. É uma dificuldade que tem enfrentado há muitos anos. Ele disse que a chuva de 43 milímetros, na semana passada, chegou a deixar o canal pela metade de água, porque não choveu muito na serra. Desde o tempo do seu pai, nos anos 60, que vivencia as cheias do canal. "Já são mais de 20", diz ele. Dos prejuízos, nem tem mais conta. Colocou uma placa de metal maior na entrada para evitar que mais água entre no local. Mesmo tendo um batente e ficando mais alta.

Previsão
Segundo o gerente regional da Companhia de Gerenciamento de Recursos Hídricos do Estado (Cogerh), Alberto Brito, a Plataforma de Coleta de Dados pode antecipar uma previsão de chuva em até 3 horas. Chegou a passar por uma manutenção, mas ele mesmo não consegue acessar os resultados constatados pelo aparelho, que possui monitoramento de Brasília, por meio do Centro Nacional de Monitoramento e Alerta de Desastres (Cemaden). Vários deles atualmente estão instalados no Estado do Ceará.

O secretário de Obras do Crato, Tarcio Luiz de Carvalho, afirma que um projeto, a ser feito pela Prefeitura, avaliado em cerca de R$ 1 milhão, irá mostrar o tipo de obra viável para afastar a possibilidade de ocorrência de cheias do canal. Ele diz que há uma necessidade e reconhece as dificuldades enfrentadas na área há muito tempo.

A grande preocupação do engenheiro Gerardo Júnior é ver uma obra com falhas técnicas que, dependendo do tempo da chuva, e o volume, por exemplo, o estrago causado pode ser incalculável.

"A cada ano, há uma possibilidade da vazão da água ser maior para uma chuva do mesmo porte, principalmente aumentando o volume que chega na área mais baixa, com uma velocidade mais intensa, fruto da ocupação das áreas de encosta e do asfaltamento das vias, como vem acontecendo de forma cada vez mais frequente no sopé da Chapada do Araripe, em Crato", alerta. Ele reitera que solução existe, mas apenas com a preservação da área do rio e não comprimindo o seu espaço, como tem acontecido ao longo dos anos.

ELIZÂNGELA SANTOS
REPÓRTER

Fonte: Diário do Nordeste

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