Barbalha (CE): As solteiras devotas de Antônio, o santo casamenteiro

Aos pés da santa cruz da Igreja Matriz de Barbalha, quando o Pau da Bandeira de Santo Antônio é largado no chão por seus carregadores, para um breve descanso, moças solteiras e balzaquianas assombradas pelo caritó correm para tocar no pau, tirar uma lasquinha, sentar no pau. Risos e trocadilhos são inevitáveis, mas para muitas, esta é uma chance real de arrumar um marido.

"Já comprei a casca, já tomei o chá e amanhã vamos pegar no Pau", aposta Mazé Luna, cratense de 33 anos, durante a realização da "Noite das Solteironas", quermesse temática que acontece na véspera do cortejo. Juntamente com uma irmã, Mazé, diz estar apelando pela primeira vez à fama casamenteira de Santo Antônio. De cinco irmãs, conta, três casaram e destas, duas, só após sentar no Pau da Bandeira. "Nós duas ainda não pegamos, mas dizem que quem senta casa", garante, enquanto bebe um copinho do chá da casca do jatobá escolhido para mastro da bandeira.

A fama casamenteira de Santo Antônio é antiga, sem origem muito precisa, mas cultuada há décadas. Em Lisboa, são realizados nesta mesma época casamentos coletivos das "noivas de Santo Antônio". Lá, o santo é considerado protetor dos marinheiros, dos pobres, dos leiteiros, das jovens casadoiras e curador de infertilidade.

Casamenteira
Em Barbalha, a advogada e bacharel em letras Socorro Luna é a "Solteirona", título reconhecido por todos na cidade, é procurada durante o ano inteiro para assuntos ligados ao matrimônio.

Foi ela quem iniciou a noite temática, há 12 anos, e protagoniza a venda de kits casamenteiros, que incluem as gotas milagrosas de Santo Antônio, pedaços da casca do pau, embalados juntos à oração do santo e uma pequena imagem; o terço contra solteirice, feito da semente e da casca da árvore escolhida no ano; e o chá casamenteiro, contendo os ingredientes "cloridrato de milagre", "cloridrato de fé" e "oração antonina", dispostos em 100, 200 e 100 miligramas, respectivamente.

"Eu vou para o corte do Pau, os carregadores tiram toda a casca e me entregam. Eu não tenho como medir a quantidade de chá que faço durante o ano, mas é consumido até demais. E não é só no Nordeste não. É do Oiapoque ao Chuí", garante a Solteirona. Os relatos das intervenções casamenteiras de Santo Antônio e dos poderes depositados no Pau da Bandeira, deixa claro, são antigos na região, anteriores às suas criações.

"Pessoas que já tem neto vem dizer que casaram porque pegaram no Pau", reforça. A fama casamenteira, no entanto, começou a crescer na Cidade ao passo que as simpatias foram incorporadas a programação oficial da festa, com a realização da quermesse, e após participações de Socorro em programas televisivos transmitidos em rede nacional.

"Quando apareci na televisão, veio homem de vários estados atrás de casar comigo. Na época, um rapaz de São Paulo se apaixonou por mim e perguntou o que eu gostava de fazer nas horas de lazer. Eu disse que gosto de ler. Ele me mandou por sedex mais de 1200 livros, todos devidamente dedicados e veio para casar. Mas ele era muito ciumento, eu disse êpa, êpa, êpa", narra, sobre a hilária tentativa de desposá-la.

Catolicismo
A relação das crendices populares com o lado religioso, segundo ela, é bastante natural. As simpatias são encaradas como brincadeiras que tem como pano de fundo a fé. Católica e sempre próxima das atividades da Igreja, ela lembra que a "Noite das Solteironas" nasceu quando, ao ser convidada ser responsável pela quermesse, teve a ideia de vender simpatias para arrecadar dinheiro para doar à instituição.

"O padre não vê problema. Eu costumo dizer que eu não sou bruxa, não tenho bruxaria. Tudo começou de uma brincadeira. Uma brincadeira que deu certo. E funciona porque o povo casa", constata. A fé na casquinha do pau, argumenta, deixa a pessoa suscetível a realizar aquilo que acredita. E a ação da fé, reforça, não escolhe nem mesmo sexo. Casamentos homoafetivos também são realizados com intervenção de Santo Antônio, garante. "As minhas simpatias funcionam pra qualquer um, até porque você tá procurando sua alma gêmea. E alma não tem sexo", diz.

Com 59 anos, solteira, mas muito namoradeira, como ela faz questão de deixar claro, Socorro Luna se diz uma mulher realizada, sem queixas a Santo Antônio. Ao longo dos anos à frente da barraca de simpatias de casamento, orgulha-se, tanto quanto sua fama de solteirona, aumentou a quantidade de pretendentes a casar-se com ela. "Namorei com todos que chegavam. Às vezes era mandando um embora, porque tava chegando outro", brinca.

Tentativas
Além dos muitos casamentos que ajudou a realizar, suas histórias pessoais extrapolam os limites do imaginável. Muito bem humorada, ela se diz escolhida por Santo Antônio para não casar e realizar - junto a solteironas como dona Luzir Souza, que a acompanha na feitura do chá - o trabalho casamenteiro. Mas, entre um chá e outro, sempre vem um querendo mudar essa sina.

"Uma vez chegou um de Goiás, gago, esse foi hilário. Ele ficou num hotel aqui, chorava, só ia embora se eu desse a medida do dedo, pra mandar fazer a aliança", lembra. Em outra ocasião, conta, uma mulher, também de Goiás, ligou propondo o casório.

"Ela se dizia muito rica, que podia realizar todos os meus sonhos. Eu respondi, ´minha amiga, pelo amor de Deus, eu respeito sua opção sexual, mas olha o tamanho do pau que eu pego´", ri. Sempre que a fama da Solteirona sai na imprensa, novas pedidos aparecem.

E para quem pensa que a Solteirona ganha a vida fazendo fé para casamentos, ela deixa claro, o dinheiro arrecadado é integralmente repassado à igreja. Sua profissão e ganha pão é outra, como advogada atuante na área da família. "As vezes as pessoas questionam, ´e aí, você casa de descasa?´, eu digo, ´estou garantindo o futuro´, brinca.

Fonte: Diário do Nordeste



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