O legado de Tim Maia 15 anos após sua morte

"Já sei, porque ele é preto, gordo e cafajeste!" Foi assim que Tim Maia respondeu ao produtor musical e grande amigo Nelson Motta, quando este lhe deu a notícia de que sua filha queria batizar seu gatinho de estimação de "Tim". Contrariando a profecia Maia, Nelson relata na biografia "Vale tudo - O som e a fúria de Tim Maia" que o animalzinho era "cinzento, magrinho e carinhoso", trazendo só amor e alegrias, algo que o "síndico" continua proporcionando a quem o ouve, mesmo 15 anos após sua morte em decorrência de um infarto.

Dono de uma das vozes mais emblemáticas da música brasileira, Sebastião Rodrigues Maia entregou muitas marmitas na Tijuca, muito antes de se tornar Tim e ficar famoso também pelos gritos de "Mais grave! Mais agudo! Olha o retorno!" em seus shows - quando comparecia. Apesar do comportamento controverso, "Tião Marmiteiro" é tido como pai do soul em terras brazucas e conheceu o ritmo em uma viagem aos Estados Unidos, de onde voltou deportado quatro anos depois de ser preso por porte de drogas e roubo.

"Ele foi o cara que melhor sintetizou o soul e a black music americana na música brasileira, porque conseguiu adaptar a sonoridade das palavras em português a esses ritmos", conta Beto Grizendi, guitarrista da banda juiz-forana Silva Soul, que relembra o músico com o show "Tim Racional" de tempos em tempos, privilegiando o repertório dos dois volumes do álbum homônimo.

Para muitos, "Tim Maia Racional" 1 e 2 estão entre os melhores discos da música nacional e atualmente são raridades, já que o músico mandou recolhê-los do mercado após se decepcionar com a Cultura Racional, doutrina religiosa e filosófica que inspirou as composições do período. Na época da gravação, o cantor havia se afastado das drogas e do álcool, vícios que contribuíam muito para seu comportamento explosivo e polêmico. "O fato de ele estar 'limpo' reflete muito em sua voz, e acredito que estivesse também mais concentrado no trabalho. A sonoridade dele, um músico dinâmico que dominava diversos instrumentos, é particularmente boa neste período", opina o músico juiz-forano Tiago Calderano, que integrou a banda do musical "Vale tudo", baseado no livro de Nelson Motta e sucesso absoluto de bilheteria.

Quem não tem lembranças muito boas da fase racional é o filho do síndico, Léo Maia. "Eu era muito pequeno, e ele jogou fora todos os meus brinquedos, porque os racionais diziam que eram coisa do diabo. Mas em troca ganhei uma guitarrinha e desde então nunca mais me separei das guitarras", conta o também músico, que, apesar de não ser filho biológico do cantor, herdou dele as aptidões artísticas e o acompanhou em muitos shows com a banda Vitória Régia e "nas farras da vida". "Ele me ensinou a tocar violão, compor, a ter musicalidade e muito mais que isso. Devo a ele o músico, o homem e o pai que sou hoje em dia."

Se em uma de suas letras, Tim conta que precisou subir "lá no alto" para ver a verdadeira luz da humanidade, seus versos, sejam os românticos ou os mais dançantes, continuam iluminando diferentes gerações que ficaram por aqui. "Foi um músico que percorreu várias épocas e soube se adaptar a todas elas com maestria. Por isso, vai ter sempre alguém cantando suas músicas, passando o legado adiante", conta Serjão Silveira, referência juiz-forana na interpretação de grandes hits como "Azul da cor do mar", "Primavera", "Gostava tanto de você", entre outras.

Impressionando multidões pela semelhança física com o cantor, o performer Charles Maia, que chegou a interpretá-lo no especial "Por toda a minha vida", da Globo, sente-se orgulhoso por poder matar as saudades do ídolo de tanta gente. "As pessoas ficam muito emocionadas e eu fico muito honrado de poder levar um pouco do Tim para elas. Ninguém cantou com tanto sentimento como ele, e eu tento passar um pouco disso."

Tanto arroubo em suas interpretações deve-se a uma das características mais marcantes de Tim: o excesso, em todos os aspectos possíveis, algo que, ao longo de sua vida e carreira, tanto encantou quanto causou polêmicas. "Tudo com ele era 'muito". Meu pai bebia demais, comia demais, irritava-se demais e foi, várias vezes, louco demais. Mas também era carinhoso demais, talentoso demais, profissional demais e amou demais. Esse amor tão grande é algo que carrego comigo e transborda em tantas músicas. Experimente ouvir 'Primavera' ou 'Azul da cor do mar' depois de uma desilusão. É fatal!", alerta Léo Maia, que diz não se importar em dividir o pai-ídolo de todo filho - com todo o país e boa parte do mundo. "É uma forma de dividir também as saudades."

Assista na íntegra o programa Por Toda Minha Vida, exibido pela Rede Globo em 2007:


Fonte: Tribuna de Minas


AddThis