'Povo tem que aguardar ajuste e ter compreensão', diz Michel Temer

Articulador político do Palácio do Planalto, o vice-presidente Michel Temer (PMDB-SP) admite que o governo cometeu "equívocos" no primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff, mas pede um ano de "compreensão" à população para que as medidas de correção da política econômica tenham resultado.

"O grande problema é quando você não confessa o equívoco", disse em entrevista à Folha nesta sexta-feira (29), um dia após a aprovação pelo Congresso das medidas provisórias do ajuste fiscal. "Mas eu sou governo e estou reconhecendo os equívocos".

 Entre eles, Temer cita as chamadas pedaladas fiscais, o uso de bancos públicos para pagar despesas do Tesouro e arrumar as contas do governo. "Mais um equívoco, que tem de ser confessado", disse, ressalvando que foram praticadas também pelos antecessores de Dilma.

Prestes a completar dois meses como articulador das relações com o Congresso, Temer diz que passou a dormir cerca de quatro horas por noite para dar conta da função.

O cansaço dos últimos dias, recompensado segundo ele pela aprovação das medidas provisórias do ajuste fiscal, causou uma raridade. Atrasou-se para a entrevista com a Folha, depois de passar a madrugada assistindo a filmes. Um deles de nome sugestivo: "Relatos Selvagens".

Temer, que na semana passada deu um ultimato a setores do governo que estavam "trabalhando contra" o ajuste, relata sua conversa com Dilma sobre o episódio.

"Disse: a sra. vai viajar [para o México], mas eu não quero ser responsabilizado porque sinto um titubeio do governo em relação às medidas do ajuste", acrescentando que a presidente disse confiar nele e o prestigiou, o que, afirma, deu resultado porque o pacote passou no Congresso.

Temer diz ainda que "havia certa razão" nas queixas de que o PT não queria partilhar poder, afirma que se os acertos feitos por ele não forem cumpridos "perde sentido" sua permanência no posto e avisa que o PMDB, do qual é presidente, cansou do papel de "noiva preferida" nas eleições presidenciais e terá candidato próprio em 2018.

A seguir, leia a entrevista que ele concedeu em seu escritório em São Paulo.

Folha - Qual a situação que o sr. encontrou ao assumir a articulação política do governo?
Michel Temer - Assumi essa posição em face do pleito da presidente. Eu senti que não poderia recusar, sob pena de entenderem que eu não queria colaborar. Assumi com muita preocupação, porque havia, sem culpa de ninguém, uma certa desarticulação.

Certa?
É, "certa" é por conta do meu estilo [risos]. E "sem culpa de ninguém" também fica por conta do seu estilo... Assim que eu assumi, comecei a fazer as coisas mais triviais em matérias de articulação política, que é manter contato mais estreito com o Congresso Nacional.

Estavam faltando coisas triviais?
É uma questão de estilo.

Da presidente?
Não. Ela não pode a toda hora estar fazendo contatos com parlamentares líderes. É curioso que, às vezes, sem uma razão específica, por isso que eu falei certa desarticulação, cria-se um clima de distanciamento. O que eu fiz foi reaproximar a base e até a oposição, às vezes, dos assuntos de interesse do governo. Passei a fazer uma distinção frugal entre as coisas de interesse do governo e as coisas de interesse do Estado brasileiro.

Se tivesse que adjetivar a situação da articulação política quando chegou, qual usaria?
[Risos]. Acho que seria o de "uma certa desarticulação", embora tenha havido muito esforço para resolver. Criou-se um clima, digamos assim, de certa competição entre a Câmara e o governo, particularmente na eleição do presidente Câmara, Eduardo Cunha [PMDB-RJ].

Um mal-estar porque o governo se envolveu...
Houve um mal-estar. Isso dificultou a relação com o presidente eleito da Câmara, Eduardo Cunha. Porque supostamente algumas pessoas do governo teriam se envolvido [para derrotá-lo]. Essas coisas todas foram desarticulando a relação.

E a queixa de que o PT não queria partilhar poder...
Acho que havia uma certa razão [na queixa], porque esse depoimento vinha de vários partidos. A mim, [essa preponderância] não me assusta, porque o PT ganhou as eleições com a cabeça de chapa. Mas, no caso do PMDB, que muitas vezes é acusado de fisiológico, também ganhou essa eleição, trabalhou por essa eleição. Quando o PMDB queria maior participação, era nessa convicção de que também havia ganhado a eleição.

Não é fisiologismo, é o modelo de coalizão política?
É preciso mudar os costumes políticos no país. É o tipo da coisa que não agrada a ninguém. Fui presidente da Câmara três vezes e quando eu olhava [de sua mesa para o plenário, em dias de sessão], eu verificava que, de um lado, aqueles que hoje estão na situação praticam os atos daqueles que estavam na oposição no passado e vice versa. Isso é uma inversão dos costumes políticos.

Pode exemplificar?
Fator previdenciário. Os que eram a favor e criaram, hoje são contra. Os que hoje sustentam, eram contra. Não quero nem nominar os partidos.

