Marco histórico pode ser destruído com construção de rodovia, no Cariri

A construção de uma rodovia entre os municípios de Porteiras e Missão Velha preocupa pesquisadores do Cariri. A obra pode destruir um monumento histórico que marcou o coronelismo no Ceará. A via passará no local em que fora erguida, na década de 30, uma lápide em memória de Antônio Gomes Grangeiro. A história desse fazendeiro começou a ser desenhada no período de Lampião, no sertão cearense.

Destino
"Diga a ele, dona, que num precisa ter medo deu, não. Ele precisa ter cuidado é com 'os bonzinho' que vêm aí atrás", alertou Lampião a Maria Celina Grangeiro, esposa de Antônio Grangeiro, que havia fugido de casa ao perceber a aproximação do cangaceiro e seu bando. Os "bonzinhos", a quem se referia o Rei do Cangaço eram as volantes comandadas pelo tenente José Gonçalves Pereira, que foram ao Cariri "dar cabo" do próprio Antônio Grangeiro, e também do fiscal de tributos Antônio Marrocos de Carvalho e, principalmente, de Francisco Pereira de Lucena, o Chico Chicote. O episódio ficou conhecido como "Fogo nas Guaribas".

Na madrugada do dia 1º de fevereiro de 1927, os militares chegaram ao sítio Salvaterra, no Brejo dos Santos (atual cidade de Brejo Santo) e capturaram Antônio Gomes, seu sobrinho João Grangeiro e dois moradores, Aprígio Timóteo de Barros e Raimundo Madeiro Barros. Com mãos e pés amarrados com cordas, os quatro seguiram até o sítio Guaribas, no atual território do município de Porteiras, onde presenciaram cerca de 31 horas de troca de tiros entre as volantes e os capangas de Chico Chicote, que foi vencido. Ele foi encontrado morto, de joelhos, baleado no maxilar, no braço esquerdo e com tiro fatal no tórax.

Os quatro reféns, incluindo Antônio Grangeiro, que acompanhou o ataque ao casarão de seu compadre, Chico Chicote, foram mortos após o tiroteio. Por volta das 14 horas já do dia 2 de fevereiro, "os homens de Salvaterra" foram assassinados, degolados e incinerados. Depois, enterrados em valas comuns ali mesmo. Anos depois, no local onde estavam os corpos, João Gomes Grangeiro, filho do fazendeiro, ergueu uma lápide em memória do pai.

Os restos mortais ficaram por lá até a década 1980, quando a família os enterrou, em definitivo, no cemitério de Porteiras. Ali, foi erguida uma cruz, que se tornou um marco do "Fogo das Guaribas".

Importância
O administrador e gestor cultural Mano Grangeiro, neto de Antônio Grangeiro, acredita que aquela cruz é um marco para a história do País. "Aquilo tem um valor afetivo e histórico. Não nos pertence, e sim à história do Ceará, do País. Isso não foi um fato isolado. Não foi um acidente. É um fato ligado a diversos outros. Tem forte enraizamento nas questões políticas locais e estaduais da época. Destruir aquilo é destruir parte da história", enfatiza Grangeiro.

O temor de familiares e pesquisadores advém da demarcação da obra. No local, foram cravadas estacas que sinalizam onde deverá passar a pista. "Aquele mausoléu tem importância de caráter nacional, porque representa o modos operandi do coronelismo no sertão nordestino, especificamente no Cariri", acredita o pesquisador Bruno Yacub.

Os descendentes da família se mobilizaram para evitar que isso acontecesse. O próprio Mano conversou com a Prefeitura de Porteiras para ter acesso ao estudo topográfico. Até agora, sem sucesso.

A equipe do Diário do Nordeste entrou em contato com o Departamento Estadual de Rodovias (DER), que informou que aquele trecho da rodovia ainda encontra-se em fase de elaboração de projeto. "Toda e qualquer situação sobre esta rodovia encontra-se em análise e o DER evitará que qualquer traçado prejudique o mausoléu", garantiu em nota.

Assim como a residência onde morava Antônio Grangeiro, que se encontra preservada no Sítio Salvaterra, em Brejo Santo, o marco do antigo mausoléu é motivo de visita de inúmeros pesquisadores que passam pelo Cariri. "Têm o maior respeito por aquele lugar", ressalta Bruno.

Já o casarão de Chico Chicote, que protagonizou o episódio, foi demolido na última década. "O 'Fogo nas Guaribas' é um grande exemplo da prática do coronelismo no Cariri cearense", completa o pesquisador. Na época que Antônio Grangeiro foi assassinado pela Polícia, sua esposa, dona Celina, estava grávida de cinco meses de Raimunda Grangeiro Neves, hoje com 92 anos, única filha viva do casal. Sua mãe morreu cinco dias após seu parto. Ela conta que a família ficou desamparada com a morte do fazendeiro e acabou se dispersando. As irmãs mais velhas casaram no ano seguinte à tragédia. "A família foi destruída", lembra.

ANTONIO RODRIGUES
COLABORADOR

Fonte: Diário do Nordeste

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