O mundo está esquentando. Mas sem problema: Jesus vai voltar antes

Estamos vivendo dias de fritar ovo no asfalto.

E olha que nem chegamos ainda ao verão, que promete ser um dos mais quentes de todos os tempos.

Isso me lembrou que, tempos atrás, liguei a TV e, zapeando canais, descobri um debate no qual um sujeito afirmava que via com bons olhos as mudanças climáticas porque elas são sinais da volta do Messias.

Ou seja, para o sujeito em questão, megatempestades, eventos extremos, extinção de espécies, desaparecimento de países-ilhas, pessoas morrendo, refugiados ambientais, tudo isso faz parte de um plano sobrenatural (#SomosTodosPlaymobil).

E, portanto, que temos pouca influência por ter causado tudo isso. Ou, pior: quem somos nós para irmos contra a vontade de Deus?

Daí você, que não acredita na vinda de salvadores porque a salvação depende de nós mesmos, só pensa na chegada de um meteoro redentor. Daqueles bem gordinhos, do tipo que redimiu os dinos.

Se ainda fossem aqueles pseudocientistas e seu séquito de zumbis seguidores que dizem que o clima não está mudando, vá lá. Ou ainda algumas corporações que ganham dinheiro devorando o mundo como se não houvesse amanhã. Há um mínimo de racionalidade nessas ações bisonhas.

Mas dizer que o Criador (se ele existir – vejam que estou dando o benefício da dúvida com esse “se'') resolveu “permitir'' que o mundo fosse para o brejo para cumprir interpretações questionáveis a partir de livros cheios de metáforas e, dessa forma, apoiar um grande cataclisma global para prenunciar uma nova era deveria ser analisado como manifestação de alguma psicopatia grave.

A declaração é da mesma escola daquela de um assessor de George W. Bush quando questionado sobre a herança deixada às próximas gerações pelos gases geradores de efeito estufa da indústria norte-americana. Não me lembro da frase exata, porque lá se vão anos, mas foi algo do tipo: “não será um problema, porque Cristo voltará antes disso”.

A beleza de viver em uma sociedade em que há livre expressão de manifestações religiosas é que eles podem dizer o que quiserem. Podem, inclusive proferir discursos de ódio. Lembrando que a mesma democracia que não aceita censura prévia também prevê a punição em caso de discursos que incitem a violência.

Quem quiser acreditar em forças sobrenaturais determinando o seu dia a dia, tudo bem.

Quem quiser dedicar sua vida a seguir certos códigos de conduta religiosos e ter vergonha por sentir um tesão doido por alguém do mesmo sexo e se reprimir com vergonha disso, tudo bem.

Quem quiser se ajoelhar antes e depois de partidas em pleno gramado de futebol e justificar seu fracasso ou sucesso pela ação do sobrenatural e não por competência individual e coletiva, tudo bem.

Quem quiser acreditar que foi a fé em Jesus(.com) que garantiu uma frota de luxo ao presidente da Câmara dos Deputados, tudo bem.

Façam o que quiserem de suas existências.

Mas, por um acaso (e infelizmente), também vivo neste mundo em que vocês. Somos os responsáveis por afetar o frágil equilíbrio climático. E somos responsáveis pelo que acontecer daqui para frente. Se vamos sofrer muito ou pouco.

E a única verdade palpável, real e concreta por aqui, é que vamos sofrer por termos explorado o planeta além de sua capacidade. E se não fizermos nada agora, o que inclui mudar os atuais padrões de consumo e forçar governos e corporações a alterar mais rapidamente suas políticas, milhões vão morrer.

Daí, sim. Restará apenas lamentar.

E rezar.

Por: Leonardo Sakamoto

Fonte: Blog do Sakamoto/UOL

Curta nossa página no Facebook



Nenhum comentário:

Postar um comentário

AddThis