Em menos de 24 horas, Dilma recua de Constituinte

Apresentada como um dos pilares do pacto nacional para aplacar a onda de protestos que convulsionam o país, a proposta da presidente Dilma Rousseff de uma Constituinte para promover a reforma política no país durou menos de 24 horas.

O recuo do governo foi anunciado pelo presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Marcus Vinícius Furtado, ao deixar uma reunião nesta terça-feira com Dilma, o vice-presidente da República, Michel Temer, e o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, no Palácio do Planalto. Minutos depois, coube ao próprio Cardozo, visivelmente embaraçado, tentar explicar o fiasco: "A presidente da República falou em processo constituinte específico; ela não defendeu uma tese. Há várias maneiras de fazer um processo constituinte específico. Uma delas seria a convocação de uma Assembleia Constituinte, como muitos defendem. A outra forma seria, através de um plebiscito, colocar questões que balizassem o processo constituinte específico feito pelo Congresso. A presidente falou genericamente".

De acordo com Cardozo, que tenta encontrar uma "saída honrosa" para o recuo, a presidente agora prefere uma consulta popular direta, que não exija mudanças na Constituição, sobre mudanças no sistema político-eleitoral. As críticas à ideia original e a complexidade do tema levaram o Planalto a se alinhar com uma proposta mais simples, sugerida pela própria OAB. Às 14h55, o Planalto divulgou uma nota reiterando "a relevância de uma ampla consulta popular por meio de um plebiscito".

Desde que foi alardeada pela presidente, pegando de surpresa governadores e prefeitos que aguardavam o início de uma reunião em Brasília, a ideia da Constituinte foi bombardeada por juristas, políticos da base e da oposição, e, reservadamente, considerada inviável por integrantes do Supremo Tribunal Federal (STF). Pelo menos quatro magistrados do STF procuraram líderes do governo e da oposição para alertar sobre os riscos da proposta. Um dos ministros mais engajados enfatizou que o anúncio da chefe do Executivo era um “golpe contra a democracia”. Nesta terça, Dilma se reunirá com o presidente da Suprema Corte, Joaquim Barbosa, e do Congresso, senador Renan Calheiros (PMDB-AL).

A proposta de Dilma foi lançada no momento mais crítico do seu governo e é altamente contestada no aspecto técnico: a Constituição brasileira é explícita ao vetar a possibilidade de convocação de uma Constituinte com finalidade específica. A iniciativa esconde a incapacidade do PT, que administra o país há mais de uma década com a maior base parlamentar desde a redemocratização, de realizar uma reforma política às claras, pelo caminho do Legislativo – talvez, porque, aos petistas, os únicos interesses reais sejam o financiamento público de campanha e o voto em listas, que só beneficiariam à cúpula do partido no propósito de se perpetuar no poder. Também demonstra a inequívoca tentação bolivariana do PT de governar diretamente com o povo, passando por cima das instituições democráticas. Afinal, o plebiscito sempre foi visto com desconfiança pelo direito justamente porque os governos que lançaram mão desse recurso resultaram em gestões populistas e autoritárias – não por acaso, a Constituição Federal reservou essa competência ao Congresso Nacional de maneira exclusiva.

Reforma política
A receptividade do governo à proposta da OAB envolve o mérito das questões defendidas pela entidade, o que inclui o financiamento público de campanha. Como efeito colateral à adoção desse modelo de reforma, qualquer tema que envolva mudança constitucional - como a coincidência de mandatos ou a adoção do voto distrital para vereador e deputado - estaria descartada de antemão. O governo vê nisso um aspecto positivo, por acreditar que a simplificação do debate pode acelerar a implementação das mudanças.

O ministro da Justiça elogiou a proposta da OAB: "A nossa avaliação é que essa proposta está inteiramente adequada com as premissas que embasaram a intervenção da presidente da República ontem", disse Cardozo.

Um ponto é tratado como inegociável pelo governo: a realização da consulta popular. Mas, agora, em vez de decidir sobre a convocação de uma Constituinte, os eleitores apreciaram diretamente se aprovam os temas propostos na reforma política. "Achamos fundamental que a reforma política passe por um processo de ampla discussão na sociedade. o plebiscito tem um papel muito importante para que essa reforma ocorra", afirmou Cardozo.

OAB
Antes de Cardozo anunciar a mudança de postura, o presidente da OAB já havia afirmado à imprensa que a presidente desistira da Assembleia Constituinte. Marcus Vinícius Furtado disse ter alertado Dilma sobre os perigos da proposta:  "Faz parte da teoria do direito constitucional que qualquer constituinte pode dizer sobre o que ela vai regulamentar, e a convocação poderia significar graves riscos à democracia brasileira, às garantias do cidadão – inclusive às liberdades de expressão e manifestação. Levamos toda esta preocupação da sociedade civil brasileira à senhora presidente da República”, afirmou Furtado.

Fonte: Veja


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