Ex-funcionários da Prefeitura e militantes recebem casas

O sonho de conseguir uma casa ou apartamento pelo programa Minha Casa Minha Vida (MCMV) do governo federal parece uma conquista impossível para as 90 mil famílias de baixa renda inscritas na Capital, desde 2009. Passados quase quatro anos, a prefeitura de Fortaleza, que faz o intermédio do programa federal para estas pessoas, conseguiu realizar o sonho de pouco mais de 820 famílias.

Se não bastasse a demora para os inscritos que ganham entre um e três salários mínimos e a procura por apartamentos maiores do que a oferta, a redação web do Diário do Nordeste, recebeu a denúncia de que ex-funcionários ligados à prefeitura de Fortaleza, na gestão passada, e militantes partidários foram beneficiados com pelo menos 21 apartamentos, do total de 80, no Condomínio São Bernardo, entregue pela Fundação de Desenvolvimento Habitacional de Fortaleza ( Habitafor), em 2012, no bairro Serrinha.

A reportagem conseguiu a relação com os nomes das 80 famílias que adquiriram seus apartamentos no programa MCMV, da Habitafor, e o levantamento apontou que 21 pessoas beneficiadas apresentaram relação com a prefeitura de Fortaleza, entre 2009 e 2013, e com grupos partidários da Capital. Entre os moradores beneficiadas, estão funcionários da própria Habitafor, uma secretária do vereador Ronivaldo Maia (PT), outros servidores da administração municipal, além de militantes, divididos em diferentes alas.

Para se conseguir uma casa junto ao programa habitacional, é necessário estar inscrito no Cadastro Único para Programas Sociais (CadÚnico). Aquelas famílias que têm renda superior a meio salário mínimo poderão ser incluídas no CadÚnico, desde que sua inclusão esteja vinculada à seleção ou ao acompanhamento de programas sociais implementados pela União, estados ou municípios. Em Fortaleza, essa avaliação é feita pela Habitador e serviços de assistência social.

Uma das moradoras e síndica do Condomínio São Bernardo, no bairro Serrinha, Izabel Cristina Taboza, trabalhava na Habitafor na época da entrega dos apartamentos e foi uma das beneficiadas com a unidade habitacional. Na lista, ela aparece como proprietária do imóvel 202, no bloco J.

Outra beneficiada é Lanna Kelly de Paula, ex-funcionária da prefeitura de Fortaleza e ex-secretária do vereador Ronivaldo Maia (PT), de acordo com a própria assessoria do vereador. Em seu perfil, na rede social Facebook, Lanna aparece ao lado de Ronivaldo em uma comemoração no seu novo imóvel. Ela é proprietária do apartamento 202 no bloco D. Uma outra pessoa agraciada com um apartamento é Glaucia Teixeira de Sousa, filiada ao PT e que, no seu perfil na rede social Facebook, aparece como irmã de Izabel Taboza.

O privilégio de poder ultrapassar as mais de 100 mil famílias inscritas e conseguir o sonho de ter a casa própria não é regalia apenas de funcionários ou ex-funcionários da Prefeitura. Pessoas filiadas ao Partido dos Trabalhadores (PT) - de acordo com dados do Tribunal Regional Eleitoral (TRE-CE) - também foram agraciados com a moradia. Das 80 famílias que receberam o apartamento, 18 são filiadas ao PT.

Caso configura favorecimento, diz advogado
Para, Marcos Monteiro, advogado atuante em direito penal, casos como esses se baseiam em uma relação de tráfico de influência, que é definido como uma prática ilegal de uma pessoa em aproveitar da sua posição privilegiada dentro de uma empresa ou entidade para obter favores ou benefícios para terceiros, geralmente em troca de favores ou pagamentos.

O advogado destaca que, caso haja participação de um funcionário público, outros crimes passam a ser caracterizados como, por exemplo, corrupção ativa e passiva. "Ações como essas, caso comprovadas, além de caracterizar o tráfico de influência, ferem o artigo 37 da Constituição Federal, que desobedece os princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade da administração pública", enfatiza Monteiro.

A reportagem do Diário do Nordeste esteve no condomínio São Bernardo na tentativa de ouvir as pessoas citadas na matéria e foi recebida pelo porteiro que avisou sobre a proibição da entrada de pessoas sem autorização da síndica, Izabel Taboza, ex-funcionária terceirizada da Habitafor e que não se encontrava no local.

Aguardando a realização do sonho
Esperando uma casa a quase dois anos, o deficiente físico Jeová Aquino aguarda em seu lar, cujo aluguel ultrapassa os R$ 245,00, um telefonema da Habitafor prometido desde o final de 2010. " Sou deficiente físico e recebo um amparo do INSS, com esse dinheiro tiro boa parte dele para pagar o aluguel da minha casa. Na época me disseram que eu aguardasse um telefonema me chamando para assinar o contrato e até hoje nada", destaca Aquino.

Na mesma situação de Aquino, está Erbenia Crisóstomo. Com 27 anos e mãe de 4 filhos, Erbenia, inscrita no programa desde 2009, não foi contemplada com uma moradia e resolveu invadir uma casa no Bairro Barroso II. "As coisas não estavam fáceis, não tenho marido e essa foi a única saída para sair do aluguel", conta.

A incerteza sobre a realização do sonho gera impaciência aos cadastrados e gera invasões. O Condomínio São Domingos, no Jangurussu, ocupado desde o final de dezembro de 2012, está em processo de reintegração de posse, promovido pela Fundação. O empreendimento, que conta com 120 unidades habitacionais, pertence ao Programa "Minha Casa, Minha Vida".

"Não há ilegalidade", diz Roberto Gomes
Para Roberto Gomes, presidente da Habitafor na gestão passada, no universo de 820 famílias cadastradas é inevitável que algumas delas sejam filiadas a algum partido. "Nós tentamos fazer o critério mais correto possível. Todas as famílias agraciadas passaram pela aprovação da Caixa Econômica Federal e só após essa avaliação salarial, de bens, é que é aprovada para receber o benefício", enfatiza Gomes.

O ex-presidente destaca que não houve ilegalidade na escolha das famílias para o conjunto habitacional São Bernardo. "Não há nenhuma ilegalidade. Seria ilegal se alguma das famílias estivesse fora dos critérios do programa. Eu estou tranquilo porque fizemos um trabalho de reestruturação da política habitacional de Fortaleza", finaliza.

Procurada pela reportagem, a assessoria da Caixa Econômica Federal disse que a seleção das famílias é feita exclusivamente pela Prefeitura e que não cabe ao Banco verificar a situação social. "Quando as famílias são selecionadas pela Prefeitura, a Caixa faz a analise cadastral e as famílias que estão no perfil são aprovadas. Os cadastros que chegam ao banco são indicados pela prefeitura", destaca a assessoria da instituição financeira.

Habitafor promete averiguar denúncia
A atual gestão da Habitafor disse que está em processo de conhecimento das ações anteriores do órgão. Por telefone, a assessoria da Habitafor disse que um recadastramento das famílias beneficiadas está sendo feito e, caso existam pessoas fora do perfil, o órgão promete uma reunião, junto com a Caixa Econômica Federal, para analisar as medidas a serem tomadas. A assessoria do vereador Ronivaldo Maia disse que ele não ia fazer nenhum comentário sobre o assunto.

Fonte: Diário do Nordeste



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