O Cariri, conhecido como um dos principais celeiros de manifestações artísticas do Ceará, tem algumas particularidades também. Uma delas, a convivência entre o contemporâneo e as tradições, explica o artista educador e integrante do Coletivo Camaradas, Alexandre Lucas, um dos responsáveis pela promoção da II Mostra Nacional de Vídeos Intervenções e Performances (Mostra IP), que acontecerá de amanhã, até domingo, nas cidades de Juazeiro do Norte, Crato e Santana do Cariri.
O objetivo da mostra é promover a circulação das obras artísticas. "A arte não pode ficar embaixo de sete chaves e nem virar mercadoria", reforça. Por isso, um dos critérios da organização é deixar claro aos artistas participantes sobre a garantia quanto a disponibilização das obras nas redes sociais digitais. Trata-se de mostra colaborativa, com custo zero para ser realizada, esclarece.
Não era necessário enviar as obras, já que a filosofia da evento é socializar a obra de arte, tanto na mostra quanto nas salas de arte. Realizada pela segunda vez, participam artistas de 12 estados, totalizando 49 vídeos enviados e 39 inscrições.
A abertura da mostra, que inclui intervenções urbanas, ocupação fotográfica, roda de poesia, encontro cosplay e exibição de vídeos, será sexta, às 18, no corredor cultural da Universidade Federal do Cariri (UFCA). No sábado, o evento se desloca para o Crato, quando acontece, das 9 às 19h, a ocupação artística da comunidade do Gesso, localizada na periferia da cidade, antiga zona de prostituição.
"Foi uma das maiores zonas de prostituição da região Sul do Ceará durante quatro décadas", afirma Alexandre Lucas, explicando que, no início dos anos 1990, as casas foram extintas, sendo alguns pontos transformados em venda de crack. A mostra termina domingo, às 19h, na Praça do Calçadão, em Santana do Cariri.
Coletivo
O coletivo de arte Camaradas desenvolve atividades no local há oito anos, no sentido de transformar a realidade, usando a arte como um dos elementos. A produção de um documentário faz parte da iniciativa realizada em especial com as crianças. "É uma forma de organizar e potencializar as ações da comunidade". Todos os meses, o grupo realiza a ação denominada "trocaria", que consiste na troca de roupas e livros. O Coletivo Camaradas é formado por 20 integrantes, todos da região do Cariri, que utiliza as artes visuais, a música e o ativismo como forma de linguagem artística. No entanto, a ação vai além da estética, invadindo o campo social.
Tradução
"Hoje, o Cariri trabalha com a tradução", admite Alexandre Lucas, justificando que consiste em tirar da tradição elementos para uma releitura à luz do contemporâneo. Na sua opinião, é isso que forma o caldeirão estético, artístico e politicamente organizado da região. Em outras palavras significa dizer que "não existe limite entre o contemporâneo e o popular. As tradições são reinventadas a cada dia", argumenta. Explica que, nas décadas de 1960 e 1970, a região já esboçava ações de vanguarda no campo da arte, uma vez que sempre sofreu influência dos estados vizinhos. Atualmente, no tempo da cultura digital e das informações compartilhadas de forma instantânea, as novas gerações de artistas da região não só acompanham, mas utilizam as mídias digitais para "socializar a arte". Como a Mosta IP, que reúne registro de performances e intervenções que usam como suporte a internet. "Alguns podem não estar editados", ou seja, trata-se de material bruto.
Conforme o artista educador, um dos objetivos do evento é evidenciar essa produção feita na contemporaneidade. "Visa provocar uma reflexão sobre o que é e o que não é arte, bem como discutir seu papel social". Assim, um dos critérios para a participação na mostra é a disponibilização dos trabalhos em plataformas de visualizações na web.
O objetivo é enfatizar "a não propriedade do trabalho artístico", ou seja, aquilo que é produzido artisticamente não é mais do autor, enfatizando a circulação. Não pode ser guardado, diz, criticando a transformação da obra de arte em mercadoria. "Por isso, estamos levando a exibição da mostra para uma zona periférica da cidade do Crato, e não para uma galeria ou instituições consagradas no campo da arte e da cultura".
Incentivo
A II Mostra IP tem a finalidade de incentivar a produção de registros em vídeos de intervenções e performances, além de fomentar o intercâmbio neste campo das artes. Conta com a participação de artistas dos estados do Rio Grande do Norte, São Paulo, Rio de Janeiro, Amapá, Ceará, Distrito Federal, Amazonas, Bahia, Santa Catarina, Minas, Mato Grosso e Rondônia. O evento é uma realização do Programa Nacional de Interferência Ambiental (PIA- Cariri) e tem como co-realizadores o Coletivo Camaradas, Laboratório de Estudos, Vivências e Experimentos em Arte Contemporânea (Leve) e o Cine Arte Clube da UFCA.
IRACEMA SALES
REPÓRTER
Fonte: Diário do Nordeste
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