Existe hoje um certo desencanto do eleitor, que não se sente representado nem pelo Congresso nem pelo governo.
Concordo. Daqui a três anos tem-se a oportunidade democrática de modificar inteiramente. Se o sujeito votou em fulano para deputado e ele não satisfaz, o engano é do eleitor. Claro que essa afirmação vai gerar muitas cartas para a Folha [risos]. Se a gente não tiver coragem de começar a lidar com conceitos você não muda os costumes.

Quem elegeu a presidente Dilma também está insatisfeito.
Há uma decepção, ao meu ver equivocada. O governo vive o influxo das questões internacionais. Nós já estamos passando por crises seguidas desde 2008, e hoje a crise também é vigorosa nos Estados europeus. Todos eles, eu estive recentemente lá, me dizem que estão com desemprego em dois dígitos e aqui, não. E está tomando providências.

Esse chamado ajuste econômico, fiscal, visa a recuperar a economia. Isso não elimina a ideia da decepção com o governo. O povo tem que aguardar essas decisões do ajuste, verificar como a economia e a política se comportam até o fim do ano para depois fazer uma avaliação definitiva.

É um pedido de trégua?
Estou pedindo compreensão.

Mas a frustração é porque se vendeu um país na campanha e depois ele desapareceu.
Desapareceu em face das dificuldades econômicas, não nos seus programas. Os programas sociais continuam. Não houve abalo aí.

Houve. Mudanças no Fies, no Pronatec, Minha Casa, Minha Vida, PAC...
Houve mudança de rumo, não eliminação. Muitas vezes tem que reprogramar a economia. Porque pode haver alguns equívocos, e não se pode negar os equívocos. O grande problema é quando você não confessa o equívoco.

Mas o governo é acusado de não admitir os erros.
Mas eu sou governo e estou reconhecendo os equívocos.

E quais são eles?
No final do governo, começou a haver problemas de natureza econômica. Mas eles só vieram à luz depois que nós tomamos posse. Não significa que houve uma falsidade durante as eleições.

O sr. acha que as pedaladas fiscais foram um equívoco?
As pedaladas fiscais, a primeira notícia que eu tenho, não é justificativa, sempre se verificaram em todos os governos. Em segundo lugar, foi para estabelecer uma certa credibilidade do governo.

Mas tirou...
Mais um equívoco, que tem que ser confessado. Fruto dos costumes políticos do país.

Como é lidar com a distribuição de cargos no segundo escalão entre os partidos aliados?
Não há distribuição de cargos. O que há na democracia é a participação no governo. Quem é que deve participar? Aqueles que apoiam o governo. Às vezes dizem que o PMDB quer cargos. Eu brinco que se um dia o PMDB chegar à Presidência da República, para não sermos acusados de fisiológicos, nós não vamos indicar ninguém. Nem ministro, nem autarquias...

O problema disso é quando um partido se vale de chantagem. O fisiologismo não vem pela simples indicação, mas pela prática de toma-lá-dá-cá. E todos os partidos fazem no Congresso.
Nos dois meses que estou à frente não tem tido isso. E olhe que conseguimos aprovar medidas dificílimas. Aprovamos o ministro Fachin [para o STF], e não houve nenhuma chantagem, entre aspas.

Não podemos tratar a distribuição de cargos como se fosse apenas compra de voto. Estamos distribuindo funções para que todos governem juntos.

O sr. faz autocrítica como governo. E a imagem de fisiológico não nasce do nada. O sr. faz autocrítica sobre o PMDB?
Falo dos acertos, o primeiro foi ter reconstruído a democracia no país. Temos a maioria dos prefeitos, dos vereadores, dos deputados federais, senadores. Por que o PMDB é sempre prestigiado? Pelas teses do passado e pelas teses que vem levantando ao longo do tempo, uma delas é a responsabilidade com a governabilidade.

Você veja que em muitos momentos o PMDB não lançou candidato e teve que fazer uma opção. A opção que fez, ao não ir para a oposição, foi convidado a participar do governo. Mais acertos. As grandes conquistas como a responsabilidade fiscal, as conquistas das reformas constitucionais.

Quando o sr. fala que um dos ativos do PMDB é a responsabilidade com a governabilidade, não é um eufemismo para fisiologismo?
Não é verdade. Num dado momento eu era presidente do partido e fiz todo o esforço para lançar um candidato a presidente da Republica, caso do [Anthony] Garotinho. Nós mobilizamos o país inteiro e isso faz três eleições.

E em 2018, o PMDB deve ter candidato?
Toda tendência é ter candidato. A pregação que se faz hoje é o PMDB ter candidato. O PMDB é um partido de centro. Eu não gosto de rótulos, mas se quiser rotular, é um partido de centro, ou seja, preocupado apenas com os interesses do país e que pode vir a ter candidato porque é uma angústia, quase um ato patriótico do partido.

O PMDB cansou do papel de noiva?
De noiva preferida, né? [risos]

Quer ser noivo agora?
Quer ser noivo. Isso tem que ser construído. Mas o PMDB não se sente sem poder politico.

