Barbalha (CE): Livro retrata festejos de Santo Antônio

Diferentemente das tradicionais festas religiosas dos santos padroeiros que acontecem no Brasil desde a época colonial, a de Santo Antônio de Barbalha, cujos primeiros registros remontam ao século XVIII, é voltada para o lúdico, tendo como principal momento o carregamento da árvore, que servirá de mastro para hastear a bandeira do Santo. "É uma festa totalmente diferenciada", explica Antônio de Luna, secretário de Cultura e Turismo de Barbalha, que não esconde a expectativa em ver o evento reconhecido como patrimônio imaterial do Ceará. "Até o próximo ano a festa estará tombada", projeta o secretário, destacando o papel da Superintendência do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan-CE) na condução do processo.

O livro "Sentidos de Devoção - Festa e carregamento em Barbalha", organizado pelos historiadores Ítala Bianca Silva e Igor de Menezes Soares, pesquisadores do órgão, sintetiza o inventário sobre os festejos de Santo Antônio de Barbalha. Com 238 páginas, a obra reúne fotografias atuais e das décadas de 1940 e 1960 retratando momentos históricos tanto da festa quanto da colonização da região. A obra é composta também de farta literatura sobre a festa, expressa em oito artigos escritos por pesquisadores de várias universidades do Estado.

De acordo com Ítala Bianca Silva, normalmente, o Instituto não nega registro a manifestações que seguem os critérios exigidos. Cita o reconhecimento dos grupos cultuais que participam e os vários anos de pesquisa. Os primeiros registros dos festejos de Santo Antônio de Barbalha datam do século XVIII. Enquanto que o carregamento da árvore é realizado desde 1928, na cidade de Barbalha, distante 560 Km de Fortaleza, localizada na região do Cariri, considerada um celeiro de manifestações culturais no Estado. A festa começa sempre no último domingo do mês de maio ou no dia primeiro de junho, estendendo-se até o dia 12, coincidindo com o fim das Trezenas em homenagem ao Santo. São rezadas nas igrejas que têm Santo Antônio como padroeiro, espalhadas pelos quatro cantos do Estado.

A historiadora ancora sua posição em defesa do reconhecimento da festa de Barbalha como patrimônio em farto material que forma um dossiê. São vídeos, fotos e artigos, totalizando mais de 50 bens vinculados à festa. Com os registros em jornais, o número chega a três mil. "Não há uma data definida para a reunião do Conselho Consultivo do Iphan", revela, informando que o dossiê constitui o principal objeto para ser avaliado. Afirma que será o primeiro bem imaterial a ser registrado no Ceará. "Temos o inventário", diz, sintetizado no livro, fruto de pesquisa dos bens culturais reconhecidos, como a Praça da Matriz, celebração das principais missas, procissões.

Antônio de Luna não esconde a expectativa de ver a festa de Santo de Antônio de Barbalha transformada no "primeiro bem imaterial do Ceará". Cita o lançamento do livro, um dossiê documentando a festa, além da inauguração da exposição museográfica "Pau de Santo, Festa de Fé" que reúne todo o acervo, como as roupas usadas pelas pessoas. O secretário informa que a exposição é permanente no espaço onde funciona a Secretaria de Cultura e Turismo de Barbalha. "Há muito tempo estamos pleiteando que a festa seja tombada como bem imaterial. Agora, esperamos que realmente aconteça", destaca. "A festa de Nosso Senhor do Bonfim, na Bahia, foi reconhecida".

Além do reconhecimento no âmbito cultural, o secretário chama a atenção para a possibilidade de atrair mais recursos. "É importante investir na cultura", reconhece. Destaca o trabalho dos historiadores do Iphan que organizaram o livro-documento, bem como a contribuição dos pesquisadores de várias universidades cearenses. "O livro vem preencher uma lacuna", diz, fazendo referência à literatura sobre a festa. Espera que festa ganhe maior dimensão, aumentando assim o fluxo turístico também.

Ritual
A árvore pode pesar até duas toneladas e medir entre 23 a 25 metros. Conforme a tradição, em 1928, o padre queria mostrar que a cidade estava em festa, daí ser importante o tamanho da árvore, sempre uma madeira de lei, como por exemplo, a aroeira ou pau d´arco. Diz que, hoje, o corte da árvore segue as normas técnicas, levando-se em consideração as regras de reflorestamento.

