Tem rapariga aí? Um artigo sobre a estética das músicas do tal “forró de plástico”

Nos últimos dias, um texto do jornalista José Telles (A música dos valores perdidos) publicado em 2008 voltou a circular pelo universo das mídias sociais erroneamente creditado ao mestre Ariano Suassuna. Nele, Telles manifesta seu assombro com o conteúdo sexista/pornográfico de parte expressiva das canções do chamado “forró eletrônico”, cujos títulos são verdadeiras pérolas de truculência (pouparei aqui o leitor da relação alinhavada por ele; a íntegra do texto pode ser conferida em http://bit.ly/PQNJLQ). E cita o caso de um show numa cidade do agreste pernambucano em que um cantor, ao início da apresentação, saudou a plateia com um entusiasmado “tem rapariga aí?”; no que foi ovacionado pelo público, formado majoritariamente por moças.

“Quando o vocalista, em plena praça pública, com presença de autoridades (e suas respectivas patroas) pergunta se tem ‘rapariga na plateia’, alguma coisa está fora de ordem. Quando canta uma canção que tem como tema a transa de uma moça com dois rapazes (ao mesmo tempo) e o refrão é ‘E toma cano de ferro!’, alguma coisa está muito doente”, alarma-se Telles, que faz um paralelo entre esse imaginário e o turbofolk, subgênero musical que foi a trilha sonora do esfacelamento (político e moral) da Iugoslávia nas guerras étnicas produzidas pelo regime de Milosevic. Com suas facilidades estéticas e apelos sexistas, o turbofolk pegou em cheio “uma juventude que perdeu a crença nos políticos e nos valores morais de uma sociedade dominada pela máfia”. E crava: “Uma juventude cuja cabeça é feita por tal tipo de música é a que vai tomar as rédeas do poder daqui a alguns anos.

Sem falso moralismo nem essencialismos, o que vemos hoje a embalar o tal forró eletrônico é lamentável. E, através do texto de Telles, me faz lembrar de Jacques Ranciére: “Temos de pensar na estética em sentido largo, como modos de percepção e sensibilidade, a maneira pela qual os indivíduos e grupos constroem o mundo”. Ao relativismo cínico à moda Regina Casé, prefiro parodiar Caetano: se essa juventude for, em política, o que é em estética, estamos perdidos!

Felipe Araújo
Editor-chefe do Núcleo de Cultura e Entretenimento do O POVO



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