Juazeiro do Norte perde dois ícones da história do município

A história deste município perde dois grandes nomes, durante o último fim de semana. Com 78 anos, morreu a irmã Therezinha Stella Guimarães, doutora em Psicologia da Religião e membro da Pastoral da Romaria, e dona Maria Assunção Gonçalves, educadora e artista plástica, contemporânea do Padre Cícero e uma de suas últimas afilhadas ainda vivas, uma das responsáveis por reacender o legado histórico do sacerdote. Ela estava prestes a completar, em 1º de junho, 97 anos. A cidade ficou de luto para se despedir de duas mulheres que deixaram uma relevante contribuição relacionada à religiosidade, resgate histórico, educação e evangelização, junto aos romeiros que chegam à cidade.

As mudanças rápidas do município, nos últimos anos, não era algo que agradava Assunção, a mulher que conseguiu resgatar, por meio de sua arte, os primeiros momentos em que se desenhava a história. Uma capela e três árvores de juazeiro, características principais da pequena Tabuleiro Grande.

Ela obteve de moradores mais antigos e sua família o testemunho de como era a pequena vila, em seu princípio. E foi traçando o que hoje desconhecia como a grande cidade. Em sua casa, ela preservava muito de um passado, que se foi junto com tantos nomes que puderam testemunhar o crescimento do que era previsto, em relação ao Juazeiro, pelo Padre Cícero.

Dona Assunção era uma devota da Mãe das Dores e conviveu com o Padre Cícero Romão Batista. Nos últimos anos, não gostava mais de dar entrevistas para falar da história local. A memória não ajudava, e tanto esforço a deixava aflita. Tinha na vaga lembrança momentos da história de uma cidade que iniciava o seu povoamento.

Memória
A memória dos antepassados estava sempre a povoar a mente de mais de nove décadas e que renderam homenagens e reconhecimentos, pela sua contribuição, principalmente no setor educacional. A pequena vila que nasce sob as orações de Nossa Senhora das Dores se torna um dos maiores centros de religiosidade do País. A imagem da santa que veio de Portugal é mantida na casa paroquial. Mas, dona Assunção guardava a foto da imagem barroca, estilo bizantino, com carinho. Foram 10 anos de convivência com o Padre Cícero.

A única remanescente foi testemunha do trabalho do sacerdote, também devoto da santa. Padre Cícero contribuiu para disseminar a devoção à Nossa Senhora das Dores, por todo o Nordeste brasileiro.

Dona Assunção foi desenganada ao nascer. Todos pensavam que não iria escapar. O batismo foi feito pelo Padre Cícero. Ela considerava o sacerdote um visionário. Previa os lugares de cada coisa. Da pequena viela o padre já falava numa cidade sem tamanho, que iria crescer de uma forma inimaginável. Uma das coisas que o "Padim" falou era de que numa das áreas da cidade existiriam vários cemitérios. "Isso hoje é uma realidade", dizia a educadora. Em um dos bairros distantes de Juazeiro existem quatro deles, além do cemitério do Socorro, vizinho à capela onde estão depositados os restos mortais do sacerdote.

Eram as lembranças dos últimos anos, perdidas no pensamento. Dona Assunção fazia um esforço, mas se alegrava sempre em poder vivenciar a confirmação do que o Padre Cícero falava. Houve momento de uma dedicação maior pelos registros em suas telas da história de Juazeiro. Dos homens simples, dos romeiros. Para produzir os quadros que faziam referência ao passado, sempre recorria à memória de sua mãe e da avó. Mas, os mínimos detalhes vinham na ponta dos pincéis. Desde bancos de frente à casa alpendrada do brigadeiro Leandro Bezerra Monteiro aos momentos de alegria dos moradores, vivenciadas na localidade.

Responsável
E foi o brigadeiro, o responsável pela aquisição da imagem de Nossa Senhora das Dores, em Lisboa, Portugal. Padre Cícero ao chegar em Juazeiro do Norte, em 1877, já encontrou a capela com a imagem. A atual igreja teve sua pedra fundamental lançada em 15 de setembro de 1925. Daí nasceu a devoção.

A capela foi feita com a finalidade do neto do brigadeiro, padre Pedro Ribeiro Gonçalves Bezerra de Menezes, celebrar missas na vila.

Nos momentos de maior aflição, dona Assunção buscava na Mãe das Dores o refúgio. Descente do brigadeiro, tem no sangue a devoção de família. Sempre lembrava da dedicação do monsenhor Murilo de Sá Barreto, momento em que houve um crescimento da igreja, com a Basílica. Ele dedicou 48 anos ao trabalho missionário em Juazeiro, à frente da Matriz.

