Julgamento do Mensalão: Celso de Mello aceita infringentes e 12 réus poderão ter novo julgamento

O ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), votou nesta quarta-feira pelo cabimento dos embargos infringentes no processo do mensalão. Com isso, ao menos 12 réus poderão entrar com novos recursos que levarão a uma reanálise de seus casos.

Em um voto que consumiu quase duas horas, o decano da Corte advertiu que a admissibilidade dos embargos não implica necessariamente em sua aceitação pelos ministros e menos ainda na discussão do mérito de cada recurso. Ou seja, para Mello, a Corte decidiu que eles podem ser apresentados, mas não significa que eles serão aceitos no caso dos mensaleiros e nem que um novo julgamento signifique que haverá uma alteração na condenação dos réus.

“Torna-se claro que o juízo de mérito sobre a acusação criminal nos limites temáticos resultantes do dissenso nada tem a ver com o juízo meramente preliminar de admissibilidade”, disse.

Antes de dar início ao voto propriamente dito, Mello fez uma introdução destacando que a interrupção da sessão na semana passada, articulada por outros ministros da Corte, teve o efeito positivo de “aprofundar a convicção” em torno dos infringentes. Ciente da tentativa de fazê-lo mudar seu entendimento sobre o assunto, o decano afirmou que julgamentos do STF, para serem imparciais, isentos e independentes, não podem se submeter a questões externas, como o clamor popular.

“A resposta do poder público ao fenômeno criminoso, que não pode manifestar-se de modo cego e instintivo, é de reação pautada por regras que viabilizem a instauração, perante juízes isentos, imparciais e independentes, de um processo que neutralizem as paixões exacerbadas das multidões, em ordem que prevaleça aquela velha e clássica definição aristotélica de que o direito há de ser compreendido em sua dimensão racional, da razão desprovida de paixão”, afirmou.

Sustentando o argumento de que não houve uma revogação explícita do artigo 333 do Regimento Interno do STF, que trata da admissibilidade dos infringentes, Celso de Mello destacou que todos os regimentos do Supremo trataram do tema e que a lei do novo Código Penal, em tramitação no Congresso Nacional, mantém esse entendimento.

“O que é relevante é que todos os regimentos internos do STF, notadamente aqueles a partir de 1909, 1940, 1970 e o atual, de 1980, todos eles dispuseram sobre os embargos infringentes”, disse o ministro, acrescentando que uma lei federal aprovada em 1902 já previa os embargos infringentes.

O ministro ainda destacou que a Câmara dos Deputados manteve, deliberadamente, a possibilidade de apresentação de embargos infringentes nos julgamentos do Supremo Tribunal Federal, ao contrário do que defendia o presidente da Corte e relator do mensalão, Joaquim Barbosa. Enquanto Barbosa insistiu que a lei 8.038/90 teria revogado o artigo 333 do Regimento Interno do STF, que previa os embargos, Mello mostrou que isso nunca ocorreu.

O decano citou documentos da tramitação da lei, que trazia uma mensagem presidencial acrescentando um artigo que derrubava os infringentes. Ao longo da tramitação na Comissão de Constituição e Justiça, o então deputado Jarbas Lima, hoje professor de direito constitucional da PUC do Rio Grande do Sul, apresentou um voto em separado pedindo a supressão do trecho que previa o fim dos embargos.

“Tenho para mim que ainda subsistem no âmbito do STF, nas ações penais originárias, os embargos infringentes previstos no regimento que, ao meu ver, não sofreu no ponto revogação tácita em decorrência da lei 8.038/90, que se limitou a dispor sobre normas meramente procedimentais. Nós não podemos afirmar sempre, incondicionalmente, que a lei se superpõe ao regimento interno, nem que o regimento interno se superpõe à lei. É preciso verificar os domínios temáticos que a Constituição estabeleceu”, afirmou.

Nova etapa
Dos 25 condenados pelo Supremo, ao menos 12 teriam direito a apresentar os embargos  infringentes. São os casos de João Paulo Cunha, João Cláudio Genú e Breno Fischberg, que nas condenações por lavagem de dinheiro obtiveram ao menos quatro votos a favor.

Outros oito réus (José Dirceu, José Genoino, Delúbio Soares, Marcos Valério, Kátia Rabello, Ramon Hollerbach, Cristiano Paz e José Roberto Salgado) foram condenados por seis votos a quatro no crime de formação de quadrilha.

Simone Vasconcelos também obteve quatro votos favoráveis no crime de quadrilha, mas a punição prescreveu, e ela não pode mais pagar por este crime. No entanto, ainda poderá recorrer, reivindicando que sua pena seja recalculada.

O próximo passo do Supremo será a publicação do acórdão do julgamento dos embargos de declaração, a maioria rejeitada pelos ministros. O acórdão é o documento que resume o que foi discutido durante as sessões do julgamento e que formaliza as decisões tomadas. A estimativa é que a Corte leve, no mínimo, um mês para publicá-lo, mas o prazo legal é de até 60 dias.

Com o acórdão em mãos, os advogados terão 15 dias para apresentar os embargos infringentes. Após a apresentação dos recursos, será realizado um sorteio para definir um novo relator para essa fase do julgamento. Estão excluídos o Joaquim Barbosa e Ricardo Lewandowski por terem sido, respectivamente, relator e revisor do primeiro julgamento. Nesta nova fase, não haverá a figura do revisor.

