Deputado Manoel Salviano destina verba a hotel do qual é acionista

“A Cota para o Exercício da Atividade Parlamentar (Ceap), mais conhecida como “cotão”, permite que deputados utilizem verba da Câmara para custear despesas de atividades consideradas inerentes ao cargo. Os valores são usados para, por exemplo, alugar veículos, divulgar o que ele ou ela faz durante o mandato, comprar passagens de avião e bancar gastos de alimentação.

Na última sexta-feira, mostramos que o deputado Manoel Salviano (PSD-CE) gasta  cerca de R$ 14 mil por mês para alugar quatro carros em Juazeiro do Norte, município de 242 mil habitantes localizado a cerca de 500 km de Fortaleza. Um dos automóveis alugados é uma Mercedes. Embora a empresa esteja registrada em nome de terceiros, em contato com o Congresso em Foco, funcionários disseram que uma das locadoras (a da Mercedes) pertence de fato ao próprio parlamentar.

Oferecemos agora mais uma demonstração da liberalidade com que o deputado Salviano administra o cotão. Segundo a própria Câmara dos Deputados, ele já destinou mais de R$ 9,5 mil ao restaurante do Hotel Verdes Vales, também localizado no município cearense de Juazeiro do Norte, reduto eleitoral do parlamentar. As notas para ressarcimento representam um gasto médio de R$ 1.915 por cada almoço ou jantar.

O montante excede em muito os valores pagos, a título de despesas com alimentação, a outros estabelecimentos que receberam dinheiro da Câmara, dentro da cota de Salviano. Neste mandato, além dos gastos com alimentação no Hotel Verdes Vales, Salviano pediu o reembolso em apenas outras duas ocasiões, totalizando R$ 254. Ou seja, menos de 3% do que consumiu no local. Mas esse não é o aspecto mais intrigante da história. O que mais surpreende é que Manoel Salviano é um dos donos do hotel. Ou, para ficar com as palavras dele: “Dono, não. Sou acionista”.

Prática é proibida pela Câmara
Conforme as regras internas da Câmara, os deputados são impedidos de contratar empresas ou entidades das quais sejam proprietários ou detentores de qualquer participação. É o que estabelece o Ato da Mesa 43, de 2009, baixado à época pela Mesa Diretora em resposta a uma série de reportagens publicadas pelo Congresso em Foco sobre a chamada farra das passagens aéreas.

O ato proíbe o ressarcimento de serviços prestados por empresas pertencentes a parentes do deputado até o terceiro grau. O caso de Salviano demonstra, no entanto, o baixo nível de controle em relação a isso. Em geral, para ressarcir a despesa, basta que o deputado apresente recibo ou nota fiscal emitida pela empresa que presta o serviço.

Segundo a declaração de bens entregue ao Tribunal Superior Eleitoral, em 2010, Salviano é detentor de uma “quota de capital” no valor de R$ 22.714,26 do hotel. Sempre insistindo que não é dono, mas sim acionista, ele disse ao Congresso em Foco: “Não é quota, são ações no valor de R$ 22 mil. Aquilo é uma SA [Sociedade Anônima] que foi dividida em ações pela Sudene [Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste] porque [a construção] foi financiada por ela”.

Manoel Salviano conta que nos anos 80 doou o terreno onde foi construído o hotel e por isso passou a ter direito às quotas de capital. “Mas quando a Sudene fez o financiamento, as quotas passaram a ser ações”, disse. Salviano acrescentou que a informação publicada pelo TSE na internet, aliás fornecida por ele mesmo, está errada, por falar em “quotas de capital”. “Vou até corrigir isso aí, porque são ações”. A declaração de bens entregue por Salviano nas eleições de 2010 aponta um patrimônio de R$ 6,7 milhões.

“Ofensa à moralidade”
Para o professor de Direito Público da Universidade de Brasília Mamede Said, o caso é, no mínimo, uma “ofensa à moralidade administrativa”.

“Mesmo que ele não seja sócio majoritário ou que não seja o único dono, ele tem participação na empresa”, analisa o professor. “Então ele deveria se abster de apresentar notas de estabelecimentos comerciais nos quais tem interesses particulares. O princípio da moralidade pública é aplicado a todos os agentes públicos, principalmente aos agentes políticos”, disse.

Como deputado pelo Ceará, Salviano pode usar até R$ 35,9 mil por mês para custear as despesas do mandato com o cotão.

Com Índice de Desenvolvimento Humano de 0,694, Juazeiro do Norte – a cidade por onde o deputado circula de Mercedes paga pelos contribuintes – tem um IDH considerado médio. Embora não esteja entre os mais carentes do Ceará e do país, o município está longe do ideal em relação a vários indicadores sociais e ambientais. Um exemplo é a sua situação em termos de saneamento. Cerca da metade dos domicílios não tem esgoto. Terceiro maior colégio eleitoral do Ceará (com mais de 150 mil eleitores nas últimas eleições), Juazeiro é conhecida por ser a terra do Padre Cícero, o que faz dela um dos principais polos de religiosidade popular do Nordeste.

Salviano tem 72 anos, e é médico e empresário. Exerce atualmente o quarto mandato consecutivo de deputado federal. Já foi do PMDB e do PSDB, e está entre os tucanos que deixaram a oposição para se abrigar no partido criado pelo ex-prefeito de São Paulo Gilberto Kassab, que já anunciou apoio à reeleição de Dilma Rousseff.

Manoel Salviano e o governo Dilma estão em campos opostos, porém, no que se refere ao orçamento impositivo, proposta de emenda constitucional (PEC) em andamento no Congresso que obriga o Executivo a executar integralmente o texto orçamentário definido pelos parlamentares. O Palácio do Planalto faz sérias restrições à ideia, sob o argumento de que o governo não pode assumir o compromisso de fazer despesas sem ter a certeza de obter as receitas necessárias para tal. A maioria do Parlamento, no entanto, defende a proposta, apresentada como uma espécie de grito de independência do Legislativo, isto é, de afirmação da sua autonomia perante os demais poderes. Salviano disse sim à PEC do orçamento impositivo.

Até fevereiro deste ano, o deputado respondeu a inquérito no Supremo Tribunal Federal por “prática sonegação de contribuição previdenciária (art. 337-A do Código Penal) entre janeiro de 2000 a abril de 2006”. O inquérito, de número 2.876, foi arquivado por prescrição, isto é, pela incapacidade do Judiciário de analisar os fatos – o chamado “mérito – em tempo hábil.

A Câmara já gastou mais de R$ 31 milhões em aluguéis de veículos e R$ 22,8 milhões com combustíveis e lubrificantes desde 2012. Mas o valor pode ser ainda maior, pois os deputados têm até 90 dias para prestar contas. Ou seja, valores gastos entre maio e julho deste ano ainda podem ser ressarcidos.”

Fonte: Congresso em Foco



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