A Coreia do Norte curou a Aids e o Ebola? Especialistas respondem

Na última semana, a Coreia do Norte anunciou ter criado um medicamento capaz de curar uma série de doenças, incluindo Aids, Ebola, Mers (sigla em inglês para Síndrome Respiratória do Oriente Médio) e Sars (Síndrome Respiratória Aguda Severa). O anúncio do governo ditatorial liderado por Kim Jong-un, como esperado, causou amplo ceticismo. Segundo o jornal britânico The Guardian, o país alardeou a mesma droga durante o surto da gripe aviária em 2006 e 2013. Além disso, o anúncio ocorre em um momento no qual a Coreia do Sul enfrenta graves problems com a Mers, que vitimou dezenas de pessoas no país nas últimas semanas.

A droga norte-coreana, Kumdang-2, foi desenvolvida a partir de ginseng cultivado com fertilizante misturado a elementos raros e “micro-quantidades de ouro e platína”, segundo o site da droga.

O Politike ouviu o que dois dos mais importantes especialistas em Coreia do Norte têm a dizer sobre o assunto. Confira abaixo:

Scott A. Snyder – Diretor do programa de política entre EUA e Coreia no Council on Foreign Relations (CFR), organização sem fins lucrativos e think tank com foco em política externa dos EUA que publica a conceituada revista Foreign Affairs. Ele é co-editor do livro North Korea in Transition: Politics, Economy, and Society e autor de Negotiating on the Edge: North Korean Negotiating Behavior, ambos sobre a Coreia do Norte.

Recentemente, a Coreia do Norte anunciou a criação de uma droga que, supostamente, pode curar Aids, Ebola e Mers, assim como um outro medicamento para combater a hepatite. O primeiro anúncio, no entanto, provocou amplo ceticismo devido à falta de provas sobre a sua eficácia. O país costuma superestimar suas capacidades militares em uma tentativa de demonstrar poder. Logo, essa suposta descoberta seguiria uma lógica semelhante?

É provável que esse anúncio seja superestimado. O que é interessante é que ele atua em ansiedades públicas e fraquezas reais norte-coreanas, mas apresenta os cientistas do país como heróis em saúde pública.

O que motivou o interesse em publicizar essa suposta descoberta médica? A droga foi anunciada em um momento no qual a Coreia do Sul luta contra um surto de Mers, e não há uma vacina disponível. Parece estranho que esse anúncio tenha ocorrido agora. Seria uma provocação norte-coreana?

Muitos anúncios da propaganda norte-coreana são feitos como parte de uma duradoura competição por legitimidade com a Coreia do Sul. Esse anúncio parece programado para ressaltar uma relativa vulnerabilidade da Coreia do Sul. Claro que a probabilidade da Mers entrar na Coreia do Norte é pequena porque não há muitos norte-coreanos viajando ao exterior e retornando do Oriente Médio.

O anúncio deste medicamento é mais um esforço do governo para criar uma percepção interna da grandeza do país?

Sim, porque a ideia do Estado como protetor das população, em especial na óptica da aparente vulnerabilidade sul-coreana, é uma linha natural para a propaganda norte-coreana explorar.

A droga está disponível online por cerca de US$28,00 (quase R$ 87,00), e possui um distribuidor europeu baseado em Moscou, na Rússia. Você acredita que essa é uma estratégia séria de lucrar com esse medicamento, mesmo sem comprovação de eficácia? Caso o remédio seja ineficiente, o que isso pode acarretar para a imagem já pouco confiável da Coreia do Norte?

A Coreia do Norte se destaca por obter vantagem em atividades ilícitas ou desonestas com grandes margens de lucros como uma forma de conseguir moeda estrangeira. Isso inclui a venda de drogas, cigarros com rótulos falsos, falsificação e o comércio ilícito de pequenas armas e de marfim. A venda de produtos farmacêuticos falsos é uma área natural na qual entidades norte-coreanas procuram obter lucros.

Charles K. Armstrong – Professor-associado da Fundação da Coreia e diretor do Centro para Pesquisa Coreana na Universidade de Columbia (EUA). Ele é autor de diversos livros sobre a Coreia do Norte, entre eles Tyranny of the Weak: North Korea and the World, 1950 – 1992, que ganhou o prêmio John Fairbank da Associação Histórica Americana para História do Leste Asiático, em 2014.

Duvido que essa droga possua as propriedades especiais que os norte-coreanos alegam. A Coreia do Norte costuma exagerar o seu sucesso em muitas coisas, e esse anúncio é provavelmente mais propaganda doméstica do que uma notícia séria.

Um objetivo secundário seria conseguir moeda estrangeira ao vender esse medicamento. Caso compradores estrangeiros descubram que a droga não funciona, não há muito o que possa ser feito para buscar a responsabilização dos norte-coreanos.

Entretanto, o momento do anúncio é bem interessante, com o problema da Mers enfrentado pela Coreia do Sul. Um propósito do anúncio parece ser mostrar a superioridade da Coreia do Norte sobre o Sul. Há muitos anos, a Coreia do Norte tem retratado a Coreia do Sul como atormentada por doenças “estrangeiras” (Aids, Sars, e agora Mers) em contraste com o “puro” e saudável Norte. Isso pode ser novamente uma propaganda doméstica, mas talvez as autoridades norte-coreanas esperam ganhar algum apoio no Sul com essas alegações.

Por: Gabriel Bonis

Fonte: Politike/Carta Capital

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