Sai de cena Dominguinhos, herdeiro que expandiu o legado de Gonzaga

O título do primeiro álbum de José Domingos de Morais (Garanhuns - PE, 12 de fevereiro de 1941 - São Paulo - SP, 23 de julho de 2013), Fim de festa, foi enganador. A festa estava somente começando naquele ano de 1964 para o grande cantor, compositor e sanfoneiro pernambucano, popularmente conhecido no Brasil como Dominguinhos. A rigor, o fim mesmo foi somente nesta terça-feira, 23 de julho, data em que o artista saiu de cena, aos 72 anos, após sete meses de internação em hospital de São Paulo (SP) para tratamento de problemas cardíacos e respiratórios, agravados por um câncer de pulmão diagnosticado já há seis anos.

Enquanto durou, o forró foi animado. Por mais que a sanfona do mestre tenha chorado ao tocar temas melancólicos ao longo de carreira pavimentada desde a década de 50, o som de Dominguinhos vai estar para sempre associado à alegria e à vivacidade da música nordestina. Já virou clichê apontá-lo como o legítimo herdeiro musical de Luiz Gonzaga (1912 - 1989) - o pilar mais forte da Nação Nordestina - e, sim, Dominguinhos foi mesmo o mais capacitado sucessor na linhagem nobre do Rei do Baião. Contudo, Seu Domingos soube expandir esse legado, delineando sua identidade como compositor e se recusando, com a delicadeza que pautou a maioria de sua músicas, a ser mero clone de Gonzaga, a quem sempre reverenciou sem submissão.

Aliás, o último trabalho autoral de Dominguinhos - Luar agreste no céu cariri (Passa Disco, 2013), assinado com o compositor cearense Xico Bizerra - reiterou a versatilidade de compositor que extrapolou o universo musical nordestino, compondo choros, boleros, valsas e até fado. Mas é fato que Dominguinhos vai ser sempre mais lembrado pelos xotes, baiões e toadas que ganharam as paradas nas vozes de cantores do Brasil. Gilberto Gil fez grande sucesso em 1973 com o compacto que trazia a gravação do xote Eu só quero um xodó, uma das mais conhecidas parcerias de Dominguinhos com sua então mulher Anastácia. Tanto que, na sequência, Gil letrou tema originalmente instrumental de Dominguinhos - Lamento sertanejo, música lançada pelo sanfoneiro no álbum Tudo azul (1973) - e virou parceiro do mestre em outro sucesso. Fafá de Belém registrou Carece de explicação (Dominguinhos e Clodô) em seu álbum Estrela radiante (Philips, 1979).

No mesmo ano, Fagner fez sucesso com a toada Quem me levará sou eu (Dominguinhos e Manduka) - incluída na segunda edição do álbum Eu canto (CBS, 1978) - e Nana Caymmi fez a primeira e definitiva gravação de Contrato de separação em seu álbum Nana Caymmi (Odeon, 1979). Elba Ramalho - a cantora que mais propagou o cancioneiro de Dominguinhos, a ponto de gravar e assinar com o compositor um álbum em 2005 - imortalizou De volta por aconchego (Dominguinhos e Nando Cordel) em seu álbum Fogo na mistura (Barclay, 1985). Ao ser propagada na trilha sonora da novela Roque Santeiro (TV Globo, 1985), a toada nunca mais saiu da memória do Brasil e dos shows de Elba. Gostoso demais (Dominguinhos e Nando Cordel), outra canção composta no tempo da delicadeza, impulsionou as vendas de Dezembros (RCA, 1986), álbum que marcou a volta de Maria Bethânia à gravadora RCA.

Entre um sucesso e outro na voz de cantoras do Brasil, o compositor se tornou parceiro do carioca Chico Buarque, com quem compôs Tantas palavras, lançada por Chico em álbum de 1984. Bissexta, a parceria seria reavivada em 1998 com o lançamento do Xote da navegação. Nesse mesmo ano de 1998, Djavan lançaria em seu álbum Bicho solto o XIII sua primeira e única parceria com Dominguinhos a belíssima Retrato da vida. Como sanfoneiro, o virtuosismo de Dominguinhos ia além das festas e forrós animados pelo músico - como pode ser comprovado com a audição do CD gravado com o violonista gaúcho Yamandu Costa, Yamandu + Dominguinhos (Biscoito Fino, 2007), título mais recente de discografia que inclui álbuns hoje raros, posto que nunca relançados em CD. São os casos de O forró de Dominguinhos (Philips, 1975), Domingo menino Dominguinhos (Philips, 1976), Oi, lá vou eu (Philips, 1977), Ó Xente! Dominguinhos (Philips, 1978) e Após tá certo (Philips, 1979) - para citar somente álbuns da segunda metade dos anos 70, década em que a carreira do artista engrenou em escala nacional.

Até mesmo álbuns dos anos 80, como o popular Isso aqui tá bom demais (RCA, 1985), estão há anos fora de catálogo. Enfim, Dominguinhos fez sua festa na terra, alegrando o Brasil com sua música que, quando triste, embalava a tristeza com suavidade, sem peso. A partir de hoje, a festa é no céu. Puxe o fole, grande sanfoneiro!

Mauro Ferreira

Fonte: Blog Notas Musicais



AddThis