Barbalha (CE): A sustentabilidade ambiental e cultural do Pau da Bandeira*

A forte representação histórico-antropológica das tradições agrárias, representadas por reisados, penitentes, quadrilhas, bumba meu boi, maneiro pau, dança do pau de fita, pau de sebo, bandas cabaçais, quadrilhas e outros grupos de brincantes, em sintonia com a religiosidade expressada na fé em Santo Antônio, evidenciou Barbalha, no Cariri cearense, como um município de forte potencial cultural no cenário das tradições culturais nordestinas. 

Lamentavelmente, o impulso cultural efetivado pelo poder público na gestão do então prefeito Fabriano Livônio Sampaio, na festa do Padroeiro da cidade, na década de 1970, não foi, ao longo das décadas seguintes, continuado. Essa potencialidade latente, recorrida apenas por ocasião da Festa do padroeiro, torna-se hoje objeto de profunda reflexão, relativa à sua sustentabilidade ambiental e cultural. Isso, por que se tornou visível a fragilidade das praticas culturais e o modelo engessado a que são submetidas por parte de sucessivas gestões pública municipal da cultura, que ignoram e desvalorizam o significado de suas tradições.

Trata-se de grupos de brincantes, na sua maior parte, integrantes de comunidades tradicionais rurais, que passam o ano inteiro no ostracismo, desassistidos em suas localidades de origem. Por sua importância cultural, poderiam ser integrados às políticas desenvolvimento regionais, a partir da promoção de um turismo cultural que objetivasse a qualidade de vida das comunidades tradicionais camponesas. A recorrência aos grupos de tradição agrária ocorre unicamente condicionada pela existência do "desfile dos grupos", na abertura da festa do padroeiro, ocasião, em que são compradas vestimentas novas, para eles desfilarem pelas ruas da cidade no intuito de impressionar os turistas e visitantes.

Originalidade
A falta de sensibilidade, derivada de uma análise histórico-antropológica, que inviabiliza intervenções políticas positivas, para otimizar a operacionalidade dos festejos, de modo a garantir a sua autonomia e espontaneidade. Ao contrário, instrumentos de controle exercidos pelo poder publico, no decorrer dos anos, comprometeram a originalidade das manifestações, na festa do Padroeiro de Barbalha. É o caso dos zabumbeiros, cada vês mais reduzidos e que têm suas tabocas silenciadas até o momento do "desfile" de abertura da festa. Com isto deixaram de ser parte integrante da harmonia sonora das alvoradas que sinalizava o amanhecer o domingo de abertura da Festa, ao som das bandas de musicas e pipocar dos fogos. Alias a alvoradas de abertura da Festa já faz parte do passado.

Também excluíram as bandas cabaçais, do ritual de carregamento do pau de Santo Antônio, quando no passado era a única forma de animação e de transferência de energia festiva para os carregadores em meio à mata. Estas, num processo de aculturação, com conveniência dos organizadores da festa, foram substituídas por som mecânicos de veículos motorizados que acompanham o ritual, com músicas na maioria das vezes descontextualizadas dos padrões culturais que caracteriza o ritual. Nesse contexto, já houve anos em que se chegou até colocar micaretas, com "mamães sacode", "abadás" e tudo quanto se tem direito nas festas baianas, para acompanhar o cortejo. Sem falar, que já chegaram a fardar os carregadores do pau da bandeira com as cores de partido político do poder vigente, por ocasião da festa.

Nesse parâmetro, evidencio como nocivo a manipulação eleitoreira do ritual do carregamento do pau da bandeira, refletida no transporte de políticos em cima do mastro, para ganharem visibilidade diante da multidão. Trata-se de uma inversão de valores culturais, considerando, que essa prática cultural, era historicamente restrita a capitães do pau e carregadores mais experientes, e que agora, numa postura de desrespeito a tradições se torna vulgarizada, exercida por a qualquer um, conforme o seus interesses de projeção. É lamentável que esse aspecto de insustentabilidade cultural da festa, que se repete a cada ano, tenha como protagonista, ex-prefeitos e inclusive secretário de Governo de Estado. Autoridades que deveriam zelar pela boa gestão das praticas culturais em sintonia com a originalidade das tradições. Sobretudo, tratando-se de uma Festa que está em processo de salvaguarda pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - IPHAN, do ministério da cultura.