Numa das ocasiões em que dona Assunção estava na igreja, no ano de 1965, ouviu um sonoro "viva o Padre Cícero", do padre Murilo. Chegou a ficar aflita, achando que ele seria expulso da igreja por aquela atitude se o bispo tomasse conhecimento. Ao conversar, ele afirmou que não faria aquilo sem antes avisar ao bispo. Foram gritos de resistência dentro da própria igreja. Atitudes que se manifestam hoje na expansão da fé romeira. Testemunhados por uma das mulheres que marca a história da cidade, deixando a única imagem que remete ao início da formação da terra do Padre Cícero.

Famílias
Para o escritor e jornalista, Daniel Walker, com a morte da artista plástica, o Juazeiro tradicional, aquele do Padre Cícero, de monsenhor Murilo de Sá Barreto, dos romeiros, da Escola Normal, do Ginásio Municipal Dr. Antônio Xavier de Oliveira e das famílias tradicionais que a conheciam e a respeitavam está de luto, pelo nível de importância da educadora e artista. "Assunção conviveu com o Padre Cícero em sua fase de adolescente e dele guardou muitas recordações", disse. Para ele, Assunção será lembrada por conta da sua extensa biografia, como educadora, artista plástica, mestre na arte de confeitos de bolo e ornamentação de noivas.

Também houve o dia em que a mulher que perfumou o Padre Cícero saiu às ruas, para jogar a água de colônia em sua nova batina. Foi no dia da inauguração da imagem do Padre Cícero, na praça que leva o nome do "Padim" Cícero, pelo próprio. Para ela, era a mais perfeita de todas e a que realmente parecia com o sacerdote.

Lembranças
10 dos 97 anos de vida de dona Assunção foram passados ao lado do Padre Cícero. A artista plástica e educadora ainda guardava lembranças felizes do sacerdote.

Irmã Ana exerceu vocação religiosa

A prima do Frei Galvão, o primeiro santo brasileiro, morou por mais de quase quatro décadas na terra do Padre Cícero, onde desenvolveu um trabalho voltado para a pastoral das romarias e junto ao projeto ´O Semeador´, com a irmã Annette Dumoulin. Esteve acompanhando nesses últimos anos, a dinâmica da religiosidade numa terra que adotou como sua casa, até morrer. Irmã Therezinha Stella Guimarães, durante a comemoração do centenário da cidade de Juazeiro do Norte, em 2011, lançou o livro "Padre Cícero e a Nação Romeira", fruto de uma pesquisa para o seu doutoramento, na Universidade de Louvain, na Bélgica.

Irmã Ana Teresa chegou ao Juazeiro do Norte na década de 1970, como missionária católica e observadora religiosa e acabou morando por 40 anos

A pesquisa, que retratava um estudo psicológico da função de um ´santo´ no catolicismo popular, como diz o subtema do trabalho, foi apresentado em 1983. Ela fez a apresentação de trabalhos importantes, lançados durante o centenário da cidade. De acordo com o pesquisador, Daniel Walker, ela foi diretora da congregação Cônegas de Santo Agostinho, em Juazeiro do Norte. "Irmã Ana Teresa ou ainda Irmã Teresinha, como era conhecida por todos, tem uma larga folha de bons serviços prestados a esta cidade, como religiosa e como pesquisadora da vida do Padre Cícero e estudiosa das romarias, sobre quem publicou vários trabalhos", afirma.

Ela esteve integrando a comissão, que foi a Roma, em 2006, entregar o pedido de reabilitação do Padre Cícero. O trabalho de pesquisa que desenvolveu, conforme o jornalista, teve uma larga repercussão junto aos meios acadêmicos.

Chegou ao Juazeiro do Norte, lembra ele, na década de 1970, como observadora anônima, juntamente com sua colega de congregação, irmã Annette Dumoulin, para conhecer o fenômeno religioso envolvendo Padre Cícero e as romarias.

"Ficou tão fascinada com o que viu que decidiu, juntamente com a irmã Annette, morar na cidade". Nesse período, foi fundada a Congregação das Cônegas de Santo Agostinho.

De acordo com Walker, elas receberam do então padre Murilo, vigário da Matriz de Nossa Senhora das Dores, todo o apoio necessário para o desenvolvimento das atividades religiosas, sendo imediatamente engajada na pastoral das romarias.

ELIZÂNGELA SANTOS
REPÓRTER 

Fonte: Diário do Nordeste



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