Crato (CE): Projeto incentiva leitura com partilha de livros em bodegas

O entra e sai das mercearias agora tem um motivo a mais para acontecer. Os livros tomam espaço entre as prateleiras e são oferecidos de forma gratuita para a leitura em uma das comunidades mais carentes desta cidade. A ação faz parte de um projeto que vem sendo desenvolvido desde o último dia 14, quando foi lançado na Comunidade do Gesso, por meio do Coletivo Camaradas. O projeto não tem a finalidade de lançar uma proposta assistencialista nas comunidades, mas dar ênfase ao processo educativo e a inserção política das comunidades.

O projeto de incentivo à leitura passa a contar inicialmente com nove pontos de locação na comunidade, entre os bairros São Miguel e Pinto Madeira, numa área que há alguns anos foi marcada e discriminada por ser conhecida como espaço de prostituição.

Homenagem
As mercearias passaram a ser os locais de acesos dos livros, com as fichas de catalogação dos interessados. São cerca de 30 livros em cada caixote literário, que ganharam o simpático nome de Higinoteca, em homenagem ao vendedor ambulante Antônio Higino de Oliveira “Seu Higino”.

Há muitos anos, “Seu Higino” disponibiliza cordéis para leitura em uma velha Kombi, que utiliza como forma de comercializar seus produtos nos bairros. O veículo inclusive chamou a atenção do apresentador Luciano Huck, levando seu Higino a participar do quadro Lata Velha, na Rede Globo.

Essa é uma forma de reconhecer o importante trabalho do comerciante, conforme os organizadores do projeto, integrantes do Coletivo, e a relevância da educação popular, além do incentivo à leitura da literatura de cordel. Segundo o coordenador dos trabalhos, Alexandre Lucas, educador e artista plástico, a meta é chegar às outras comunidades da cidade e levar às ‘bodegas’ um produto diferenciado e gratuito para as pessoas terem acesso de forma democrática a uma biblioteca.

“Os comerciantes têm um papel fundamental, pois a ideia é que eles se tornem uma espécie de ativistas culturais e bibliotecários da comunidade”, afirma Alexandre.

Após receber os livros, passam a gerenciar a Higinoteca e, não só isso, mas são incentivadores do processo, além de conseguirem novos livros para o acervo. Acaba sendo uma forma de campanha que funciona com empréstimo e doação dos livros pela própria comunidade, multiplicando, com isso, a quantidade de leitores no bairro e entorno

Exposição
O comerciante José Nival de Oliveira possui o seu comércio bem de frente aos trilhos, que proporcionam uma pequena divisa entre sua casa e a área central do gesso. Nos primeiros dias em que expôs o caixote de livros, a reserva literária soou diferenciada dos demais produtos de suas prateleiras.

Logo chamou a atenção dos leitores e o repasse passou a ocorrer. “Aqui as pessoas podem passar 15 dias ou até mais com o livro”, diz ele, com o fichário nas mãos e os registros com assinaturas dos primeiros empréstimos realizados. Para a surpresa do coordenador, Alexandre Lucas, foram dezessete livros em quatro dias. Ele acha muito, para o início de um trabalho como esses. Nival faz as primeiras solicitações para os organizadores, para inserirem no montante um maior número de livros para adultos também.

Segundo o coordenador, o trabalho maior da equipe do Coletivo Camaradas será de acompanhar o fluxo dos empréstimos e quais as demandas de leituras mais solicitadas. “Contar com o auxílio dos comerciantes para serem intermediários no processo é um dos grandes trunfos, para que possa ser encaminhado e ter um acompanhamento organizado”, avalia. O projeto conta com parceria institucionais, mesmo sem repasses financeiros, como a Universidade Federal do Cariri (UFCA), por meio do Programa de Extensão Paideia Cidade Educadora e secretarias municipais.

Trocaria
O funcionamento do que Alexandre também designa de “bocas”’ de leitura começa a ser realizado justamente após um ano de realização do projeto Trocaria do Gesso, ponto de partida para todo o trabalho que vem sendo desenvolvido atualmente. A iniciativa visa proporcionar a oferta de produtos com a realização de uma espécie de escambo com a comunidade. Em torno das atividades foi iniciada uma ação voltada para a integração maior dos moradores, com oficinas de arte, ações em parceria com instituições públicas, como secretarias municipais, para serviços na área social, entre outros.

O Coletivo Camaradas já vem desenvolvendo trabalhos na comunidade desde 2008 e a partir do ano passado obteve uma atuação mais consistente, tendo inclusive alugado uma sede na comunidade. “Os camaradas vêm se utilizando de processos criativos e lúdicos, visando contribuir com a organização dos moradores”, diz.

A leitura, com isso, passa a ser, para os integrantes do coletivo, uma dessas ferramentas para ampliar a visão de mundo.
Os primeiros livros foram arrecadados por meio da doação de amigos, Colégio Santa Teresa de Jesus e do Instituto Enoque Rodrigues, por meio do ativista cultural Elmano Rodrigues.

Estratégia
Os locais de distribuição foram minuciosamente estudados. “A-creditamos que por meio das mercearias, há uma indução estratégica para a leitura”, explica. Quanto ao público, Alexandre é enfático ao destacar que não tem idade e, por isso mesmo, as higinotecas devem atender tanto as crianças quanto aos adultos. E é justamente o que vem ocorrendo. A maioria dos títulos é voltada para o público infanto-juvenil, como observa.

A troca de livros, roupas e afetos, na prática tem sido exercitada na comunidade. A iniciativa tem como meta principal, contribuir com o processo de organização comunitária, no intuito de fazer com que os moradores busquem construir e se organizar para conquistas de políticas públicas. Também está sendo montada na comunidade uma brinquedoteca, que deverá desenvolver atividades numa perspectiva de educação popular e será mediada por alunos universitários. No local, funcionará na sede também um ponto de leitura.

O Laboratório de Criatividade visa proporcionar ações de oficinas, vídeos e intervenções urbanas. A trocaria acontece uma vez por mês e há exibição pelo Cine-gesso de filmes e curtas nacionais.

Mais informações
Coletivo Camaradas
Comunidade do Gesso
Telefone: (88) 9661.6516

Fonte: Diário do Nordeste



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