Chico Science: muita vida 20 anos após a morte

Chico Science (centro), com a Nação Zumbi: arquitetos da música brasileira do novo milênio
(Foto: Fred Jordão / Divulgação)
Quando o carro que dirigia bateu num poste, em Olinda, em 2 de fevereiro de 1997, um domingo de carnaval, Francisco de Assis França Caldas Brandão entrou para a história: era o fim da trajetória terrena de Chico Science, um dos músicos brasileiros dos quais mais se falou naquela primeira metade dos anos 1990 — tudo por causa dos seus eletrizantes shows e dos dois discos que lançara com a Nação Zumbi: “Da lama ao caos” (1994) e “Afrociberdelia” (1996).

Pouco antes do acidente com Chico, em dezembro, Max Cavalera tinha anunciado sua saída do Sepultura — e justo quando a banda vivia seu auge e maravilhava o mundo com “Roots”, disco que fazia crer que o heavy metal podia ter sido inventado no Xingu pelos índios Xavantes ou na Bahia por Carlinhos Brown. O luto tomou conta de uma geração inteira naquele carnaval — parecia que ia ser o fim da mais empolgante música feita em muitos anos no Brasil. Mas não foi.

Ouvida hoje, a obra de Chico Science pode até soar corriqueira. Mas é porque ela permeia boa parte do que foi feito na MPB de lá para cá.

Se os sertanejos pop incorporam a suas músicas a melodia de um sucesso do Talking Heads ou a batida de um funk dos morros cariocas, nada há de muito estranho. Mas foi porque um dia Chico e a Nação um dia chegaram com “Da lama ao caos”, propondo ao mainstream uma ambiciosa mistura: a das raízes mais profundas da música nordestina (os maracatus, os emboladores, os cantadores) com toda a música do mundo que se impôs pela força da eletricidade (o funk de James Brown, o afrobeat de Fela Kuti, as guitarras do heavy metal) ou pelos então novíssimos meios da produção proporcionados pelos equipamentos digitais (hip-hop, trip-hop, drum’n’bass etc).

No processo de incorporação das eletrônicas e o uso farto de samples (que culminaria em “Afrociberdelia”), Chico Science & Nação Zumbi trouxeram um novo balanço e novas possibilidades para o Brasil musical. Não estavam sozinhos: em 1996, os americanos Beck e DJ Shadow também lançaram discos (respectivamente “Odelay” e “Endtroducing...”) que mudaram todo o jogo do pop, forçando os limites do que poderia ser construído a partir de pedaços de outras músicas. Havia algo no ar, feliz de quem soubesse traduzir em música a liberdade daqueles tempos.

Antes de Chico, é claro, outros tentaram sintetizar o som do Brasil Ano 2000, como o Ira! (no LP “Psicoacústica”, de 1988) e os Titãs (de “Ô blésq blom”, de 89). Foram passos fundamentais, influências claras no seu trabalho, mas só os pernambucanos conseguiram levar as ideias adiante, com profundidade, peso e substância, ao longo de um disco inteiro (“Da lama ao caos”, produzido pelo mesmo Liminha de “Õ blésq blom”). Ali estava um som que ainda não existia, a evidente busca por um futuro que passava pelo passado e uma inquietação que poderia ser traduzida em groove para as grandes multidões.

De “O dia em que faremos contato” (Lenine, 1997) a “Lado B lado A” (O Rappa, 1999), passando por “Eu tiro é onda” (Marcelo D2, 1998), não faltaram ecos imediatos daquilo que Chico idealizou, com suas parabólicas enfiadas na lama. E em 2016, quando Céu lança o álbum “Tropix” (que imagina a tropicalidade construída com pixels, unidades digitais de imagem), com produção de Pupillo (baterista da Nação Zumbi), Chico Science continua lá — até porque ela canta “Chico Buarque Song”, canção do Fellini, uma das bandas favoritas do mangue boy que ajudou a ligar o Brasil no mundo e o mundo no Brasil.

Fonte: O Globo

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