Produtores apontam seis mil mortes em rebanhos por causa da seca

"Ó Deus, cadê a chuva que não chega? O gado está morrendo e não temos mais condição de dar ração a todos os animais". O clamor do criador, Aldeci Alves Vieira, 77 anos, da localidade de Riacho Vermelho, na zona rural deste município, na região Centro-Sul, é um lamento diário de milhares de produtores rurais, ante o temor de um segundo ano de estiagem no sertão do Ceará. Nas áreas de criação e nas margens das rodovias, as carcaças de bovinos mortos denunciam a gravidade da seca que atinge o nosso Estado desde o ano passado.

O desespero toma conta dos criadores, tanto da agricultura familiar, quanto dos pequenos, médios e grandes produtores. Os estoques de ração estão acabando. O milho vendido pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) é insuficiente para atender até mesmo 30% da demanda. As reservas de água também estão se esgotando.

Somente na região de Brejo Santo, no Sul do Ceará, já morreram cerca de seis mil animais, em oito municípios, segundo estimativa do escritório regional da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (Ematerce). O gerente regional do órgão, José Dias Ferreira, estima que esse número irá triplicar, caso a chuva não chegue logo. "Os animais estão morrendo, não temos mais o que fazer, sem condição de comprar ração e a situação está piorando a cada dia", disse o criador, José Vicente Lima.

Para o presidente da Federação da Agricultura do Estado do Ceará (Faec), Flávio Sabóia, a realidade é de desespero e tende a se agravar, caso ocorra uma nova seca. "Os clamores vindos do Interior chegam a nós todos os dias", disse. "Estamos vivendo um momento de expectativa", acrescenta.

De um total de cem bovinos, o criador Aldeci Vieira já perdeu 26 animais, entre vacas e bois, de sua propriedade. "Os mais fracos estão morrendo de fome", disse. "A gente vai dividindo a ração, dando a uns e outros não, mas agora acabou o estoque, e não tenho mais condição de comprar, e o pior é ver os bichos morrerem", destaca.

De um médio produtor, em Jucás, com plantel de 500 bovinos, já morreram 100 animais. Sobre a estimativa de mortandade de gado no Ceará, o vice-presidente da Faec, Paulo Hélder, esclareceu que a Federação trabalha com dados divulgados pela Agência de Defesa Agropecuária (Adagri) que é de 2% para morte e de 1% para transferência para outros Estados. Esses índices divergem dos relatos apresentados pelos criadores.

Clima
O mês de janeiro terminou e praticamente não choveu na maior parte do sertão. As precipitações localizadas não foram suficientes para a formação de pastagem. As previsões meteo-rológicas do Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos (CPTEC) e do Instituo Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) é de que as chuvas permaneçam abaixo da média neste mês de fevereiro e também em março e abril próximo. De acordo com dados parciais da Funceme, no mês de janeiro passado, choveu em média, no Ceará, 48mm, um desvio negativo de 46% da média histórica para o período, que é de 91mm.

Na localidade de Riacho Vermelho, em Iguatu, a última chuva registrada foi de 34 mm, em março de 2012. "O quadro atual é de má distribuição espacial das chuvas", observou a meteorologista da Funceme, Cláudia Rickes. Ou seja, as precipitações são localizadas dentro de um mesmo município, deixando áreas sem nenhum registro pluviométrico.

"De agora pra frente, a situação vai piorar porque os criadores não têm mais como alimentar os bovinos", disse o secretário de Políticas Agrícolas da Federação dos Trabalhadores Rurais (Fetraece), Luís Carlos de Lima. "A situação é grave".

Lima ainda observou que as ações do governo para enfrentamento do quadro de estiagem são importantes, mas considerou insuficientes para atender aos produtores rurais.

Os grandes criadores já venderam e fizeram transferência de boa parte do rebanho para outros Estados. Agora, o gado magro não serve para ser comercializado para o abate. "O governo precisa tirar os projetos do papel e ampliar as ações para evitar a morte do gado", disse o produtor, Erivaldo Freitas. "O atraso na liberação de financiamento dito de emergência para a seca pelo BNB está prejudicando muitos produtores".

Freitas é um exemplo, dentre tantos outros no Ceará. Em julho, apresentou projeto de financiamento no valor de R$ 12 mil para compra de sistema de irrigação. O objetivo era implantar uma área de capim irrigado. "Somente agora foi aprovado, mas a empresa credenciada pelo banco ainda não fez a entrega dos equipamentos", lamentou.

A Faec e a Fetraece apresentaram, anteontem, durante reunião extraordinária do Comitê Integrado de Combate à Estiagem, novas propostas de ações a serem implantadas com urgência no Ceará. Há a sugestão de reestruturação da Defesa Civil em âmbito regional, perfuração de poços, cultivo de capim em áreas úmidas e ociosas de Perímetros Irrigados e vales férteis, num sistema de parceria público e privado para produção de forragem para o gado, assim como ampliação do abastecimento de água por carro-pipa e ampliação de parcelas do Garantia Safra.

A súplica dos criadores em forma de prece também é feita pelo presidente da Faec. "Peço a Deus que essa previsão de uma nova estiagem não se configure, porque vamos assistir a um verdadeiro clamor. A pecuária não vai resistir a dois anos de seca".

HONÓRIO BARBOSA
REPÓRTER

Fonte: Diário do Nordeste



AddThis