Como uma mentira ganha asas na internet

Para muitas pessoas, não há diferença entre um meme de origem duvidosa, uma denúncia anônima no WhatsApp e um esforço hercúleo de reportagem. Quando um conteúdo vai ao encontro do que elas acreditam, não se importam se é mentira ou não. Abraçam o argumento e compartilham-no.

Uma parte desse conteúdo serve como munição para uma guerra suja virtual por corações e mentes –você pode não ver, mas ela está aí e, por vezes, já é mais forte que o jornalismo de qualidade. Monstro que foi estupidamente alimentado por PSDB e PT durante as últimas eleições presidenciais, mas que está presente em todo o mundo.

O jornal "Edição do Brasil", de Minas Gerais, estampou em sua manchete do dia 30 de janeiro uma declaração atribuída a mim, mas que nunca dei –a de que aposentados são inúteis.

Nas páginas internas, uma entrevista, que também nunca concedi, trazia barbaridades contra os idosos. Ao que tudo indica, alguém pegou o conteúdo de meu blog no UOL, inverteu o sentido e o transformou em entrevista.

Isso desencadeou um show de horrores. Aposentados desejaram-me dor e sofrimento. Redes de ódio na internet apropriaram-se do material e afirmaram que eu havia sido pago para declarar aquilo. Ameaças de morte e agressão foram veiculadas, dizendo que eu deveria "ser caçado e morto por faca" ou que balas deveriam ser disparadas em minha testa.

Mesmo após o próprio jornal reconhecer e informar que a suposta entrevista nunca existira, o linchamento manteve-se. A essa altura, o conteúdo original não mais importava, nem o desmentido. Era apenas raiva, que fluía.

Estou tomando medidas judiciais cabíveis, o que inclui as páginas que incitaram o ódio, e o Ministério Público Federal foi informado. Todavia, esses casos têm cauda longa, duram anos, arrastando-se pela internet e sobrevivendo por meio de incautos que, no limite, resolvem fazer justiça com as próprias mãos.

Sei disso por experiência própria, pois esta não é a primeira onda de difamação que enfrento.

Vi muita gente que cotidianamente discorda de meu ponto de vista sair em minha defesa, alertando para o perigo de utilizar informação falsa nas disputas de ideias. Um exemplo de que não importa a nossa matriz de interpretação do mundo, precisamos respeitar limites éticos, sob o risco de perdermos todos.

Talvez seja este um dos maiores desafios que teremos nos próximos anos: fomentar o sentimento de responsabilidade em um mundo no qual todos possuem acesso a ferramentas de comunicação em massa, mas nunca refletem se o conteúdo que curtem e compartilham foi coletado e produzido com um mínimo de cuidado.

Se o debate público fosse mais qualificado, quem usa material falso como subsídio de argumentação nem seria ouvido. Contudo, hoje esse tipo de conteúdo faz sucesso.

Portanto, quem não gosta de manter-se informado para poder filtrar conteúdo e acha que senso crítico é uma bobagem, mas adora repassar tudo o que vê pela frente, deveria dedicar-se apenas a gifs com gatos, por favor. A divulgação de uma informação errada causa um impacto negativo que nunca poderá ser corrigido.

Por: Leonardo Sakamoto, pesquisador visitante da New School for Social Research, conselheiro da ONU para trabalho escravo e blogueiro do UOL.

Fonte: Folha.com

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