No Congresso, setores do governo não estavam tão comprometidos com o ajuste, principalmente os ligados ao PT.
Nós sabemos como é. Se não desse certo, essas medidas provisórias e [a indicação para o STF do ministro Luiz] Fachin, as pessoas iam dizer, sabe quem é o responsável? É o PMDB, é o Temer. Eu disse 'Isso eu não vou topar e não aceito'. Tinha pessoas trabalhando contra.

Quem?
Alguns setores titubearam logo na primeira votação. Fui buscar o Rodrigo Maia [do DEM, oposição], que é preocupado com os problemas do país, o ACM Neto, fui buscar oito votos do DEM. Fui buscar mais três ou quatro votos do PV e mais quatro ou cinco do PSB. Fui buscar votos na oposição, que ajudaram a ganhar. Em uma reunião no Palácio do Jaburu, os líderes disseram que se o PT fechasse questão todos os partidos se disporiam a votar. Agora, comecei a ver nesta semana gente do governo dizendo que se caísse a medida provisória 664 não teria importância...

Gente do governo...
Exatamente. Precisei falar com a presidente. Disse a ela: Não quero ser responsabilizado, porque sinto um titubeio do governo em relação às medidas do ajuste. Aí ela disse: 'Tenho certeza que você vai conseguir, vai ganhar´, ela sempre me prestigia. Depois daquilo todo mundo passou a trabalhar junto.

O PT não gostou.
Mas o governo gostou. O pior era o PT gostar e o governo não ter sucesso.

Quando fala que alguns setores trabalharam contra, alguns aliados reclamaram que nomeações não estavam sendo concluídas...
Nós todos do governo temos muita credibilidade. Eles [a base] estão esperando que passem a governar conosco logo logo, o que nunca aconteceu. As nomeações sairão. Eles estão acreditando, acreditando em mim.

Mas reclamam que a Casa Civil represa as nomeações...
Não é verdade que está travando. O ministro [Eliseu] Padilha me ajuda muito nisso. Precisa investigar a ficha dos indicados.

Mas aliados que acertaram indicações com o sr. diziam que o ministro Aloizio Mercante [Casa Civil, do PT] estava travando.
O Mercante e o Ricardo Berzoini [ministro das Comunicações, do PT] têm a memória das nomeações. Eles ajudam muito. Todos nós estamos tentando apressar essas coisas.

Mas o sr. está dando sua palavra de que vai sair. Se a burocracia não funcionar, o senhor perde as condições de ser o articulador.
Vai funcionar. Até porque, se a burocracia não funcionar, quem não funciona sou eu, aí saio eu.

Mas o sr. pensa em sair?
Não. Digo que, se de repente os compromissos que eu assumi [não forem cumpridos], perde sentido minha permanência.

No primeiro mandato, a presidente não dava muita atenção ao sr., apesar de o ex-presidente Lula sempre defender que ela lhe delegasse a articulação política. Agora, com o momento de fragilidade do governo, isso mudou. O que houve?
Talvez você tenha respondido [a fragilidade]. No primeiro mandato, ela me destinava para muitas missões internacionais. Fiz 39 viagens internacionais.

O comentário é que quem não deixava a presidente colocá-lo na articulação política era o Mercadante.
É possível [risos]. É interessante isso. Há gente na classe política que não gosta de ninguém minimamente inteligente por perto. Eu, não, eu trago os melhores para ficar ao meu lado. Mas eu não acredito. O Mercadante tem uma relação comigo de respeito. Não tenho nenhuma queixa a ele. Ele não mostra que quer o meu fracasso, não. Quando ele interfere, é para ajudar. Me ajuda muito quando necessário.

E a desoneração da folha [parte do ajuste fiscal]?
Vai sair, embora essa seja a mais difícil delas. Tenho um caminho traçado, mas não posso revelar, de modo que o relatório saia compatível com as aspirações do governo. Mais para a frente digo para vocês.

E a reforma política?
O Congresso legislou. Deveria haver uma grande reformulação.

O sr. é a favor do fim da reeleição?
Se houvesse seis anos [de mandato] eu seria a favor. Porque a reeleição não deu tão errado assim. Um mandato único de quatro anos seria inviável.

Qual avaliação sobre Eduardo Cunha?
Ele está fazendo uma gestão muito vigorosa. Ele está incentivando bastante a participação do Congresso. Ele e Renan [Calheiros, presidente do Senado]. Por enquanto, convenhamos, não estão prejudicando o governo. Houve um atrito que foi enormemente amenizado nos últimos meses, tanto que foram aprovadas todas as medidas governamentais.

Dizem que ele está fazendo uma gestão muito ditatorial.
Não, acho que é uma questão de estilo.

E o que houve com Renan, que era aliado do governo?
Aí realmente eu não sei. Acho que ele está pautado pelas convicções dele.

Mas ele tentou derrotar Fachin e dizia que o ajuste seria dificilmente votado.
Mas não atrapalhou.

Fonte: Folha.com

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