Como a Globo pegou leve com o ditador amigo da Beija Flor e seu Carnaval

Não somos fãs da denúncia generalizada contra “ditadores sanguinários da África”, como se eles só existissem lá. Em geral tais denúncias, feitas a granel, escondem intenções racistas de brancos que ainda se acreditam encarregados de espalhar sua “missão civilizadora”, exatamente como no século 18.

Achamos irônico que se denuncie a doação de uma quantia incerta de dinheiro — R$ 10 milhões? — do ditador Teodoro Obiang, no poder há 35 anos na Guiné Equatorial, a uma escola de samba cuja origem é diretamente associada à contravenção.

“A gente pegou um enredo para falar de um país africano, um país que até então muita gente não conhecia. Nossa questão aqui é carnaval. O regime não nos compete. Cuba era odiado pelo mundo democrático e hoje está sendo abraçado”, filosofou Farid Abraão, o presidente da Beija Flor.

Acreditamos que, se a Beija Flor merece ser criticada por aceitar patrocínio da Guiné Equatorial, também merece a Unidos da Tijuca, que levou dinheiro da Suiça, notório esconderijo de dinheiro sujo. Vai ver que o Teodorinho, o filho do ditador da Guiné que assistiu ao desfile no Rio, tem lá sua conta no HSBC…

O Viomundo tem como um de seus livros de cabeceira Poisoned Wells, the Dirty Politics of African Oil [Poços envenenados, a Política Suja do Petróleo Africano]. Nele, Nicholas Shaxson demonstra que as riquezas naturais da África não apenas serviram a ditadores locais, mas também a governantes corruptos europeus, além de lubrificarem o sistema financeiro internacional na casa dos bilhões de dólares, não naquele remoto refúgio fiscal do Caribe, mas em Nova York e Londres.

Portanto, afastem de nós este cálice do moralismo fácil.

No entanto, como combatentes da hipocrisia, seria impossível deixar passar a exibida pelas Organizações Globo neste Carnaval.

Basta um acesso aos arquivos digitais para constatar quantas vezes jornalistas e comentaristas a serviço das organizações, a título de atacar a política externa do governo Lula, denunciaram a relação — de Estado, diga-se de passagem — do ex-presidente com ditadores do desagrado de Washington.

Na revista Época, Ruth de Aquino descreveu “Os amigos tiranos do Brasil de Lula”: os irmãos Castro, Mahmoud Ahmadinejad e Hugo Chávez. A néscia aparentemente desconhece o fato de que Hugo Chávez talvez tenha sido o governante latino-americano mais testado pelas urnas em seu período de governo — quase uma dúzia de eleições, referendos e plebiscitos.

Mente sobre censura à imprensa na Venezuela, o que qualquer pessoa que se digne a frequentar uma banca de jornais naquele país vai constatar. Mas, sempre valeu qualquer mentira, distorção ou omissão para criticar o governo Lula.

Em Palpite Infeliz, Merval Pereira, o ideólogo dos irmãos Marinho, investiu contra o ex-presidente pelo mesmo motivo: “Presos por opinião política no Irã ou em Cuba não contam com a solidariedade do governo brasileiro, que se arroga o título de grande defensor dos direitos humanos, mas não liga muito quando países amigos os transgridem”, escreveu Merval, sem corar diante do fato de que seus patrões nunca denunciaram Guantánamo ou a barbárie na Arábia Saudita.

Pois nesta madrugada as Organizações Globo tiveram mais de uma hora e vinte minutos para denunciar um ditador que ocupa o poder há 35 anos na Guiné Equatorial. Teodorinho, filho e futuro herdeiro do poder, estava lá, num camarote da Marquês de Sapucaí.

Bastava apontar uma câmera na direção dele e ler de uma longa lista de denúncias de violações de direitos humanos contra a família.

Certamente tocaria o público da Globo o fato de que a Guiné Equatorial tem uma altíssima taxa de mortalidade infantil, apesar de ter também uma das maiores rendas per capita do mundo (U$ 50 mil), por conta da exportação de petróleo.

Enquanto isso, Teodorinho, saudado por Raissa de Oliveira na Marquês de Sapucaí, torra dinheiro comprando mansões, colecionando automóveis, iates e jatinhos. Não seria um prato cheio para a coluna de celebridades uma visita ao camarote do filhote de ditador?

No entanto, a Globo só entrou no assunto quando o desfile da Beija Flor terminava. Um dos narradores lembrou que a Guiné Equatorial era um país novo, ao que Fátima Bernardes acrescentou timidamente “ainda em busca de suas liberdades”, informando sem dar nomes que o presidente estava no poder há 35 anos. A palavra “ditador” não foi mencionada. Ponto final.

Faltou a coragem exibida por Ruth de Aquino,  segundo a qual “três regimes autoritários e ditatoriais, que vetam a liberdade de expressão e punem com a prisão quem ouse contestá-los, contam com um aliado de peso no mundo: o Brasil do presidente Lula”.

Cadê o jornalismo das Organizações Globo para colocar em prática o que prega quando se trata de denunciar um ditador que financia o Carnaval que ela transmite?

Aqui cabem muito bem, ironicamente, as palavras do próprio Merval Pereira, com os devidos ajustes:

Presos por opinião política na Guiné Equatorial não contam com a solidariedade da Globo, que se arroga o título de grande defensora dos direitos humanos, mas não liga muito quando países amigos os transgridem!

Fonte: Viomundo



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