20 anos sem Tom: não se pode pensar o Brasil sem ele

Antonio Carlos Jobim forjou ao piano um Brasil pleno, cioso de seus homens e de sua natureza, um país destinado a ser feliz.

A utopia jamais se realizará, mas Tom, por infeliz coincidência, morreu no momento em que ser Brasileiro –o que ele era já no sobrenome– reconquistava dignidade, desviando-se da tristeza que parecia sem fim dos 30 anos anteriores, os da ditadura militar, de Sarney, de Collor.

Nos últimos 20 anos, o Brasil ganhou moeda estável, fortes avanços sociais e democracia firme. Tom não pôde ver isso.

Morreu num 8 de dezembro como hoje, em 1994, num hospital de Nova York, por complicações após cirurgia para retirar um câncer na bexiga. Tinha 67 anos.

Como já se disse bastante, não foi por acaso que a bossa nova surgiu no final da década de 1950, quando uma lufada de otimismo soprou no país, insuflando também o cinema, o teatro, as artes visuais.

A bossa nova é uma invenção de João Gilberto, e Tom sempre ressaltou isso. Mas são suas as melodias que embalaram aquele enlevo nacional. Elas nos projetam num estado de encantamento que não soa apenas individual, mas cívico.

Entretanto, ainda que sem jamais perder a ternura, Tom também tocou e chorou o país das décadas seguintes. "Sabiá", "Olha Maria", "Matita Perê", "O Boto", "Saudade do Brazil", "Passarim", "Borzeguim" e mesmo "Águas de Março" são canções do exílio físico (em parte feitas ou gravadas nos EUA) e existencial.

Villa-Lobos
O Brasil que, em nome de um suposto progresso, destrói a si mesmo (os bichos, as terras, as águas, os índios, a inteligência, a civilidade, sua riqueza cultural) é mostrado nessas e em outras músicas.

Em se tratando de Tom, os lamentos não se dão com raivas e ruídos, mas em monumentos de beleza, nos quais convivem angústia e placidez. É nítida e significativa a influência de seu ídolo Villa-Lobos.

Tal como nos anos dourados da bossa nova, mas em outro registro, aponta-se o caminho do país –e o fim do caminho.

"Sabiá" tem letra de Chico Buarque e "Olha Maria", de Chico e Vinicius de Moraes. Os 20 anos da morte de Tom vêm se somar a efemérides dos seus parceiros: os 70 anos de Chico em junho passado; o centenário de Vinicius em outubro de 2013.

São três arquitetos da delicadeza, da memória, do amor (não só o dos casais). Não se pode pensar ou sentir o Brasil sem eles. Não se pode, sem eles, pensar ou sentir o que o Brasil deveria ser.

A morte precoce poupou Tom, pelo menos, destes tempos de ódio e intolerância, paradoxalmente alimentados por um sistema de aproximação entre as pessoas, que é a internet.

Nada pode ser mais antijobiniano do que o ódio e a intolerância.

E nada mais jobiniano –e desvairadamente utópico– do que continuar acreditando na delicadeza e no Brasil.

Por: Luiz Fernando Vianna

Fonte: Folha.com



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