Floresta Nacional do Araripe completa 70 anos neste mês

A primeira floresta criada por Decreto-Lei no Brasil celebra, neste mês, 70 anos desde a sua criação. Com área superior a 38 mil hectares, a Floresta Nacional (Flona) do Araripe-Apodi, administrada pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), é considerada um dos últimos redutos da Mata Atlântica brasileira e funciona como caixa d'água do Cariri cerarense.

Criada em 1946, para manter as fontes de água e barrar o avanço da desertificação, a Floresta tem papel multifacetado na manutenção do equilíbrio hidrológico, climático e ecológico. Protege o solo, facilita a infiltração das águas pluviais, alimentando o aquífero do Araripe, abriga raras espécies da fauna e flora e permite o desenvolvimento e a conservação de patrimônio genético inestimável.

A Floresta do Araripe passou a ser uma espécie de "santuário ecológico" destinado a pesquisas científicas, recreação e lazer, educação ambiental, manejo florestal sustentável e turismo. Além disto, constitui importante refúgio para a fauna regional, inclusive para espécies ameaçadas de extinção, como o Soldadinho-do-Araripe. A ave é uma das espécies de maior risco de extinção no mundo e sobrevive na mata úmida do sopé da floresta.

Risco de extinção
Na área que corresponde à Floresta, vivem pelo menos cinco espécies ameaçadas de extinção. Dentre elas estão o Pintassilgo-do-Nordeste, a ave Jacucaca, o Vira-Folha-Cearense e, o mais conhecido, o Soldadinho-do-Araripe. O vice-presidente do Instituto Cultural do Cariri (ICC), Weber Girão, afirma que ave figura entre as 200 espécies de maior ameaça de extinção, dentre um universo de 10 mil aves no Planeta.

Para proteger o pássaro, o ornitólogo montou o Programa Soldadinho-do-Araripe, que visa proteger a ave e seu habitat, restrito a uma área de apenas 28Km², na encosta da Chapada do Araripe, entre os Estados do Ceará e Pernambuco. A busca pela manutenção do Soldadinho foi responsável pela criação de uma Unidade de Conservação (UC), em 2014, de quase 12 hectares, entre a Floresta Nacional do Araripe e o Sítio Fundão, intitulada Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN).

Na última contagem realizada pelo ICC, em 2014, foram contabilizados 280 casais na região do Crato. Desde que a contagem começou a ser feita, no início dos anos 2000, a perda da população adulta do Soldadinho gira entre 15% e 32%.

Ameaças diversas
Ao longo destas sete décadas, o local enfrentou e resistiu a inúmeros problemas, sobretudo a ação do ser humano devido à metropolização do Cariri e ao avanço do perímetro urbano frente à zona rural. Além da pressão antrópica, a Flona sofre com a caça ilegal, o lançamento de lixo por parte de usuários das estradas que cortam a Unidade e incêndios florestais. Para amenizar este último problema, a Flona conta com 18 brigadistas que cuidam da prevenção, combate e recuperação das áreas afetadas por incêndios florestais, que tem entre os meses de julho e dezembro o período mais crítico, devido às altas temperaturas e escassez de chuva.

"A grande lição da Flona Araripe para o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (Snuc) tem sido seu poder de resiliência, pois enfrentou, em 70 anos, abusos, descasos e toda sorte de ameaças. Ainda assim, continua prestando serviços essenciais à região, ao Nordeste e a toda biosfera", pontua Francisco Willian Brito Bezerra, analista ambiental da UC.

Willian Brito destaca que o geossistema Araripe constitui um microclima privilegiado no Semiárido, pois as chapadas do Araripe e do Apodi são conhecidas como duas grandes cisternas que captam as águas na estação das chuvas, liberando-as para a flora e a fauna e para a população. Em longos períodos de estiagem, como verificado nos últimos cinco anos, diversas espécies buscam refúgio na Floresta.

Na década de 1990, pesquisas identificaram mais de 300 fontes jorrando da base das montanhas do Araripe. Já em relação à fauna, são mais de 200 espécies de aves que encontram na Flona abrigo e alimento. Os benefícios da Floresta, entretanto, vão além. O analista explica que "deslizamentos de massa capazes de destruir comunidades inteiras são evitados por conta da flora generosa que sustenta o solo". Lembra, ainda, que a Floresta "fornece às famílias mais carentes alimento e até remédio".

A extração do pequi é o principal meio de sobrevivência para cerca de 130 famílias. Ao lado dos pequizeiros, surgem acampamentos e casas improvisadas. O agricultor Manoel José Justino, 61, conta que há quase 40 anos sai de casa, na zona rural de Nova Olinda, para "morar um tempo perto da floresta". Apesar de o resultado este ano ter ficado abaixo do esperado, "devido à pouca chuva". Mas Manoel só agradece à Floresta: "Se não fosse essa mata toda, muitos de nós passaríamos fome". O preço do cento de pequi varia de R$ 15 a R$ 25. O óleo está a R$ 70.

Turismo
Nos últimos anos, o turismo tem ganhado bastante força em torno da Flona. Anualmente, recebe mais de 10 mil visitantes para desenvolvimento de atividades de ecoturismo e de educação ambiental. "A ideia é desenvolver um ecoturismo de base comunitária, em parceria com instituições como Senac e Sebrae, e ONGs, como a Associação dos Condutores e Amigos da Floresta Nacional do Araripe (Acafa)", pontua Verônica Maria Figueiredo Lima, chefe da Flona.

Um projeto paralelo, do governo do Estado, pretende impulsionar esta atividade com a criação do Teleférico de Caldas, em Barbalha. O projeto, gerido pela Secretaria das Cidades, tem como objetivo interligar a Vila do Caldas ao Mirante do Cruzeiro. Além de fomentar o turismo, o Teleférico proporcionará a interação das pessoas com as funções ambientais das UCs, promovendo de forma direta ações de educação, proteção, preservação, conservação do bioma.

"Apesar de ser evidente a importância da Chapada do Araripe para os municípios do Cariri, poucos conhecem a importância da primeira Flona do Brasil por isso trata-se mais que um equipamento turístico", ressaltou a Secretaria, destacando que o equipamento contribuirá diretamente para o desenvolvimento turístico da região. "Um dos objetivos é oferecer ao visitante excelência em serviços que agregue valor ao produto e gere empregos e oportunidades de negócios para a comunidade local", finaliza.

Avaliado em R$ 12 milhões o projeto será submetido para apreciação e votação aos membros do Conselho Estadual de Meio Ambiente (Coema), em reunião que deve ocorrer no próximo de mês. A execução das obras devem ocorrer 30 dias após o recebimento da licença.

Pesquisas
A Flona também é um espaço privilegiado para a pesquisa, conforme lembra Verônica. No ano passado, por exemplo, foi lançada, na UC, a publicação "Sociobiodiversidade na Chapada do Araripe", que trouxe 23 trabalhos científicos sobre Geologia, Micologia, Botânica, Zoologia, Etnobiologia da Flona e da APA.

"O local atrai pesquisadores e estudantes de vários Estados brasileiros e até do exterior. Aqui pode se encontrar de quase tudo, inclusive pistas sobre a evolução da vida no Planeta. Os estudantes adquirem conhecimentos, desenvolvem habilidades, constroem valores e atitudes ecologicamente sustentáveis", conclui Verônica.

ANDRÉ COSTA
COLABORADOR

Fonte: Diário do Nordeste

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