Outro ponto importante da festa, diz, "é o sentido de pertencimento do povo de Barbalha", destacando a fé que une os participantes, assim como o lado lúdico. Cita a cachaça do vigário, a festa da solteirona, ou, ainda, o ritual de sentar ou fazer um chá com a casa da árvore que serve de mastro à bandeira de Santo Antônio. "É um exemplo também de coragem", revela. O livro-documento "Sentidos de devoção - festa e carregamento em Barbalha" sintetiza um momento vivido pela população do Interior cearense.

Assim como em outras partes do Brasil, desde os tempos coloniais, as festas religiosas, sobretudo, as de padroeiros, serviam como pretexto pra a pessoas saírem as ruas, sobretudo, num tempo em que os conceitos "casa" e "rua" eram bem delimitados, em especial para as mulheres. Esses momentos eram importantes para a socialização, olhares furtivos e até namoros.

No Ceará, não era diferente. As festas dos santos podiam significar uma certa liberdade que os pais davam às filhas. A praça e a igreja ficavam lotadas. Foi nesse contexto que se desenvolveu a Festa de Barbalha.

"A Festa de Santo Antônio é uma referência cultural do barbalhense e independente do reconhecimento de um órgão público, como é o Iphan, junho é e permanecerá sendo um tempo de celebrar Santo Antônio em Barbalha e em inúmeras cidades brasileiras em seus folguedos juninos - que assumem formas e sentidos diversos - até que os grupos sociais que as agenciam considerem-nas pertinentes", definem os organizadores da obra.

O livro apresenta algumas reflexões sobre a festa de Barbalha enveredando por diversas áreas do conhecimento como história, geografia, antropologia, pedagogia, cinema e turismo. "A seleção de autores e imagens foi fruto das pesquisas desenvolvidas no âmbito do Inventário Nacional de Referências Culturais (INRC) da celebração".

No livro, vários pesquisadores analisam a festa que tem como protagonista Santo Antônio, mas conta com diversos atores anônimos na construção de uma cena que enche os olhos e a imaginação de quem participa. Os participantes não estão ali para pagar promessas, mas para se divertir, celebrar. As mulheres solteiras constituem importantes atores que, muitas vezes, saem do anonimato.

Mas o livro não se detém apenas aos detalhes da festa. Passa pela história da colonização do Cariri, a luta dos índios, e também a presença negra na região. No texto "Festa de Santo Antônio de Barbalha: patrimônio de fé, devoção e carnavalização", assinado pelos pesquisadores Jucieldo Ferreira Alexandre, Océlio Teixeira de Souza e Sandra Nancy Ramos Freire Bezerra, os autores mesclam dados históricos e antropológicos sem deixar de lado a arte. Começam com o trecho de uma música dos compositores caririenses Alcimar Monteiro e João Paulo Júnior, imortalizada na voz de Luiz Gonzaga. Explicam que "a Festa do Pau da Bandeira de Santo Antônio de Barbalha marca a abertura dos festejos em homenagem a Santo Antônio de Pádua, padroeiro de Barbalha". A cidade fica localizada na região do Cariri, sul do Ceará. Conta que a devoção ao santo no Brasil remonta ao período colonial.

"Segundo a pesquisa de Océlio Teixeira, nos anos quarenta e cinquenta do século passado, o Cortejo do Pau passou por um processo que chamou de carnavalização, o que fez a prática votiva do Pau da Bandeira de Santo Antônio tornar-se uma festa ainda mais popular, por suas condições materiais e pelas suas experiências religiosas cotidianas, num processo de inter-relações sociais e culturais".

Quando termina o carregamento da árvore, começam as Trezenas de Santo Antônio, celebração de culto católico realizada nas cidades, paróquias e capelas, que têm o referido santo como padroeiro. A trezena começa no dia 31 de maio e termina no dia 12 de junho, véspera do dia do Santo, que é considerado popularmente como casamenteiro. Daí, as brincadeiras realizadas com as mulheres solteiras que querem pegar na árvore, tirar lasca da madeira para fazer chá ou fazer as famosas adivinhações.

IRACEMA SALES
REPÓRTER 

Fonte: Diário do Nordeste



AddThis