Plantão Infotech: Engenheiro chinês constrói império imitando Steve Jobs e a Apple

A China é notória pelas imitações. Mas agora ela oferece uma imitação de um dos deuses da engenhosidade norte-americana: Steven Jobs.

Em um país no qual produtos como o iPhone são fabricados, mas raramente inventados, Lei Jun - empresário, multimilionário e seguidor confesso de Jobs - está se posicionando, e posicionando sua companhia, como herdeiros figurativos de Jobs. A mídia chinesa apelidou sua empresa, a Xiaomi, de "Apple do Oriente".

O nome é um exagero, sob quase qualquer critério. Mas Lei, mesmo assim, está cultivando cuidadosamente uma imagem inspirada pela de Jobs, o que inclui o uso de jeans e camisas escuras. Também está vendendo milhões de celulares muito parecidos com o iPhone. Os consumidores chineses --e investidores dotados de recursos generosos no exterior-- parecem estar acreditando na imagem.

E, no entanto, a pessoa que mais acredita em Lei talvez seja ele mesmo. Ele chega saltitante aos palanques nos quais apresenta novos celulares. Proclama coisas que, para muitos, podem parecer absurdas. Por exemplo:

"Estamos tornando o celular parecido com o computador, e essa é uma ideia totalmente nova", disse Lei, presidente-executivo da Xiaomi, em entrevista na espaçosa sede da empresa, um edifício alto em Pequim. "Estamos fazendo coisas que outras empresas nunca fizeram".

Isso pode causar surpresa na Apple e na Samsung Electronics, as gigantes gêmeas dos celulares inteligentes. Mas a Xiaomi (pronuncia-se "xáo-mi") vendeu US$ 2 bilhões em celulares na China em 2012. Está emergindo como uma força no mercado chinês, o maior mercado mundial de telefonia móvel, e antecipa que sua receita dobrará este ano.

Semelhanças
Lei, de sua parte, nada faz para desencorajar comparações com a Apple e Jobs. Pelo contrário.

E por que não? Fundada por um grupo de engenheiros chineses três anos atrás, sua companhia vendeu sete milhões de celulares no ano passado, usando designs que imitam a aparência e o modo de uso do iPhone, e recorrendo a técnicas de marketing conhecidas de quem acompanha a Apple.

Não surpreende que empresários aspirem a criar uma Apple chinesa. Muita gente fala sobre levar a China adiante, deixando para trás o beco sem saída que é montar aparelhos para companhias de outros países.

Até agora, porém, os verdadeiros inovadores são escassos. Na melhor das hipóteses, eles adaptaram tecnologias alheias ao mercado chinês.

Lei vem atraindo seguidores porque a receita de nenhuma outra companhia chinesa chegou à marca do US$ 1 bilhão ao ano mais rápido que a da Xiaomi, nem mesmo a da Amazon, que demorou cinco anos a atingir esse patamar. E a Xiaomi o fez operando sempre no azul.

Os investidores na companhia incluem a Qiming Venture Partners, divisão de capital para empreendimentos da Qualcomm, e a Digital Sky Technologies, companhia de investimento dirigida por Yuri Milner, um dos investidores iniciais no Facebook, Groupon e Zynga.

A Xiaomi, uma empresa de capital fechado, afirma que uma oferta pública inicial de ações ainda está anos no futuro. Mas o valor de mercado da companhia já atingiu os US$ 4 bilhões, de acordo com mais recente rodada de capitalização que ela realizou, em junho.

Se essa avaliação se sustentar, isso faria da Xiaomi uma das mais valiosas companhias chinesas de tecnologia, atrás da Alibaba, Baidu, Tencent e Netease.

Bom valor
A empresa atende a jovens com formação universitária que desejam smartphones mas não têm dinheiro suficiente para isso, pessoas como Lu Da, 26, consultor de educação em Xangai. "Escolhi a Xiaomi porque oferece bom valor pelo preço", disse.

Os céticos dizem que a companhia produz imitações baratas do iPhone, sem vantagens significativas de software ou hardware. Também dizem que ela enfrenta desafios fortes por parte da Apple e Samsung, que tem condições de oferecer smartphones de baixo preço.

O poder de marketing de fabricantes locais e maiores de celulares, como Lenovo, Huawei e HTC, de Taiwan, que juntas venderam cerca de 25% dos smartphones chineses, nos períodos mais recentes, tampouco pode ser desconsiderado.

Independentemente da consolidação da companhia, sua ascensão confirmou a reputação de Lei como mago das start-ups.

Parte empresário e parte inventor de novas companhias, ele dedicou mais de uma década à produtora chinesa de software Kingsoft, cujo capital foi aberto em 2007. Lei continua a ser presidente do conselho do grupo, e detém US$ 300 milhões em ações da companhia.

