Jardim (CE): Caretas preservam tradição cultural

Os caretas estão nas ruas, percorrem os espaços, cumprindo uma tradição que se repete desde há séculos numa das cidades mais antigas do Cariri. Um dos mais tradicionais festejos da Semana Santa na região, começa no próximo dia 17, em Jardim, mas desde cedo os brincantes se preparam. Nas oficinas, as crianças e adolescentes aprendem a confeccionar as máscaras e preservar uma tradição. A festa terá continuidade até o domingo, às 16 horas, quando acontece a passeata com o Judas, após percorrer várias ruas da cidade. Na sexta-feira, haverá o hasteamento do mastro e passeata do Judas.

A tradição dos caretas é tão forte e abrangente em Jardim, que foi criada uma entidade para organizar e defender a cultura. A Associação Cultural dos Karetas do município foi criada em 1994. O objetivo foi poder preservar essa tradição mais fortalecida e com isso disseminar a prática na cidade. São crianças e adultos que se misturam no rito. Para brincar, os caretas precisam estar munidos com a carteira da entidade.

"Uma forma de mantermos a segurança e dar um caráter de organização maior", afirma o coordenador geral da festa, Luiz Lemos. Ele também faz parte da associação. Como forma de incentivar os brincantes, no domingo é feito concurso da melhor careta, com premiação para os participantes.

Acompanhamento
O trabalho é acompanhado também por uma comissão organizadora, desde a retirada do pau do Judas, que acontece duas semanas antes. Neste ano, foi retirado da área do sopé da serra, um eucalipto de 20 metros, pesando cerca de 2 toneladas.

O cortejo foi de 17 quilômetros até a sede do município, na localidade de Vila Santa Teresinha, de onde será levado para o Curral do Gado. Luis destaca que mesmo havendo o desmatamento, coma retirada de uma árvore de eucalipto, será feito o manejo do cultivo.

Atualmente , a associação conta com 600 pessoas. A preocupação com a segurança da festa tem sido um dos pontos debatidos todos os anos, até por conta do crescimento do público e também de participantes, que vão à cidade para assistir o cortejo.

Para Lemos, é importante que todas as pessoas possam ser identificadas e andem com a sua carteira. "Uma questão de segurança para todos", enfatiza. Orientações relacionadas à segurança foram estudadas, numa parceria com a polícia e a administração da cidade, no intuito de garantir a realização da festa.

E não é apenas a cidade que os brincantes percorrem, uma vez que a tradição se estende pela zona rural. São adereços nas máscaras que fazem a diferença nos dias atuais, com o colorido e criatividade. Nesses primeiros dias de abril a cidade entra no clima, desde o carregamento do pau do Judas até as principais comemorações dos festejos.

Urbanização
"Com a urbanização, a festa sofreu algumas transformações", admite o coordenador. A tradição, que nasceu com o festejo das colheitas, o que não necessariamente acontece nos dias de hoje, segue nas artes, com imagens que estarão sendo expostas sobre os costumes.

Lemos disse também que existem brincantes, em algumas localidades da zona rural, que preferem o sistema mais antigo da festa quando se paramentam com "melão e cabaça" e saem a pedir gêneros alimentícios nas casas, num ritual que relembra a colheita. Segundo o coordenador, Luiz Lemos, as manifestações folclóricas na cidade necessitam de um trabalho mais amplo de divulgação, diante da sua importância e das tradições. A festa, segundo ele, vem sobrevivendo, mesmo com as ameaças da modernidade. O sentido da colheita e do espantalho mais tarde passou a ser substituído por Judas Iscariotes. Conforme Luiz Lemos, a festa em Jardim representa atualmente uma singularidade cultural. "A golpe de muito sacrifício, ainda vem sendo conservada no calendário cultural do nosso Estado", diz ele.

Os primeiros registros históricos da brincadeira em Jardim são do final do século XIX. Os agricultores se reuniam e confeccionavam uma espécie de espantalho, a quem chamavam de "Pai Véi" ou "Vosso Pai" e, mascarados, com chocalhos e chicotes, percorriam vários sítios em busca de donativos para o Sítio do "Pai Véi", onde faziam uma grande festa e malhavam o espantalho. A festa se urbanizou a passou a utilizar o personagem da história Bíblica.

A Festa se caracteriza por mostrar personagens mascarados, vestidos de forma diferente, com chocalhos na cintura e animando a cidade, e o maior destaque é a figura do Judas, que hoje é confeccionado pelo escultor e artista plástico Luiz Lemos.

Responsabilidade
Luiz Lemos fica com a responsabilidade de fazer um Judas excêntrico e urbano atendendo aos novos requisitos da festa. Para isso, são escolhidos temas dentro da dentro da atualidade. A tradição da festa chama a atenção de estudiosos e já foi tema de várias pesquisas.

Segundo o trabalho de pesquisa de Delídia Romão Pinto, a Irmandade do Santíssimo Sacramento, fundada em 1882, merece destaque em Jardim, atualmente com 96 associados entre homens e mulheres, com mais de 30 ativos.

Os caretas reuniam-se em suas localidades, preparavam seus trajes confeccionados de materiais exóticos, utilizando máscaras de cabaças, peles de animais, palha de milho, chicotes para se defenderem dos ataques dos cães e chocalhos para chamar a atenção. A urbanização da festa, conforme Lemos, foi responsável por mudanças e inovações, unindo o sagrado e o profano. "Era o início de uma ascensão cultural, cuja relevância se revelava pela beleza prodigiosa de uma manifestação puramente popular", afirma.

Na quinta-feira, após a celebração da Missa do Lava pés, a Irmandade e uma legião de fiéis adoram o Santíssimo até à meia-noite, hora de pedir as alvíssaras, nos dias que antecedem o tempo da Páscoa.

Na sexta-feira, após a celebração da Paixão e Morte de Jesus Cristo , a Irmandade sai em procissão pelas ruas. "Todos os participantes ostentam suas vestes típicas, homens de paletó e gravata, mulheres de branco, e portando lanternas e opas vermelhas sobre suas vestes, com seus passos marcados pela cadência das matracas e seguidos por uma legião de católicos", descreve.

No Sábado de Aleluia ocorre o tradicional ¨Forró dos Caretas¨. No domingo, milhares de pessoas se dirigem para o pátio do evento para o grande cortejo pelas principais ruas da cidade para logo em seguida acontecer esperada premiação do Festival de Máscaras. 

Mastro de eucalipto marca ritual religioso
Um dos mais importantes rituais da tradição dos Caretas é a retirada do mastro de eucalipto, o chamado Paudo Judas. De acordo com Luiz Lemos, nesta ocasião é possível perceber o amor e a satisfação pela tradição, explicitamente expressados por dezenas de homens que derramam o seu suor levando aos ombros um mastro de aproximadamente 20 metros de altura com mais de duas toneladas. Quando a Semana Santa se aproxima os organizadores da festa abrigam-se no seu novo lar, na conhecida ¨Casa do Judas¨.

Mais informações
Associação Cultural dos Karetas de Jardim
Rua Padre Miguel Coelho, 43
Centro - Jardim
Telefone (88) 3555.1352

ELIZÂNGELA SANTOS
REPÓRTER

Fonte: Diário do Nordeste



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