Saber popular sobre inverno aponta ano melhor

Apesar de melhores que o ano anterior, as chuvas de 2015 não serão suficientes para repor a carga hídrica da maioria dos açudes do Estado. Esse foi o prognóstico da maior parte dos profetas e profetisas da chuva no XIX Encontro dos Profetas da Chuva, realizado no sábado, em Quixadá. Mesmo assim, dos 26 participantes, dentre eles duas mulheres, 17 concluíram nas suas experiências um período regular de chuvas para a agricultura. "Quem não tiver medo de pegar na enxada vai colher legumes", enfatizaram alguns.

Na plateia, visitantes de várias cidades do Ceará e também de outros Estados, como o Rio Grande do Norte, o Piauí, Minas gerais e o Maranhão. Este último Estado estava representado pelo secretário de Agricultura de Chapadinha, Carlos Borromeu.

O público pôde observar troncos de árvores nativas, ninhos de joão-de-barro, colmeias de "inchuís", levados para o Encontro pelos profetas e profetisas como prova de suas experiências. O pesquisador Luiz Gonzaga, de Camocim, levou provas diferentes, alguns mapas, e apresentou estudos mais elaborados, baseados nas observações meteorológicas, incluindo as Zonas de Convergência estudadas pelos meteorologistas. Até o fim de março o quadro não muda, chove pouco, ressaltou.

O profeta José Aurélio Leal, 67, de Quixeramobim, estava participando pela segunda vez do Encontro. Observando os cumarus, as aroeiras, os angicos, também concluiu para 2015 um inverno tardio e mediano. É sinal para os mais espertos plantarem e colherem porque a quadra chuvosa vai ser curta. Todavia, pelas suas experiências, desde a sua infância, no período de 10 anos, não ocorrem duas secas extremas. Na avaliação dele, a última foi registrada em 2012.

Já o engenheiro agrônomo Carlos Flaubert, de Madalena, participou pela primeira vez, e levou uma novidade para o Encontro. Nos seus estudos, observou o voo dos urubus durante a segunda quinzena de dezembro. Estavam voando muito alto e não apareceram em bandos. Fez pesquisas e concluiu o comportamento dessas aves como favorável ao inverno, apesar de escasso nos dois a três meses do início do ano.

Responsável pela elaboração da ata do Encontro, a líder comunitária da localidade de Sabonete, na zona rural de Quixadá, Lúcia Maria da Silva, também fez suas experiências, principalmente acompanhado o movimento das formigas de roça, carregando folhagens para os formigueiros. Estão muito lentas. Para ela esse comportamento significa a chegada de chuvas, mas serão espaçadas, concluiu.

Segundo o apresentador do Encontro dos Profetas da Chuva e um de seus idealizadores, Helder Cortez, a maioria dos profetas estimou, por meio de suas pesquisas, que o inverno será de regular a bom em 2015. "O inverno será bom para a agricultura, mas nem tanto para a recarga de água", finalizou.

O titular da Secretaria do Desenvolvimento Agrário (SDA), Dedé Teixeira, interpretou as previsões como melhores para este ano: "Não serão desprezadas, tanto que, na próxima semana, a partir da região do Cariri, deverá ser iniciada a distribuição de sementes do programa Hora de Plantar". Também presente no Encontro, o titular da Secretaria de Pesca, Aquicultura e Agricultura Irrigada, Osmar Baquit, reforçou o empenho do governo na assistência ao homem do campo junto aos participantes, incluindo os prefeitos de Quixadá, Capistrano, Itapiúna e Jaguaretama.

Especialistas discutem questões do Semiárido
Focados na discussão dos estudos científicos populares e acadêmicos, especialistas de três esferas se reuniram em Quixadá para abordar o convívio com o semiárido. As discussões complementaram a programação do Encontro de Profetas da chuva. Conforme os organizadores, a iniciativa tem por objetivo equilibrar o saber popular com o saber acadêmico e, ao mesmo tempo, levar ao conhecimento do público ações e informações consideradas relevantes para a relação com a natureza.

O ambientalista Rodrigo Castro, o engenheiro agrônomo francês Nicolas Fabre e o químico industrial Helder Cortez foram os convidados a abordarem suas especialidades no Seminário Convivência com o Semiárido, realizado após o encerramento do XIX Encontro dos Profetas da Chuva. Rodrigo Castro focou nas ações da Associação Caatinga, da qual é coordenador; Nicolas Fabre destacou as estratégias para agriculturas sustentáveis no Semiárido brasileiro e Helder Cortez apresentou as ações do Sistema Integrado de Saneamento Rural (Sisar), do qual é coordenador, como um modelo de gestão para o saneamento rural.

Helder Cortez ressaltou a opção da criação de uma disciplina voltada para a água, a partir dos primeiros anos de formação estudantil como uma forma de conscientizar as novas gerações. "O problema está se agravando e a cada ano se necessita de mais aporte hídrico para atender às populações, tanto da capital, quanto dos municípios do Interior e suas comunidades rurais. O uso consciente e racional está se tornando cada vez mais importante", ressaltou.

Rodrigo Castro demonstrou a importância da conservação de áreas nativas. Mas antes fez questão de ressaltar o conhecimento popular dos profetas da chuva e a importância da preservação dessa tradição. "É importante manter viva essa cultura, de enxergar a natureza com outros olhos, os seus sinais, não tão facilmente perceptíveis". Na avaliação dele, essa sensibilidade deve ser valorizada e respeitada.

Conforme ele, apenas 20% convivem na zona rural e alimentam o restante do País. Nas cidades, as pessoas só começam a se preocupar com relação à água quando começa a faltar. "Muitos não sabem de onde vem a água que consomem. A maior parte dos mananciais está na Caatinga, uma floresta semiárida. Atualmente a desertificação já atinge o médio Jaguaribe, o Sertão dos Inhamuns e Irauçuba no noroeste do Estado. A recuperação é muito difícil e demorada. Faltam recursos e vontade política para reverter o quadro", disse.

Segundo Fabre, além da falta de recursos e de interesse político os processos de cultivo e de criações de animais precisam mudar no Ceará e no Brasil para evitar a continuidade desse processo degradante. As queimadas ainda persistem e o mau uso do solo, aliado a outros fatores, é responsável pela desertificação em crescimento. Para ele, não se concebe, após 500 anos de convívio os governantes alegarem terem sido apanhados de surpresa pela seca.

Por outro lado, uma política pública vem crescendo positivamente no Interior do Estado, o Sisar. Graças a ele, 20% da população rural tem água nas suas casas, e esse percentual está em crescimento, conforme o coordenador do Programa, Helder Cortez. Ao expor a expansão do Sisar, ele ressaltou três aspectos importantes para o seu sucesso: autossustentabilidade, auto-gerência e o resgate à cidadania.

ALEX PIMENTEL
COLABORADOR

Fonte: Diário do Nordeste



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