Com crise, pequeno comércio no Nordeste apela à caderneta de fiado

Dono de uma mercearia na cidade, Claudinei
Vieira, 36, diz que 40% do que vende é no fiado
A crise econômica afeta o dia a dia do brasileiro de diferentes maneiras. Em alguns lugares, a venda fiada (a crédito) ganhou vigor, incluindo a antiga prática da caderneta, onde as dívidas de cada cliente são anotadas.

Na cidade de Belo Monte (a 215 km de Maceió), em Alagoas, 84% da população recebe o Bolsa Família –terceira maior taxa de dependência do país. Com 7.000 habitantes e incidência de pobreza de 48%, segundo dados do IBGE, a cidade viu as vendas no comércio despencarem em 2015.

Apesar de os benefícios sociais continuarem sendo pagos em dia, a queda da receita do poder público paralisou obras e reduziu contratações e compras. Além disso, a alta inflação elevou o custo dos produtos essenciais.

O reflexo disso é que, para manter o comércio aberto, os comerciantes passaram a apostar na venda fiada –algo que vinha sendo reduzido ao longo dos anos.

Cartões x caderneta
José Antônio Soares, 47, conta que trabalha há mais de 30 anos no mercado da família e cita que o número de vendas fiadas é tanto que o caderninho deu lugar às fichas com os nomes dos devedores.

"Tenho mais de 100 nomes aqui. A maioria paga direitinho, mas alguns estão dando trabalho. A venda de comida não caiu porque, com o Bolsa Família, o sujeito não passa fome. Mas a venda de bebida e outras coisas menos importantes caíram", explica.

Para pôr fim às vendas fiadas, Soares conta que há três anos --quando a economia na cidade estava bem-- aderiu aos cartões de débito e crédito, mas logo percebeu que não seria muito útil.

Vendas caíram à metade
Setores específicos também sentiram o golpe da crise. Álvaro Monteiro, 38, tem a única loja de material de construções da cidade e diz que as vendas caíram à metade neste ano.

Por conta da crise, ele conta que as vendas fiadas passaram a ser rotina. "Às vezes chega a pessoa e diz que vai levar o produto e não sabe nem quando vai pagar, mas é melhor vender porque vamos receber um dia. Somos obrigados a usar caderninho, mesmo sem poder", afirma.

Dono de uma mercearia na cidade, Claudinei Vieira, 36, diz que 40% do que vende é no fiado.

Fiado salva o mês
A artesã Camila Silva, 25, diz que a crise apertou a família. "Antes, pagava minhas dívidas sempre certinho no fim do mês, logo quando recebia, mas agora passamos dois meses sem pagar. Se não fosse o fiado, estaríamos perdidos."

A dona-de-casa Tânia Pinheiro, 48, conta que passou a comprar fiado com mais frequência neste ano. "Não tem como comprar tudo, vou pegando e pagando quando der", afirma.

"Se pudesse, pagava tudo na hora, mas não tem como. Pior coisa do mundo é dever", diz Carla Nascimento, 22, que viu o marido perder parte de renda pela diminuição dos "bicos" que fazia em casas do município.

Crise geral
Outras cidades no Nordeste sentem o impacto do problema, Thiago Barbosa Rodrigues, 26, é representante comercial em 10 cidades do semiárido alagoano e diz que é bastante comum vender a prazo.

"Nessas cidades percebo que eles dependem muito da aposentadoria ou do Bolsa Família, e a maioria diz que passe para receber no dia do pagamento do governo."

Para a professora da Faculdade de Economia da Ufal (Universidade Federal de Alagoas), Luciana Caetano, mesmo que o Bolsa Família e as aposentadorias não sofram com cortes do governo federal, é inevitável que pequenas cidades do Norte e Nordeste sintam a crise nacional.

"Quando há desaceleração da atividade econômica no país, todos sofrem o impacto, seja pelo efeito de redução dos repasses ou pelo efeito das cadeias produtivas organizadas. O impacto é maior nos grandes centros industriais, porém, nos municípios mais pobres que já convivem com a insuficiência de recursos, qualquer corte torna a realidade ainda mais perversa", avalia.

Fonte: UOL

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