Missão Velha (CE): Cachoeira volta a renascer

Um espetáculo da natureza com as primeiras chuvas de fevereiro. Há cerca de duas semanas, a Cachoeira de Missão Velha, considerada o portal de entrada do processo civilizatório do Cariri, está com um grande volume de água, transformando o cenário, que durante boa parte do ano permanece praticamente seco.

Atrativo para os visitantes, moradores e estudantes, durante o fim de semana se transforma num verdadeiro balneário público, recebendo turistas de várias cidades da região. A queda d'água possui cerca de 12 metros. Formada pelo Rio Salgado, a cachoeira fica a 3 quilômetros da cidade e faz parte do Geopark Araripe.

O local é um dos mais antigos da Bacia Sedimentar do Araripe e área de estudo para pesquisadores de várias regiões do País. A professora da Universidade Federal do Pernambuco (UFPE), Juliana Manso Sayão, desde 1997 realiza pesquisas na região, na área da Paleontologia.

Ela explica que, na área da cachoeira, se encontra o início da sequência sedimentar, onde podem ser encontrados os icnofósseis, que são evidências de que alguns organismos deixaram vestígios da sua locomoção e repouso no fundo do leito do rio. As evidências constituem a região da cachoeira, que há 460 milhões de anos era também um leito de um rio, muito similar ao que existe hoje no local.

No fim da trilha da cachoeira, à beira do Salgado, existe uma casa de pedra que é um vestígio da presença dos povos antigos do Cariri. "Além do valor paleontológico, há o geológico, pela água que transita no local, e tem também o fator arqueológico e antropológico relevante, dando importância maior e todo esse contexto", afirma.

A cachoeira tem história que remonta ao século XVII, com os primeiros habitantes da região. Eram os índios Kariri, povos que viverem na região do Araripe. De acordo com historiadores locais, a Cachoeira de Missão Velha foi um importante centro cerimonial e ritualístico dos indígenas. O empresário Waldery Rodrigues Júnior ressalta a importância histórica, natural e turística da área. A necessidade de maiores cuidados, segundo ele, é evidente, diante do belo cartão postal. Isso por parte dos poderes públicos, no intuito de manter a preservação da cachoeira.

Segundo o vice-reitor da Urca, professor Patrício Melo, por ser um dos geossítios do Geopark Araripe, neste ano se prevê a implementação de maior infraestrutura na área, além do projeto de sinalização já implementado. É que será construído um guarda-corpo, para oferecer melhores condições de observação e segurança aos turistas, além de via de acesso melhor estruturada para ciclistas. Outras áreas do Geopark também serão beneficiadas com melhorias do porte.

O docente de Pernambuco todos os semestres faz uma excursão ao local, com caráter multidisciplinar, com alunos das disciplinas de Paleontologia; Diversidade de Plantas sem Sementes, já que nas poças da cachoeira, principalmente na época mais seca, são desenvolvidas várias briófitas - vegetais comuns na área -, e também a de Cordata 2, ligada aos vertebrados que se locomoveram em quatro patas.

Nessa época das cheias, é comum se ver desovas de sapos e algumas pegadas de mamíferos. "A gente consegue trazer os alunos e passar para eles um cenário do que acontece hoje, do ponto de vista biológico, e o que houve no passado, há 460 milhões de anos", explica.

Para Juliana Sayão, no Cariri existe uma expressão de importância mundial e vários pesquisadores de outros países sonham em conhecer, além do Geopark Araripe, também os sítios paleontológicos. "Temos evidência, nesse local, de um período muito longo de evolução da vida, desde a era paleozoica até o fim da era mesozoica. Um intervalo de centenas de milhões de anos, registrados no Araripe, com fósseis muito bem preservados. Guardam evidências que geralmente fósseis de outras localidades não preservam", afirma.

Além disso, diz a pesquisadora, não existe nenhum outro local no mundo que se compare a preservação dos fósseis do Araripe. "Não fazer com que essa área seja conhecida pela população e os alunos seria um grande erro", frisa Juliana.

Na excursão à cachoeira, vieram 36 alunos da licenciatura de Ciências Biológica da UFPE. "Os alunos estão sendo treinados para serem professores e vão perpetuar esse conhecimento junto aos seus alunos e outras pessoas e deixar essa importância viva".

Importância
O doutorando da UFPE Renan Alfredo Machado Bantim, formado em Ciências Biológicas pela Universidade Regional do Cariri (Urca), acompanha a turma da professora Juliana à Região do Cariri. Para ele, a localidade tem uma grande importância, por ser a única que apresenta os icnofósseis, além de canyons e uma feição geomorfológica muito bonita. "Dá para aplicar essa geomorfologia em vários cursos, como na Geologia, Biologia, Geografia", diz ele, ao abordar a importância da área para estudo multidisciplinar. A aluna Gislaine Lima diz que a experiência de conhecer a cachoeira é única e as aulas de campo são bem diferentes. Ela ficou admirada com o volume de água, o verde exuberante da área e a grande quantidade de rochas.

Os moradores das proximidades, e também do município de Missão Velha, aproveitam as cheias, não apenas para tomar banho, mas para pescar. São várias tentativas para se obter o peixe. O morador Antônio Alves decidiu pescar na área da barragem. Levou a rede mas em toda manhã só conseguiu obter um peixe que ele chama de cascudo.

Mesmo assim, acabou soltado na levada em direção à cachoeira. Já o aposentado José Rosa Filho afirma que desde criança vai ao local tomar banho. Com 76 anos, é cauteloso quando fala dos riscos de uma área atualmente coberta pela água mas com várias pedras, de todos os tamanhos. Ao fundo, elas escondem o perigo para os mergulhadores desavisados.

A Cachoeira de Missão Velha, ao mesmo tempo que encanta, também se torna assustadora. As pedras se tornam escorregadias e a força d'água requer cuidados extremos. Ano passado, duas pessoas foram vítimas e uma delas chegou a ser arrastada por mais de dois quilômetros. Ambas morreram afogadas. Os corpos foram resgatados pelos Bombeiros.

Mais informações
Companhia de Gestão dos Recursos Hídricos (Cogerh)
R. André Cartaxo, 454 - Cruz
Crato - CE
Telefone: (88) 3523.6302

ELIZÂNGELA SANTOS
REPÓRTER

Fonte: Diário do Nordeste

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