Crato (CE): Agricultor mantém uma casa de sementes crioulas

Uma casa, mais de 50 variedades de sementes crioulas. É com orgulho que o agricultor Juvenal Januário Matos, conhecido como Seu Juvenal, "com quase oito décadas de vida" como ele gosta de frisar, expõe seu estoque de sementes acondicionado em garrafas pet na sala de sua residência, no bairro Batateiras, neste município, na região do Cariri. Há quase 20 anos, ele e mais três agricultoras, dentre elas, sua esposa, Durçulina Gomes de Matos, 83, tiveram a ideia de criar um mecanismo em defesa dos longos períodos de estiagem que assolam o Ceará.

"O agricultor vive da terra, do plantio. Seja para vender ou para se alimentar. Nós precisamos das sementes e, quanto melhor sua qualidade, melhor será o alimento servido à mesa", inicia Seu Juvenal, homem sábio e que impressiona com o fino trato com as palavras e convicção com que as diz. "Antigamente, não se tinha o hábito de guardar sementes de forma coletiva. As pessoas não pensavam muito no futuro como um todo e também não achavam que podia vir uma seca tão grande, como a de agora. Mas, em 1986, minha esposa e eu começam a pensar nisso e três anos depois criamos a 'Casa das Sementes'", relembra.

Inicialmente, o objetivo dos agricultores era "garantir alimentação saudável e permanente", conforme destaca Edite Dias de Oliveira, 77. A execução do projeto aconteceu de forma democrática e organizada. "Criamos uma associação, que na época tinha 46 pessoas, e depois um estatuto com as normas da Casa com a aprovação de todos, assim como a escolha do nome. A Edite sugeriu 'Germinação Para Valer' e eu 'Senhor dos Exércitos', que acabou ganhando com 42 votos", lembra Seu Juvenal. O nome, segundo ele, é uma referência às batalhas diárias travadas pelo homem do campo em busca da sobrevivência.

O funcionamento é simples e se baseia no sistema de empréstimo e devolução. Coletivamente, os associados definem a quantidade de sementes que cada agricultor precisa, levando em consideração, por exemplo, a área total do plantio. A quantidade emprestada é devolvida com o dobro para a Casa de Sementes.

"Isso garante que o estoque esteja sempre mantido", frisa Juvenal Januário. Em períodos de seca, no entanto, a devolução pode ser feita em dois ou três anos. "Se o agricultor teve perca na colheita, a gente aceita receber, sem multa, a semente no ano seguinte", complementa o criador do modelo alternativo de administração coletiva das reservas de sementes.

Diversidade
Em 1998, quando criada, a Casa contava com mais de 70 variedades de sementes. Hoje, devido à seca e "a falta de compromisso e honestidade de alguns agricultores", esse número foi reduzido. "Chegamos a ter apenas 35 variedades; hoje são em torno de 50", todas orgânicas e nativas. Todas estocadas em garrafas pet devidamente nomeadas com a caligrafia dos próprios agricultores. Ao lado da descrição, o ano em que a semente foi armazenada.

São também a garantia da diversidade alimentar e contribuem ainda com a biodiversidade dentro dos sistemas de produção. Por outro lado, a não utilização de sementes híbridas e agrotóxicos faz com que o plantio demore um pouco até dar retorno. "Essa é outra questão importante da Casa. A gente se organiza para ter alimento saudável, mesmo que demore um pouco mais", justifica a agricultora Maria do Socorro da Silva, 64, que completa o quarteto pioneiro do projeto.

Outro beneficio apontado por eles é a não-dependência das sementes entregues pelo Governo, através do Programa Hora de Plantar, que este ano distribuiu mais de três toneladas de sementes para 150.639. As chamadas "sementes transgênicas", nome dado aos organismos geneticamente modificados causam aversão ao Seu Juvenal. "Não gosto nem de ouvir falar esse termo", diz ele. Em sua avaliação, "a natureza é a única que deve se encarrega de melhor a genética das sementes".

Estoque
50 variedades de sementes crioulas, todas orgânicas e nativas, estão estocadas em garrafas pet nomeadas com a caligrafia dos agricultores.

ANDRÉ COSTA
COLABORADOR

Fonte: Diário do Nordeste

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