5 fatos para entender Aleppo. Como a guerra civil na Síria acabou com uma cidade que já foi próspera e matou milhares de civis

Os ataques à cidade de Aleppo, na Síria, reacenderam a atenção internacional para uma guerra civil que já dura mais de 4 anos. São milhares de pessoas feridas, sem acesso a alimento ou atendimento médico e presas em um cerco que impede a entrada de ajuda humanitária e a divulgação de informações precisas. Para ajudar a entender como tamanha tragédia tomou forma, resumimos o ataque a Aleppo em 5 fatos.

1. Por 4 anos, Aleppo foi uma cidade dividida
Você pode pensar em Aleppo como um microcosmo de toda a guerra civil da Síria. Quando os protestos contra o governo do presidente Bashar Al-Assad explodiram em 2011 e foram moldando os grupos dissidentes que formam a oposição governamental no conflito, Aleppo não ficou de fora.

A cidade era o maior centro urbano da Síria. Além de um hub comercial, Aleppo também tinha arquitetura medieval de uma enorme riqueza histórica e foi eleita Capital Islâmica da Cultura em 2006. Com a guerra, no entanto, sua vocação para Patrimônio da Humanidade chegou ao fim. Aleppo, desde o começo, foi considerada peça-chave no conflito entre rebeldes e tropas do governo – e foi fortemente atacada.

Desde 2012, os dois lados tentavam tomar a cidade, mas não tinham força suficiente. Aleppo passou os últimos anos dividida como Berlim da Guerra Fria, só que sem o muro: o lado oeste sob o controle do governo e o leste tomado por diferentes grupos rebeldes de oposição.

A situação ficou basicamente em ponto-morto até o meio de 2016. Em julho, as forças de Assad, apoiadas por bombardeios aéreos da Rússia, conseguiram estabelecer um cerco na cidade. As tropas do governo tomaram controle da principal estrada da cidade, impedindo a movimentação e limitando os suprimentos das 250 mil pessoas que viviam no lado leste, tomado pelos rebeldes.

Mas os quatro anos de impasse já haviam destruído a próspera Aleppo: quem tinha condições escapou da cidade, deixando-a sem profissionais essenciais à comunidade, como médicos. As regiões históricas foram abandonadas e se transformando em ruínas. Com o cerco e os bombardeios indiscriminados, civis morreram e nenhum dos hospitais continuou funcionando normalmente.

2. Houve um cessar-fogo – que durou só uma semana
Em setembro, a Rússia, que apoia o regime de Assad, e os EUA, que estão do lado da oposição, sentaram para definir um trégua em Aleppo. Só que esqueceram de combinar com os sírios. Enquanto o governo sírio depende diretamente do poder de fogo e do suporte russo, a interferência dos EUA tem sido mais distante. Os americanos também tentaram capitanear um lado que não tem um único interesse. São diversos os grupos anti-Assad. Temos, por exemplo, as tropas do povo curdo, oprimido na Síria. Ou os rebeldes moderados, que têm um relacionamento mais próximo com os EUA. Mas a maior parte é mesmo de grupos islâmicos extremistas, de maioria sunita, apoiados por aliados da Al-Qaeda – ou seja, gente que não quer saber do Tio Sam.

O objetivo do cessar-fogo era permitir o atendimento de feridos e a remoção de civis pela ONU.

Mas não durou nem 10 dias.

No fim de setembro, os bombardeios já tinham sido retomados, com os EUA acusando a Rússia – e a Rússia acusando os rebeldes. A ONU suspendeu as atividades e Aleppo voltou à rotina de Inferno na Terra, chegando a um ápice de 200 ataques aéreos em um só fim de semana.

A partir da trégua destruída, o governo sírio foi para a ofensiva com força total. Invadiu a parte leste e tomou conta de cada vez mais bairros, até dominar mais de 90% da cidade. Os rebeldes, suas famílias e parte da população que morava na parte dissidente da cidade (quase 250 mil pessoas) tiveram que se apertar nas últimas ruínas que restaram.


3. O que sabemos vem das redes sociais (e não é muito)
A ofensiva em Aleppo Leste culminou em 12 de dezembro, quando algumas das forças rebeldes começaram a falar de novo em tréguas – e o desespero de Aleppo chegou ao mundo. Segundo o governo de Assad, os civis não são alvos. Eles teriam liberdade para sair da cidade, mas estariam sendo ameaçados a ficar pelos rebeldes. Os opositores negam.

