Juazeiro do Norte (CE): Artesão dá aula de História com manejo do barro

A arte de esculpir no barro transformou a vida de um artesão neste município. O policial, que quando criança brincava às margens do Rio Salgado, também passou a ser um dos admiradores de uma história que as gerações mais antigas contavam. Era a trajetória do Padre Cícero Romão Batista, que pela primeira vez foi levada à imaginação e contada em forma de esculturas de argila por José Xavier Travassos. São dezenas de personagens marcantes para as 33 peças produzidas pelo artista. As esculturas atualmente pertencem ao Governo do Estado, mas haviam sido repassadas à Central de Artesanato do Ceará (Ceart), onde aconteceu a primeira exposição do material.

Também para comemorar o aniversário dos 170 anos do Padre Cícero, Travassos novamente pôde acompanhar em plena praça com o nome do sacerdote, a exposição que passou de forma didática a contar um pouco da história da religiosidade popular e os momentos marcantes do Padre Cícero. E não poderia faltar personagens como a beata Maria de Araújo, Floro Bartolomeu, o momento do encontro com Lampião, os romeiros, os homens e mulheres na batalha, durante a Sedição de Juazeiro, que se deu em 1914.

Lembranças
Para ele, não foi muito fácil poder reunir todos os personagens para narrar a história. Deu trabalho. Primeiro partiu das suas lembranças do passado do que ouvira dos mais velhos, e depois disso decidiu ir para os livros constatar a veracidade das informações recebidas informalmente.

Para Travassos, o tema ganhou mais contornos e fôlego e as peças foram sendo criadas, uma a uma. Mas ainda ressalta que chegou a faltar na coleção temática o momento do sonho, uma revelação do Padre Cícero, em que Jesus falava da missão que o sacerdote teria em Juazeiro do Norte.

Foram três meses para produzir um dos seus trabalhos mais marcantes e com uma forma diferenciada, não apenas de resgatar e retratar a história da cidade e também regional, mas o resultado da experiência pessoal de toda uma vida.

São mais de 20 anos, com a mão na argila. Dando contornos especiais e fixando uma característica, ele se inspirou no homem pobre do semiárido, sertanejo de pés descalços, para trazer a base das esculturas como uma marca registrada.

Foi amassando o barro à beira do Rio Salgado, desde os seis anos de idade, que o artesão afirma ter descoberto a vocação inata. A arte popular passou a ser um dos seus carros-chefe de inspiração para desenvolver as peças, como os grupos de reisado, maneiro-pau, bandas cabaçais, até os grandes personagens do sertão, como o Padre Cícero, Lampião, Patativa do Assaré, Maria Bonita, entre outros. Travassos veio do interior da Paraíba para Juazeiro do Norte com os pais ainda criança. "Eram romeiros em busca de trabalho", afirma Travassos.

Realizar o trabalho temático com as esculturas tem sido algo importante para a sua trajetória de artista, segundo ele. No caso dos personagens, com a história do Padre Cícero e Juazeiro do Norte, trouxe um diferencial ao seu acervo, sem a característica dos pés no chão, grandes e rachados, que tanto tem marcado a feitura de suas peças. "Na verdade, até nem dava, porque iria ficar estranho no caso dos personagens. Não dava para inserir um Padre Cícero com o pé grande", brinca. E assim, foi compondo a sua história com as próprias mãos no barro. Decidiu contar bem do comecinho, com a chegada do sacerdote na Vila de Tabuleiro Grande, onde havia a capelinha com a imagem de Nossa Senhora das Dores e as três árvores de juazeiro.

Para apressar o encaminhamento das peças, cada uma delas passou a receber o colorido de Elba Travassos, a mulher do artesão, mas com a sua devida orientação. Em três meses tudo estava pronto, mas ele considera que foi um trabalho minucioso e até cansativo, em que pretende dar continuidade à exposição com as temáticas. Já está, inclusive, se preparando para iniciar o trabalho de confecção das esculturas relacionadas à história do Caldeirão da Santa Cruz do Deserto, do beato José Lourenço, em Crato.

O cuidado mesmo foi em produzir cada momento da história, sem que ficasse muito parecido. São expostas peças, além de relacionadas à entrada do Padre Cícero em Juazeiro do Norte, também do propalado "milagre", do sangramento da hóstia ofertada pelo Padre Cícero, na boca da beata Maria Araújo. E lá estão os dois personagens marcantes, na origem dos fatos famosos de Juazeiro. O Padre Cícero político também é enfatizado. Uma das esculturas mostra o sacerdote como prefeito de Juazeiro do Norte. Mesmo por pouco tempo, marcou a história como o primeiro gestor da cidade.

Está buscando como fonte de pesquisa o livro de um dos admiradores do seu trabalho, Rosemberg Cariry, que escreveu junto com Firmino Holanda "Caldeirão da Santa Cruz do Deserto". Mas dessa vez, a meta é cumprir com toda a narrativa sobre o Caldeirão do Beato José Lourenço, em forma de esculturas na argila, em apenas 20 peças. "Achei que a primeira ficou muito acima do que esperava, e nesse caso de reduzir as peças é até mais fácil", explica.

Cangaço
Já o próximo trabalho está planejado para desenvolver as esculturas sobre o cangaço. São personagens que não estão num rumo diferenciado do que já desenvolve, mas ele inaugura uma forma própria de poder contar um pouco da história regional, através das esculturas com a argila.

Com isso, mantém uma tradição forte da "terra do Padre Cícero", tão marcada pelos trabalhos de grandes artesãos, como os da família "Cândido", que já expôs em várias partes do Brasil, além da Dona Ciça do Barro Cru, que teve a sua arte registrada em livros e também em documentários, além das exposições.

A exposição de Travassos passou pelo Memorial Padre Cícero, o Cariri Garden Shopping, onde ficou até o último dia 31 de março, e agora deverá fazer parte de mais uma exposição itinerante em Juazeiro, dessa vez para o Centro Cultural Banco do Nordeste (CCBNB), em Juazeiro do Norte. A intenção do escultor é que o seu trabalho percorra o Brasil e as pessoas conheçam a história da cidade.

Mais informações
Artesão Travassos
Rua Antônio Adil da Nóbrega, 97
Triângulo
Telefone: (88) 8852. 5352

Fonte: Diário do Nordeste



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