Cientistas querem usar presidiários para testes como fazem com ratos de laboratório

Imagine que você quer fazer um estudo de dietas e nutrição, com milhares de participantes separados aleatoriamente para seguir planos específicos de refeições por anos enquanto a saúde deles é monitorada.

No mundo real, estudos como esse são quase impossíveis. É por isso que há tantas questões sem resposta sobre o que é melhor para as pessoas no campo da alimentação. E um dos maiores mistérios diz respeito ao sal e a sua relação com a saúde.

Agora, um grupo de pesquisadores famosos sugeriu uma maneira de resolver as chamadas guerras do sal da ciência. Os estudiosos querem conduzir um imenso teste de ingestão de sal com presidiários, cujas dietas podem ser controladas. Os pesquisadores, que recentemente propuseram a ideia ao periódico Hypertension, dizem que estão otimistas quanto às perspectivas do estudo.

Usar os presos como objetos de estudo é, no mínimo, controverso. A história é cheia de contos de terror. Nos anos 1940, os presidiários foram deliberadamente infectados com malária. Nos anos 1950, com hepatite. Uma década depois, os cientistas irradiaram os testículos de homens encarcerados.

"As prisões são um ambiente intrinsicamente coercitivo", afirmou Ruth Macklin, especialista em ética e professora de Epidemiologia e Saúde da População da Faculdade de Medicina Albert Einstein. "Isso não significa, porém, que o consentimento informado seja impossível."

O objetivo do estudo proposto é colocar um fim em décadas de desacordo científico sobre os benefícios e os perigos do sal. De um lado estão pesquisadores que dizem que os norte-americanos comem muito sódio e que isso prejudica sua saúde. Para as pessoas saudáveis a Associação Americana do Coração recomenda 2.300 miligramas por dia. Para quem tem pressão alta, no entanto, a quantidade ideal é 1.500 miligramas, ou menos da metade de uma colher de chá.

Quanto mais alta a pressão sanguínea, maior o risco de ataques cardíacos e derrames. Reduzir o teor de sal da dieta diminui a pressão arterial, então, alimentar-se com quantidades muito baixas deveria levar a menos problemas cardiovasculares e mortes.

Do outro lado, estão os dissidentes da ciência que dizem, "vocês precisam provar o que dizem". Eles se preocupam com o fato de que níveis muito baixos de sódio possam piorar a saúde, citando estudos que encontraram maiores taxas de morte, de ataques do coração e derrames em pessoas que seguem dietas com baixo teor de sódio.

E a resistência obstinada daqueles que deveriam consumir menos sal indica, segundo alguns especialistas, que os humanos desejam esse ingrediente por uma razão --ele é necessário para a saúde.

A média de consumo de sódio nos Estados Unidos e em vários outros países não se altera há décadas. São cerca de 3.200 miligramas por dia. Há anos, os médicos, entre eles um grupo que produziu um relatório para o Instituto de Medicina sobre o sódio na dieta, vêm pedindo um teste clínico aleatório sobre o assunto que examinasse os resultados como mortes e derrames, não os fatores de risco, como a pressão arterial. Esse teste, porém, nunca aconteceu, e isso transformou o tema em um campo minado para cientistas e consumidores.

O doutor Daniel W. Jones, professor de Medicina e Psicologia da Escola de Medicina da Universidade do Mississippi e ex-presidente da Associação Americana do Coração, ficou assustado ao ver as discussões amargas entre os pesquisadores que discordam sobre o sal. Então, convidou cientistas médicos dos dois lados do debate para se encontrarem em Jackson, no Mississippi, para descobrir como resolver suas diferenças.

"Eu queria um equilíbrio entre os diferentes pontos de vista", conta Jones, que acredita que as dietas com baixo teor de sal são mais saudáveis. "E queria pessoas que têm evitado a tentação de depreciar os motivos daqueles com quem elas discordam." Esses critérios, de maneira geral, "me deixaram com uma pequena lista de pessoas para convidar", conta Jones.

Os seis cientistas chamados concordaram em discutir suas diferenças. (Depois, convidou mais dois pesquisadores --o doutor Eric Peterson, especialista em testes clínicos da Universidade Duke, e o doutor Robert Califf, também da Duke, que foi chefe da Administração de Alimentos e Medicamentos-- para avaliar o trabalho final.)

Jones e o doutor David McCarron, pesquisador de Nutrição da Universidade da Califórnia, em Davis, que se preocupa que as dietas com pouco sódio sejam perigosas para a saúde, lideraram a discussão. Eles começaram expondo o relatório do Instituto de Medicina para o grupo e destacando a recomendação de que se faça um teste clínico randomizado em uma população cuja dieta possa ser controlada. Eles se perguntaram, "O que vamos fazer?"

"Não é hora de alguém tentar fazer isso?", perguntou Jones, lembrando-se da conversa. "Se a resposta for sim, qual é a população ideal?" Por dois dias, o grupo debateu e ponderou várias opções. Conduzir o estudo entre militares? Em geral são muito jovens. Em casas de saúde? Muitos moradores já estão em uma dieta com baixo nível de sódio. A melhor opção parecia ser as pessoas encarceradas. Então, suponhamos que se faça o estudo em prisões, disse Jones. A pesquisa deve beneficiar os prisioneiros ou apenas a população em geral? Se os prisioneiros não se beneficiarem, o estudo seria antiético.

As pessoas que não estão presas podem escolher quanto sódio querem consumir, mas os prisioneiros não --eles comem o que a instituição fornece. Se há uma incerteza quanto à quantidade ideal de sódio, concluíram os especialistas, os prisioneiros iriam se beneficiar de um estudo que resolvesse a questão.

O grupo consultou Marc Morjé Howard, professor de Governo e Leis da Universidade Georgetown que também dá aulas em uma prisão de segurança máxima. "É um pouco um campo minado da ética. Minha preocupação seria que a pesquisa não prejudicasse de alguma maneira a saúde dos prisioneiros e que a participação fosse voluntária", disse Howard em uma entrevista por telefone. "Mas acho que é possível se for feito de uma maneira muito, muito cuidadosa, com a cooperação total das autoridades da cadeia", afirmou.

Ele disse que várias pessoas que estão presas já superaram seus passados criminosos e têm o desejo de ajudar a sociedade. "Elas querem ser perdoadas", contou.

Em uma entrevista por telefone, Macklin afirmou que vários presidiários ficariam felizes de participar. Ela deu aulas em uma prisão de segurança máxima e estudou o lado ético se fazer pesquisas em cadeias. "Eles diriam que querem contribuir com a sociedade", disse ela.

Os administradores das cadeiras confirmaram a Jones que gostariam de considerar a proposta de um estudo aleatório de uso de sal. Jones também vai conversar com o Sindicato Americano de Liberdades Civis, que possui um projeto sobre os direitos dos presos, para explicar o estudo e por que ele aborda questões importantes para os prisioneiros.

O plano é começar com um projeto-piloto envolvendo encarcerados de 55 anos ou mais. Depois viria um teste maior, previsto para durar cerca de cinco anos, com dez mil a 20 mil prisioneiros nesse mesmo grupo de idade. Os pesquisadores planejam solicitar fundos do Instituto Nacional de Saúde.

Jones diz que o teste por enquanto é apenas uma proposta. "Há muitos passos entre hoje e o começo. Mas somos um grupo sério de pessoas, mais experientes e que discordam fortemente. Nós nos reunimos para tentar encontrar a solução", explica.

Fonte: Viva Bem/UOL (Via New York Times)

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