Deputados cearenses já gastaram R$ 875 mil com voos

Os deputados federais do Ceará já gastaram aproximadamente R$ 875 mil com passagens aéreas durante este ano. As informações foram coletadas no portal da Câmara dos Deputados e respondem pelos gastos realizados até 29 de setembro. Os recursos fazem parte da Cota para Exercício da Atividade Parlamentar, conhecida como cotão, e referem-se a bilhetes aéreos adquiridos pelos parlamentares ou aluguel de aeronaves, estas com custo mais oneroso.

O deputado federal cearense que mais gastou verba para se deslocar por meio aéreo foi o líder da bancada cearense no Congresso Nacional, Antônio Balhmann (PROS), mais de R$ 100 mil. Isso porque, para visitar alguns municípios do Interior do Ceará, ele optou em alugar aeronaves para os compromissos, ao invés de utilizar carros convencionais. "Não tem nada de excepcional. São gastos programados para o Interior", alega.

Somente em março, o líder da bancada federal do Ceará pagou mais de R$ 22 mil com passagens aéreas e aluguel de aeronaves. Em maio, esse valor alcançou R$ 10 mil. No mês de junho, o parlamentar declarou ter desembolsado R$ 18,6 mil para fretar aeronaves. Antônio Balhmann faz questão de ressaltar que todos os valores estão no orçamento previsto. "Tudo isso é dentro da cota da Câmara. Nem para mais nem para menos", justifica.

Antônio Balhmann também garante que não cede o valor da cota parlamentar para aliados políticos, como prefeitos do Interior. O deputado afirma que, em situações excepcionais, leva o chefe de gabinete a Brasília para resolver demandas do mandato ou participar de eventos realizados na Câmara Federal.

O segundo deputado que mais gastou com passagens aéreas em 2013 foi Eudes Xavier (PT), ultrapassando os R$ 71 mil até agora. No mês de fevereiro, o petista declarou ter gasto R$ 15 mil para custear voos. Em maio, esses valores ultrapassaram os R$ 24,6 mil contra R$ 9,5 mil em junho. Procurado pelo Diário do Nordeste na última sexta-feira à noite, o parlamentar não atendeu as ligações feitas ao seu celular.

Discrepantes
Os valores encontrados nas verbas oficialmente declaradas pelos deputados federais são discrepantes. Se por um lado o líder da bancada cearense no Congresso, Antônio Balhmann, já desembolsou R$ 100 mil com transporte aéreo este ano, Artur Bruno (PT), por exemplo, só declarou despesas de R$ 14,7 mil. De acordo com o petista, esses recursos foram usados para custear o translado de Brasília a Fortaleza.

Questionado sobre a forma como utiliza e planeja a verba parlamentar, Artur Bruno ressalta que tenta comprar os bilhetes aéreos com antecedência, saindo a um custo muito mais baixo. "Peço que o gabinete compre com antecedência, porque barateia o processo se comprar antes. Normalmente eu volto sempre nos mesmos dias, exceto em algumas emergências", pondera.

Ainda segundo o deputado federal, existem agendas de compromissos em outros estados. Ele também assegura que, em algumas poucas situações, leva alguns dos assessores parlamentares ao Congresso Nacional. "Essa despesa é basicamente com ida e vinda a Brasília. Uma ou outra vez vou a outro estado para cumprir atividade parlamentar, mas 90% dos gastos são com idas a Brasília", esclarece.

Os gastos com passagens aéreas já foram alvo de polêmicas na Câmara Federal e no Senado. Isso porque alguns parlamentares se envolveram em esquema que consistia em cobrar comissão pelo repasse de passagens da cota parlamentar para que agências revendessem a terceiros por um preço aproximadamente 40% menor do que o de mercado. Entre os envolvidos no episódio estão os deputados Aníbal Gomes (PMDB-CE) e Dilceu Sperafico (PP-PR).


Escândalos
Após uma série de escândalos deflagrados em 2009, o Congresso regulamentou os gastos com bilhetes aéreos visando moralizar o uso do dinheiro público. A meta era evitar, dentre outras coisas, o repasse da verba das passagens a terceiros, como familiares e amigos. Além de algumas regalias às quais os deputados federais têm direito, eles recebem subsídio mensal de R$ 26.723,13.

A cientista política Patrícia Teixeira, professora da Faculdade Vale do Jaguaribe, explica que alguns gastos dos parlamentares ainda refletem uma política patrimonialista, que se apropria dos recursos públicos. "No Brasil, historicamente a política é feita de troca, tem essa característica de escambo desde o princípio. Há uma confusão muito grande entre o público e o privado. Eles querem fazer do espaço público o espaço particular. Nossa política inteira é um jogo de compadres", compara.

Ainda de acordo com a professora universitária, mesmo com algumas diretrizes para inibir o uso deliberado do cotão parlamentar, os congressistas ainda conseguem encontrar algumas brechas. "Por mais que se coloquem uma série de barreiras, sempre se dá um jeito de burlar". Sobre o desapego com os gastos da máquina pública, Patrícia acrescenta: "As pessoas que ocupam cargos públicos se sentem acima do cidadão, acima do bem e do mal".

Já o economista Aécio Oliveira, professor da Universidade Federal do Ceará, pondera que, em valores absolutos, os gastos podem até não ser expressivos, mas ele atenta para as questões éticas envolvidas no uso da cota parlamentar. "A expressão monetária talvez até nem seja tão grande, mas tem um aspecto ético e moral, por se tratar do dinheiro público. Aparentemente quem gasta menos tem mais zelo com o dinheiro público", aponta o docente.

Reforma ampla
Por sua vez, o cientista político Clésio Arruda, professor da Universidade de Fortaleza, lembra que a forma como se utiliza a verba pública já está entranhada na dinâmica da política brasileira, acrescentando que teria de haver uma reforma ampla para reverter esse quadro. "Isso é algo que já faz parte das nossas regras jogo político, um hábito que vem se reproduzindo de governo a governo e reeditado pelos que vão chegando. Quando chega um novo indivíduo, as regras estão lá. Se quiser provocar uma grande mudança, teria que enfrentar essa questão", analisa.

Clésio Arruda aponta que a flexibilidade com que são gastos os recursos públicos ocorre porque a sociedade não se sente como detentora daquela verba. "Isso (as regalias dos políticos) desagrada, causa incômodo, mas não tem impacto. O brasileiro não consegue vincular o dinheiro como fonte de arrecadação de impostos que ele contribui", diz.

Conforme o cientista político, o desleixo com a utilização da verba pública ocorre porque a corrupção está entranhada na democracia brasileira, inclusive quando ocorre de forma indireta. "Desde os pequenos favores do serviço público", exemplifica. E completa: "O Brasil avançou muito em termos de democracia, mas tem que avançar no republicanismo, que é a autonomia das instituições".

LORENA ALVES
REPÓRTER

Fonte: Diário do Nordeste



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