O novo relator não tem um prazo legal para colocar o processo em pauta. Há quem diga que, caso ele pare nas mãos dos ministros mais novos, como Luís Roberto Barroro e Teori Zavascki, que não participaram do primeiro julgamento, a análise dos recursos ficaria para depois do segundo semestre do ano que vem.

Em paralelo a isso, o Supremo ainda terá de definir a situação dos réus que não terão direito aos embargos infringentes, entre eles o delator do esquema, Roberto Jefferson, e os deputados Valdemar Costa Neto (PR-SP) e Pedro Henry (PP-MT), condenados ao regime semiaberto.

Também nessa questão há uma divisão na Corte. Há ministros que defendem a execução das penas logo após a publicação do acórdão, quando pode ser decretado o trânsito em julgado do processo. Outro, no entanto, acreditam que ainda cabem os chamados “embargos dos embargos”, que são novos embargos de declaração sobre os que já foram examinados pelos ministros.

O mensalão do PT
​​​Em 2007, o STF aceitou denúncia contra os 40 suspeitos de envolvimento no suposto esquema denunciado em 2005 pelo então deputado federal Roberto Jefferson (PTB) e que ficou conhecido como mensalão. Segundo ele, parlamentares da base aliada recebiam pagamentos periódicos para votar de acordo com os interesses do governo Luiz Inácio Lula da Silva. Após o escândalo, o deputado federal José Dirceu deixou o cargo de chefe da Casa Civil e retornou à Câmara. Acabou sendo cassado pelos colegas e perdeu o direito de concorrer a cargos públicos até 2015.

No relatório da denúncia, a Procuradoria-Geral da República apontou como operadores do núcleo central do esquema José Dirceu, o ex-deputado e ex-presidente do PT José Genoino, o ex-tesoureiro do partido Delúbio Soares e o ex- secretário-geral Silvio Pereira. Todos foram denunciados por formação de quadrilha. Dirceu, Genoino e Delúbio respondem ainda por corrupção ativa.

Em 2008, Sílvio Pereira assinou acordo com a Procuradoria-Geral da República para não ser mais processado no inquérito sobre o caso. Com isso, ele teria que fazer 750 horas de serviço comunitário em até três anos e deixou de ser um dos 40 réus. José Janene, ex-deputado do PP, morreu em 2010 e também deixou de figurar na denúncia.

O relator apontou também que o núcleo publicitário-financeiro do suposto esquema era composto pelo empresário Marcos Valério e seus sócios (Ramon Cardoso, Cristiano Paz e Rogério Tolentino), além das funcionárias da agência SMP&B Simone Vasconcelos e Geiza Dias. Eles respondem por pelo menos três crimes: formação de quadrilha, corrupção ativa e lavagem de dinheiro.

A então presidente do Banco Rural, Kátia Rabello, e os diretores José Roberto Salgado, Vinícius Samarane e Ayanna Tenório foram denunciados por formação de quadrilha, gestão fraudulenta e lavagem de dinheiro. O publicitário Duda Mendonça e sua sócia, Zilmar Fernandes, respondem a ações penais por lavagem de dinheiro e evasão de divisas. O ex-ministro da Secretaria de Comunicação (Secom) Luiz Gushiken é processado por peculato. O ex-diretor de Marketing do Banco do Brasil Henrique Pizzolato foi denunciado por peculato, corrupção passiva e lavagem de dinheiro.

O ex-presidente da Câmara João Paulo Cunha (PT-SP) responde a processo por peculato, corrupção passiva e lavagem de dinheiro. A denúncia inclui ainda parlamentares do PP, PR(ex-PL), PTB e PMDB. Entre eles o próprio delator, Roberto Jefferson. Em julho de 2011, a Procuradoria-Geral da República, nas alegações finais do processo, pediu que o STF condenasse 36 dos 38 réus restantes. Ficaram de fora o ex-ministro da Comunicação Social Luiz Gushiken e o irmão do ex-tesoureiro do Partido Liberal (PL) Jacinto Lamas, Antônio Lamas, ambos por falta de provas. A ação penal começou a ser julgada em 2 de agosto de 2012. A primeira decisão tomada pelos ministros foi anular o processo contra o ex-empresário argentino Carlos Alberto Quaglia, acusado de utilizar a corretora Natimar para lavar dinheiro do mensalão.

Durante três anos, o Supremo notificou os advogados errados de Quaglia e, por isso, o defensor público que representou o réu pediu a nulidade por cerceamento de defesa. Agora, ele vai responder na Justiça Federal de Santa Catarina, Estado onde mora. Assim, restaram 37 réus no processo.

No dia 17 de dezembro de 2012, após mais de quatro meses de trabalho, os ministros do STF encerraram o julgamento do mensalão. Dos 37 réus, 25 foram condenados, entre eles Marcos Valério (40 anos e 2 meses), José Dirceu (10 anos e 10 meses), José Genoino (6 anos e 11 meses) e Delúbio Soares (8 anos e 11 meses). A Suprema Corte ainda precisa publicar o acórdão do processo e julgar os recursos que devem ser impetrados pelas defesas dos réus. Só depois de transitado em julgado os condenados devem ser presos.

Fonte: Terra



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