Segundo a ONU, alguns civis estão sendo executados sumariamente pelas tropas governamentais. Jornalistas internacionais não têm acesso à área para trazer informações – o que se sabe vem dos depoimentos de sírios que estão presos em Aleppo e publicam a tragédia nas redes sociais.

Bana Alabed é uma menina de 7 anos que começou, em outubro, a publicar atualizações sobre a vida em Aleppo no Twitter. Sua mãe, Fatemah, ajudaria Bana a se comunicar em inglês. Em dezembro, seus tweets ficaram mais desesperados e as duas já deram adeus aos seguidores diversas vezes. Uma amiga de Bana teria sido morta em um dos desabamentos, seu pai estaria ferido e suas mensagens transmitem muito medo.

O Twitter recebeu uma onda de vídeos e posts de pessoas em Aleppo dando seu último adeus, em meio às bombas e a acusações de que as tropas de Assad estavam invadindo casas e executando civis.

Outra fonte de informações é o perfil dos White Helmets, um grupo de voluntários sírios que segue atuando no apoio aos feridos e vítimas da tragédia de Aleppo. Segundo eles, as ruas estão cheias de cadáveres e escombros de prédios.


4. EUA, Rússia, Turquia, Irã: todo mundo tem interesse na Síria
Em 15 de dezembro, as forças de Assad e os rebeldes conseguiram travar um acordo para evacuar civis. Os grupos de apoio humanitário foram, com ambulâncias e carros, limpando o caminho de um corredor de mais de 21 km para levar feridos e famílias até cidades vizinhas.

Quase mil pessoas foram resgatadas, segundo a BBC, em grupos de 15 ônibus de cada vez.

Mas o cessar fogo permanece muito frágil: um membro dos White Helmets foi atingido por um sniper enquanto ajudava a isolar o corredor em um dos veículos. Ninguém sabe de que lado veio o tiro.

Enquanto a situação de Aleppo parece se estabilizar, as tensões internacionais que influenciaram a tragédia da cidade permanecem fortes como sempre. Em 13 de dezembro, em uma reunião do Conselho de Segurança da ONU, embaixadores americanos e russos bateram boca. Samantha Power, dos EUA, comparou Aleppo aos genocídios de Ruanda e da Bósnia. Do outro lado, o russo Vitaly Churkin lembrou Powers que os EUA têm um histórico militar peculiar e que ela falava “como se fosse Madre Teresa [de Calcutá]”.

E não são só Rússia e EUA as influências externas na Guerra da Síria. O Irã investe pesado nas tropas de Assad, assim como o grupo extremista Hezbollah, do Líbano. Do lado dos rebeldes, além dos americanos está a Turquia, que tem pontos de divisa com a Síria exatamente na parte leste de Aleppo. Coordenar todas esses interesses, na situação interna já instável da Síria será um desafio geopolítico sem previsão de terminar.

5. Finalmente uma boa notícia? Aleppo está sendo evacuada
O primeiro divisor de águas para Aleppo vai ser a remoção dos civis e de alguns rebeldes que decidirem aceitar a perda da cidade e evacuar a região com suas famílias. A estimativa russa é que 4 mil pessoas deixem o centro, desde que nada atrapalhe o cessar-fogo atual.

Com o avanço das tropas de Assad, o governo terá retomado o controle das quatro maiores cidades da Síria. Mas os rebeldes ainda têm grande penetração nas cidades pequenas, o que indica que o conflito civil ainda está longe de acabar.

Em meio a tudo isso, surge ainda outra ameça fantasma. O Estado Islâmico é um dos grandes interessados nos conflitos da Síria. Desde 2012, o ISIS tem se fortalecido aproveitando o vácuo deixado pelo governo e pelos rebeldes – e já seguiu o rastro de destruição de Aleppo. Aproveitando a distração de todos os lados, os extremistas já fortaleceram sua posição em outra região da Síria, em uma área de deserto chamada Palmyra, por exemplo. O drama da Síria não parece terminar tão cedo.

Atualização em 16/12/2016

A evacuação de Aleppo foi interrompida no dia seguinte, com a Rússia dizendo que quase 10 mil pessoas foram removidas do leste da cidade. A Turquia e a ONU duvidam desses números, afirmando que ainda há dezenas de milhares de pessoas que desejam sair e seguem presas no centro. A comunicação via internet e telefone foi interrompida em Aleppo, impedindo informações mais precisas.

Segundo a mídia governamental da Síria, os rebeldes tentaram contrabandear armas para fora da cidade, motivando a interrupção por parte do exército russo. A OMS, que tem voluntários na área ajudando na evacuação, diz que sua equipe teve que se retirar de Aleppo sem receber explicações.

Fonte: Superinteressante

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