Lei também investiu em diversas empresas de software e internet que encontraram sucesso, como a YY, uma plataforma de redes sociais que abriu seu capital na Bolsa Nasdaq, nos Estados Unidos, um ano atrás e agora tem valor de mercado de US$ 1,63 bilhão.

Um dos primeiros sucessos dele aconteceu em 2004, quando a Amazon pagou US$ 75 milhões para adquirir a Joyo.com, uma companhia de comércio eletrônico criada por Lei.

"Lei Jun é um empreendedor fenomenal", disse Kai-Fu Lee, antigo executivo do Google e hoje diretor da Innovation Works, uma empresa de Pequim que investe em empresas iniciantes chinesas.

"Ele é perceptivo sobre as necessidades dos usuários e dos mercados, e agora tem esse forte desejo de criar uma marca que se torne uma referência na tecnologia".

Lei revela pouco sobre sua vida pessoal, mas tem quase cinco milhões de seguidores no Sina Weibo, uma espécie de Twitter chinês, e é tratado como celebridade nos círculos da tecnologia.

Inspiração
Ele cresceu perto de Wuhan, uma cidade industrial soturna no centro da China, e estudou ciência da computação na Universidade de Wuhan. Foi durante a faculdade, em 1987, conta, que ele leu um livro sobre Jobs e decidiu que o emularia.

"Aquele livro me influenciou muito, e eu queria estabelecer uma companhia de primeira classe", diz Lei. "Por isso fiz um plano de terminar a faculdade o mais rápido possível".

Depois de concluir o curso em dois anos, ele começou a trabalhar para a Kingsoft. Engenheiro talentoso e muito competente no marketing, ele logo subiu pelos escalões executivos e em 1998 se tornou presidente-executivo do grupo.

Na Kingsoft, ele também encontrou tempo para criar a Joyo.com, e para se tornar investidor inicial em dezenas de outras empresas.

"Ele tem visão", diz Liu Ren, um velho amigo de Lei e diretor de um fundo de investimento. "Vê as tendências antes dos outros, e está sempre preparado para se ajustar. Por exemplo, a Joyo começou como plataforma de download, e a YY só oferecia assinaturas de RSS".

Com US$ 41 milhões em financiamento inicial, Lei se aliou a Bin Lin, antigo engenheiro do Google e Microsoft, e a cinco outros engenheiros para criar a Xiaomi, em um pequeno escritório no subúrbio de Pequim.

O trabalho começou em 2010, com uma plataforma de software para celulares adaptada do sistema Google Android. A empresa também procurou muitos dos fornecedores e dos montadores terceirizados que trabalham para a Apple, entre os quais Qualcomm, Broadcom e Foxconn.

Em agosto de 2011, a Xiaomi lançou seu primeiro smartphone, o Mi-1, cujo estoque inicial se esgotou em dois dias. O Mi-2 saiu em agosto do ano passado e a primeira carga foi vendida tão rápido que alguns analistas alegaram que a empresa estava criando uma escassez artificial para gerar entusiasmo, usando o "marketing da escassez".

Inovador
Para reduzir custos, a companhia eliminou os intermediários e distribuidores, vendendo diretamente pelo site. O marketing não só era inovador para a China, diz a Xiaomi, como permitiu que ela vendesse seus celulares pela metade do preço do iPhone ou dos modelos Samsung Galaxy.

A Xiaomi também oferece on-line recursos e projetos criados pelos chamados Mi-Fans, e lança uma versão atualizada de seu sistema operacional a cada sexta-feira, para incorporar as mais recentes atualizações e manter o interesse dos fãs.

"Para uma start-up, o que eles realizaram é impressionante", diz Sandy Shen, analista do grupo de pesquisa Gartner. "Mas a questão é: como eles continuarão a ampliar sua fatia de mercado fora do segmento estreito ao qual vêm direcionando seus produtos?"

Muitos analistas de tecnologia e investidores em empresas chinesas dizem que o valor de mercado da companhia é resultado de uma bolha e que será difícil para a Xiaomi manter seu crescimento.

Lei insiste em que sua companhia pode vender mais de 15 milhões de celulares este ano. A Xiaomi --como a Apple-- também planeja trabalhar no mercado de televisão.

Lei, que consta do ranking da revista "Forbes" como um dos mais ricos empresários chineses, com patrimônio de US$ 1,7 bilhão, criou três start-ups multibilionárias em apenas uma década. Pouco admira, portanto, que ele pareça confiante, talvez até um pouco arrogante.

"Não somos só uma companhia chinesa barata que fabrica um celular barato", ele disse. "Seremos uma companhia do ranking 'Fortune 500'".

Fonte: Folha.com



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