E evidente também que numa perspectiva antropológica, a sustentabilidade ambiental da tradição do ritual de corte do Pau da Bandeira, não pode ser interpretada apenas do ponto de visto técnico, excluindo o campo da subjetividade e das representações, do seu universo simbólico. Nos últimos anos, a dimensão ambiental tem sido reivindicada como elemento norteador das discussões sobre a Festa, considerando que o ritual se operacionaliza a partir do corte de uma árvore próxima à encosta da Chapada do Araripe. Fotos de satélite se denunciam que um percentual considerável da cobertura vegetal das áreas das florestas subcaducifólia, onde ocorre corte do pau, já foram devastada, não pelos rituais dessa prática religiosa, e sim, outras formas de intervenção antrópica, derivadas de outras atividades.

Torna-se a promoção de uma discussão mais holística, despojada dos fatores eminentemente técnicos que orientam os discursos preservacionista, movido muitas vezes apenas pela emoção e interesses políticos, desprovidos de estudos técnicos sobre sustentabilidade dessa tradição.

Meio ambiente
A proposta criação uma reserva especifica para fornece árvores para o ritual, não deve ser considerada, como princípio de sustentabilidade da tradição, visto que, ignora a dimensão fenomenológica, desconsiderando "lugar" (Sítios que fornecem a arvores para o ritual), como espaço vivido, historicamente e antropologicamente integrado à dimensão espiritual dessa manifestação. A escolha de um local específico para a prática desse ritual, fora das localidades onde secularmente ele se operacionaliza, já sinalizada juridicamente compromete o caráter identitário da tradição. Nessa proposta ignora-se que as especificidades das condições geoambientais, tais como, geomorfologia, hidrogeologia, insolação e escoamento superficial das águas, são fatores que condicionam o desenvolvimento biológico das árvores, que são incorporadas ao ritual, e que estas condições são inerentes à área de encosta da Chapada do Araripe.

É possível, sim, compatibilizar a tradição, com o meio ambiente equilibrado! Basta, a sensibilidade para se investir em estudos técnicos, tais como, a elaboração um mapeamento botânico das espécies e optando por árvores em fim do seu ciclo para serem agregadas ao ritual. Considerando o tempo de crescimento para que as árvores se tornem adulta, ao ponto de serem incorporadas ao ritual, é urgente o reflorestamento na floresta subcaducifólia onde há anos ocorres o corte do mastro. A forma como hoje o poder publico tenta compensar a retirada das árvores de pau de bandeira é totalmente desprovido de acompanhamento técnico e ignora os fatores geoambientais favoráveis ao seu desenvolvimento biológico. É necessário que realmente seja eito e executado um georefenciamento das árvores, cujos corte, causem menor impacto ambiental, preservando as espécies localizadas em áreas mais expressivas da encosta, as que compõem matas ciliares e localizadas à montante e próximas das fontes e seus córregos.

Estes e outros indicativos, há muitos anos, já deveriam ter sido considerados pelos pelas autoridades, objetivando a sustentabilidade da tradição, considerado que a arvore que se plantada hoje, levará, no mínimo, 50 a 70 anos para se tornar adulta e passiva de ser utilizada no ritual. Nesse caso, significa dizer que nesse período de espera de crescimento, as árvores, já existentes continuarão a ser incorporadas ao ritual. Além do mais, no município, durante o ano existem mais de 30 festas de padroeiros, em localidades urbanas e rurais que se espelham nos mesmos padrões de insustentabilidade da festa, adotando o corte de árvores nativas para paus de bandeira. A cada ano, os sinais de insustentabilidade, denunciam a necessidade de criação de um Conselho democrático e consultivo, constituído de todos os segmentos sociais para operacionalizar os festejos do padroeiro de Barbalha. A responsabilidade pela da Festa, deve ser de todos, não apenas da Prefeitura e da Paróquia. Em nome de Luiz Gonzaga, é preciso que a festa seja sempre de Primeira!

*JOSIER FERREIRA DA SILVA é geógrafo e historiador da URCA
ESPECIAL PARA O CADERNO 3

Fonte: Diário do Nordeste



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