Crato (CE): Brincar de boneca beneficia saúde

Uma brincadeira de boneca que já dura mais de 10 anos. A sombra do pé de manga nem existe mais, mas elas estão criativas, produtivas e felizes com o trabalho que destacou as Bonequeiras do Pé de Manga. O compromisso de fazer o que se gosta tornou-se uma atividade artesanal de resgate de uma tradição, além de se utilizar o produto final como instrumentos terapêuticos, por meio do Tatadrama, uma forma de psicoterapia.

A ideia de confeccionar as bonecas veio a partir de uma psicóloga de São Paulo, Elizete Leite. Não por acaso, a sua prima Gertrudes Leite foi a grande contemplada com uma mudança de vida, a partir do momento em que aceitou o desafio de pesquisar e desenvolver a arte. A alternativa redimensionou o cotidiano de dezenas de mulheres que já passaram pela Associação das Bonequeiras do Pé de Manga.

O exercício de buscar o aprimoramento, as lições de empreendedorismo, participação em feiras de vários estados e a satisfação de saber que as bonequinhas estão em Cuba, São Paulo e outros estados e países trazem um alento para as mulheres. Algumas delas estão no grupo desde que foi criado, no bairro São Miguel. O refúgio para a atividade concentrada era a sombra das mangueiras.

Experiência
Com agulhas, linhas, e outros artefatos a depender do modelo de boneca, as mulheres trocavam ideias, inspiravam e davam dicas uma as outras. Isso acontece hoje em dia, mas em menor intensidade, por conta da experiência acumulada.

E as personagens vão tomando formas pelas mãos das bonequeiras. Há as que são encomendadas, mediante a concepção da terapeuta, o que acontece em sua grande maioria. As primeiras a serem feitas foram mais comuns. São personagens que mexem com a subjetividade das pessoas. Era o reflexo de um ser animado, sobre os conflitos despertados por meio do inanimado. Vem daí o poder de proporcionar a transformação, pela terapia, que as bonecas de pano acabaram revelando na educação, saúde, socioeducação, entre outras formas de atuar no processo de transformação.

As artesãs até se divertiam no começo em que tinham que dar características mais humanas às suas criações. Não era fácil fazer bonecas com membros amputados, mulheres ensanguentadas. Mas há os bonecos inspirados em personagens da cultura popular e grupos de tradição.

Durante todos esses anos, as mulheres do Pé de Manga não chegaram a receber muitas encomendas da região do Cariri. O grupo já passou por várias dificuldades e a maioria das participantes chegou a desistir das atividades. Hoje, seis mulheres dão continuidade ao processo. O resgate se torna importante.

A coordenadora Gertrudes Leite lembra os primeiros momentos para iniciar a atividade, que contou com a sua irmã, Ana Maria Leite. Esse processo teve uma longa história para acontecer. A prima psicóloga em São Paulo guardava na lembrança de infância os momentos em que tinha as bonecas para brincar. Em Recife veio a lembrança das velhas bonequinhas e comprou dez delas, para trabalhar em São Paulo. Depois, achou melhor adquirir no Cariri, mas por aqui, com a modernidade, estava difícil encontrar muitas bonecas. Apenas dona Neinha, uma feirante do Crato, tinha o artigo, mas não podia atender uma demanda grande, com os pedidos da psicóloga que se tornaram frequentes.

A possibilidade de confeccionar veio em seguida, e Gertrudes afirma que começou a recrutar mulheres do bairro para iniciar a atividade. No começo, um trabalho árduo de aprendizado.

As encomendas aumentaram e as mulheres usavam as bonecas de dona Neinha como inspiração. Hoje, Gertrudes calcula cerca de 13 mil bonecas já confeccionadas para o projeto voltado para a terapia do Tatadrama. Ela sempre tem encomendado para as terapias e também para as suas exposições.

Estímulo
As reuniões à tarde debaixo da mangueira foram frutificando e estimulando a criatividade. Gertrudes afirma que veio aprender mesmo com nove anos de exercício. Ela chegou a viajar por feiras de várias cidades para desenvolver a sua criatividade, observando os exemplares que encontrava em outros locais.

Hoje, há especialidades diferentes de bonecas, entre elas as grávidas e da Frida Kahlo. Ao longo dos anos, o apoio institucional tem sido realizado por meio de instituições como a Universidade Regional do Cariri (Urca), que ocorreu há alguns anos, e também do Sebrae.

A artesã Maria do Socorro Silva afirma que aos poucos foi conquistando sua liberdade para poder produzir. Era difícil até elas mesmas acreditarem no seu potencial produtivo. "Sempre gostei das bonecas e hoje faço com o maior gosto", diz ela.

Para a artesã Maria do Rosário de Oliveira, o trabalho que mais marcou sua vida foi ter que produzir bonecas para levar para a Cuba, além de personagens deformadas. "Sofri com isso, porque confeccionamos pensando no humano", lembra.

O economista Genys Paulo Nicolau Tavares conheceu as bonequeiras quando ainda estava na universidade, por meio de um projeto de extensão. Passou a acompanhar o trabalho mais de perto, e veio a oportunidade de transformar o grupo em associação. Ele adotou um processo de organização das finanças e a parte administrativa. As encomendar são constantes, por empresários e outras psicólogas que fazem o Tatadrama com a sua prima. As bonecas são simples para esse trabalho e adaptadas para a terapia.

Mais informações
Associação das Bonequeiras do Pé de Manga
Avenida Perimetral, S/N
São Miguel - Crato
Telefone: (88) 9970.5137

ELIZÂNGELA SANTOS
REPÓRTER

Fonte: Diário do Nordeste



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