Cariri experimental: expressões de uma cena contemporânea

O riso e os dedos levantados de curiosos estavam por toda parte: apontavam para ação do coletivo de performance baiano Construções Compartilhadas. Pelas ruas do Centro de Juazeiro do Norte na Praça Padre Cícero, um grupo de transeuntes circulava alinhados com guarda-chuvas cor de rosa. Enquanto isso, personagens do reisado, um Mateus, por exemplo, passava desapercebido ou, pelo menos, encarado com mais naturalidade.

Reconhecido como um celeiro e vitrine de manifestações tradicionais - coco, reisado, banda de pife, congada, bacamarte - o Cariri vem gestando uma boa cena de arte contemporânea, dia a dia mais pulsante.

Da Mostra Sesc Cariri, realizada de 8 a 13 deste mês no Cariri, participaram grupos como Café com Gelo, coletivo de artistas visuais, que expôs "Desmame", com 26 fotografias que exploram o fantástico, o absurdo, na Galeria da unidade Sesc do Crato. "Ainda existe um foco muito grande na cultura popular, que tem um valor imenso, mas estão surgindo artistas com outras problemáticas, que não a da seca, não é só o sertão", avalia Joseph Olegário, de 27 anos, estudante de artes visuais da Universidade Regional do Cariri (Urca). O artista faz parte do grupo Bando, que também teve ação incluída na Mostra Sesc.

O grupo trabalha com ações visuais provocativas, que despertem, pela provocação, o debate sobre os temas escolhidos. Na mostra, eles montaram um arsenal de recortes, fotografias, estêncil, adesivos, resgatando o cenário das manifestações de junho em praças de Juazeiro do Norte, incluindo a localizada em frente ao prédio da prefeitura. Logo de início, ao hastear a bandeira da diversidade sexual no mastro oficial, foram repreendidos pela Guarda Municipal, e acataram o pedido de retirada, realocando a bandeira.

"Nós não temos muita preocupação de como as pessoas vão reagir, e sim de se aquela ação está de acordo com o que pensamos e propomos", diz. O grupo foi criado em 2008, tendo a frente artistas como Maria Dias, Jânio Tavares, Geraldo Júnior, Dinho, Carol Landim e Orlando Pereira. Hoje, contabiliza Joseph, tem uma composição flutuante, entre 20 e 30 artistas. Entre as ações que já desenvolveram, ilustra, uma colagem de adesivos com a imagem da beata Maria de Araújo, protagonista do episódio conhecido como "Milagre de Juazeiro", cujos restos mortais estão desaparecidos. "Muita gente se sentiu ofendida com esta ação. Saiu em jornal, TV", lembra. Joseph, cita ainda, como partícipes da cena, como os coletivos Xícara, de artistas visuais, Camaradas, grupo multilinguagens, com ações mais voltados para a militância política e o debate público, além do artista Bitú, "que é um coletivo unitário".

Nu em cena
Outra ação bastante ousada durante a mostra, foi assinada pela artista e ativista anarco- feminista - se é que é possível rotulá-la - Bartira Dias. Na noite de sábado, ela executou a performance "Vivendo de Cores", pertencente a segunda série do projeto Exdrógeno.

Nús, ela e os artistas convidados Edilson Melo e Expedito Oliveira Ramos, ocuparam o espaço entre os banheiros masculino e feminino do Sesc Crato, utilizando tinta vermelha no corpo e nas paredes, aplicadas durante a ação.

"Eu trabalho com o corpo e a questão de gênero. Essa foi a primeira vez que fiz essa performance, que faz parte da segunda de quatro séries do Exdrógeno. Essa segunda série tem cinco performances", situa Bartira sobre a ação.

O projeto busca uma reinvenção da sexualidade no corpo, desta vez, colocando o masculino e feminino em um arranjo inicial, que, à medida que eram recobertos de vermelho, experimentavam outras combinações. "Por isso, propositalmente, fizemos entre os banheiros", reforça Bartira.

Natural do Cariri, tendo residido em Fortaleza e Brasília, a artista está de volta à região há apenas um ano. Bartira Dias é mestre em educação, com foco em arte e resistência.

"Eu fiz uma performance bem ousada em uma esquina, toda plastificada e com flores ao redor", relembra. "É um desafio. Minha família mora aqui. Eles não se metem muito, mas me sinto um pouco angustiada relação a mim, enquanto mãe", revela.

Há, no entanto, para a artista, um terreno fértil na região, com uma crescente de artistas enveredando para este lado. "O Cariri tem muita curiosidade na performance", avalia.

Fotos: Júnior Panela

FÁBIO MARQUES
REPÓRTER

Fonte: Diário do Nordeste



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