Artigo: O terrível custo para ter um doutorado sobre o qual ninguém fala

Uma noite, no terceiro ano do meu doutorado, eu sentei na minha cama com um pacote de tranquilizantes e uma garrafa de vodka. Joguei algumas pílulas para dentro da boca e dei um golão na garrafa, sentindo tudo queimar na minha garganta. Momentos depois, eu percebi que estava cometendo um erro terrível. Eu parei, tremendo, enquanto eu me dava conta do que quase havia feito. Eu liguei para uma amiga e a encontrei num bar no meio do caminho entre as nossas casas. Aquela noite mudou as coisas para nós duas. Ela conheceu o amor da sua vida — o bartender, com quem se casou mais tarde. E eu decidi que eu queria viver. Na manhã seguinte, encontrei um terapeuta e considerei largar o doutorado.

Todos sabem que ter um doutorado é difícil. É pra ser. Alguns até dizem que se você não fica acordado à noite toda trabalhando ou não pula refeições, você está fazendo errado. Mas enquanto os alunos do doutorado não são tão ingênuos a ponto de esperar que isso seja um passeio, há um custo para essa empreitada sobre o qual ninguém fala: o psicológico.

Os dias que eu passei perseguindo meu doutorado em física foram dos meus piores. Não eram os desafios intelectuais ou a carga de trabalho que me deixavam pra baixo: era minha saúde mental deteriorando. Eu me sentia desamparada, isolada e à deriva em um mar de incertezas. Ataques de ansiedade se tornaram parte do meu dia a dia. Eu bebia e me cortava. Às vezes, eu pensava que queria morrer.

Eu poderia não ter me sentido tão sozinha se eu tivesse sabido quantas pessoas sofrem com questões de saúde mental na academia. Um estudo de 2015 da Universidade Berkeley da Califórnia descobriu que 47 % dos alunos de pós-graduação sofrem de depressão, seguindo um estudo anterior, de 2005, que mostrava que 10% cogitava suicídio. Um estudo australiano de 2003 descobriu que as taxas de doenças mentais no grupo acadêmico eram de três a quatro vezes maiores do que na população em geral, de acordo com um artigo da New Scientist. O mesmo artigo nota que a porcentagem de acadêmicos com doenças mentais no Reino Unido é estimada em 53%.

Mas a atitude durona que permeia a torre de marfim pode induzir muitas pessoas que sofrem com a saúde mental a deixar seus problemas escondidos, enquanto outros simplesmente aceitam a depressão como parte do percurso. E na cultura quase darwiniana entre estudantes de pós que competem por um punhado de vagas como professor universitário, muitas pessoas assumem que problemas psicológicos são só para os fracos.

“Eu achava — e torcia para — que apenas tomar uns antidepressivos e trabalhar mais pudesse ser o suficiente”, disse Jane*, uma doutoranda em biologia que foi diagnosticada com ansiedade e depressão. “E como as coisas não melhoraram rápido, isso ainda afetou o meu humor”.

Essencialmente, muitos alunos de doutorado estão tão acostumados a trabalhar duro e se autodisciplinar que eles se flagelam quando seus esforços para lidar com a depressão não produzem resultados perfeitos.

Um sentimento geral de isolamento pode, ainda, pesar mais em alunos de pós que passam muito do seu tempo enterrados sob uma pilha de livros, sozinhos, em laboratórios.

“As questões que afetam alunos em geral, que podem influenciar também nos alunos de doutorado, é viver e trabalhar independentemente”, diz Anoushka Bonwick, diretora de projetos e relacionamentos na Student Minds, entidade filantrópica britânica.

Igualmente estressante é o fato de os alunos do doutorado enfrentarem “incertezas sobre o futuro, como bolsa para a pesquisa e o que vão fazer depois do doutorado”.

Essas questões podem ser ainda mais impactantes em alunos que não possuem orientadores que os apoiam.

“Minha maior dificuldade era a sensação de ser largado à deriva”, diz Andrew*, ex aluno de doutorado em física que saiu do programa meses antes de terminar. “Eu não tinha um orientador envolvido ou que colocasse a mão na massa. ” Enquanto ele largou o programa em parte para trocar de lugar com seu colega, diz que “um orientador mais envolvido poderia ter mudado as coisas”.

Outros alunos de doutorado sofrem, com frequência, da síndrome do impostor. Isso foi parte do meu problema mesmo antes de sinais de uma doença mental séria terem começado a aparecer. Eu sentia que fui longe na carreira acadêmica por acaso e que as notas altas que eu tinha recebido na faculdade e no mestrado tinham sido um erro administrativo. Isso alimentou tanto minha ansiedade quanto minha depressão.

A síndrome do impostor é um problema frequente entre alunos com bom desempenho que se encontram rodeados de outros como eles, de acordo com Linda*, professora de sociologia de New Jersey. “É muito comum se sentir uma fraude incompetente, e geralmente você assume que é o único que se sente daquele jeito”, ela relata.

A frequência desses problemas não deveria assustar futuros alunos que querem conseguir um doutorado. Mas eles deveriam ser preparados a pensar sobre como eles vão lidar com os desafios psicológicos ao lado dos desafios intelectuais.

“Acho que primeiramente é muito importante procurar os serviços de apoio que a universidade oferece”, diz Bonwick. Isso pode significar qualquer coisa, desde aconselhamento da universidade até grupos de apoio de alunos.

Universidades e escolas estão também se esforçando para fazer mais para apoiar alunos de pós graduação. Organizações sem fins lucrativos para alunos como o Student Minds, no Reino Unido, e Active Minds e o programa de campus “Health Matters ” de Jed e Clinton, nos Estados Unidos, colaboram com instituições educacionais para alertar sobre assuntos de saúde mental entre os alunos, assim como para estabelecer uma rede de apoio.

Além dessas iniciativas, as universidades precisam fazer mais para treinar orientadores a reconhecer sinais de alerta de qualquer coisa, desde depressão em estágios iniciais e ansiedade a tendências suicidas e abuso de substâncias. E é necessário criar uma cultura de abertura que não apenas remova o estigma associado a problemas de saúde mental mas também que encoraje os alunos a procurar ajuda.

Por: Jennifer Walker. Inglesa, doutora em Física pela Universidade Autónoma de Madrid e atualmente se tornou escritora freelancer especializada em arte, viagens e cultura, com foco na cidade de Budapeste, na Hungria.

Fonte: Painel Acadêmico (Tradução: Marina Legroski)

Curta nossa página no Facebook



Nenhum comentário:

Postar um comentário

AddThis