Tradição secular: um guardião da memória

O discurso bem moldado remete a um cronista de escrita diária. Aos 83 anos, o médico e pesquisador barbalhense Napoleão Tavares Neves é apontado na região como um dos grandes conhecedores da tradição do Pau da Bandeira. Filho de senhores de engenho e criadores de gado, atua como médico em Barbalha desde 1959, dedicando-se paralelamente à escrita e à pesquisa.

Clínico geral ainda em atuação, o médico Napoleão Tavares Neves é uma referência na região quando o assunto é a história de manifestações populares

Diariamente, ele recebe em sua residência grupos de estudantes, jornalistas e pesquisadores em busca de informações - sobre a cultura popular da região, sobre a fauna e a flora da Chapada do Araripe e sobre medicina. Professor Honoris Causa da Universidade Regional do Cariri (URCA), ele estudou, por meio de documentos e entrevistas, temas como o cangaço, Patativa do Assaré, Luiz Gonzaga e a festa em homenagem a Santo Antônio.

Origem
“Em 1860, quando por aqui passou o Padre Mestre Ibiapina (José Antônio Maria Ibiapina), que era um homem carismático que ditava as normas para o povo, ele recomendava nos sítios e fazendas onde ele chegava, que havia festa do padroeiro, que se colocasse a bandeira do santo no mastro na frente da casa da fazenda. Esse costume foi passando para as capelas, para as vilas e para as cidades”, afirma, sobre a origem do ritual no sertão cariri.

O relato, revela, foi colhido com um antigo penitente do Padre Ibiapina, Joaquim Couto Muniz, quando este já beirava os 100 anos de idade. Esta é a menção mais antiga ao Pau da Bandeira de Barbalha que conseguiu encontrar. Outra data chave, e mais aceita como a origem da festa, é o ano de 1929, quando o então pároco de Barbalha, José Correira Lima, teria recomendado que a retirada do Pau da Bandeira acontecesse anualmente, com a escolha de uma árvore da encosta da Chapada do Araripe, dos sítios São Joaquim, Flores, ou Santa Rita, e fosse carregado nos ombros “até com mortificação”, frisa, e hasteado na Igreja Matriz. “Foi aí que a tradição chegou aos moldes atuais. A coisa foi se avolumando, na década de 1930, surgiu a figura do Capitão do Pau da Bandeira, que até então não havia. Dizem que o primeiro foi Taumaturgo Filgueira, que era um esportista de família importante daqui. Uma espécie de líder para que não houvesse tanta bagunça”, narra. Apesar de estudar o ritual e ter acompanhado muitas edições dos festejos, Napoleão Tavares é hoje crítico da derrubada das árvores.

Ele alerta que, ao contrário do que se imagina, o ritual não se restringe a uma espécie por ano. Das recomendações do Padre Ibiapina, além do Pau da Bandeira de Barbalha, somente na zona rural do município existem cerca de outros 35 festejos a outros santos que incluem o hasteamento do pau. “Cada capela, no dia dos seus respectivos padroeiros, tem um pau da bandeira, mas em menores proporções”, diz.

Ele ainda arrisca propor uma modificação no ritual para que, ao fim do período festivo, o mesmo tronco fosse recolhido e guardado para que fosse novamente carregado no ano seguinte. “Acho que tradição não pode invalidar a natureza, nem o meio ambiente, nem a ecologia. Todos esses paus de bandeira são árvores que são sacrificadas, que a natureza construiu durante séculos e são sacrificadas para uma tarde de orgias”, contesta.

Fonte: Diário do Nordeste



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