A Universidade do saber tornou-se a Universidade do esconder - Por: Sandro Leonel*

Diante do sistema educacional, como um todo, e da universidade, nível superior, proporemos a nossa reflexão na busca de entender a universidade que temos e de clarear a nossa tentativa de construir a universidade que pretendemos. Ou seja, não uma mera consumidora e repetidora de informações importadas para "profissionalizar", mas sim um recanto privilegiado onde se cultive a reflexão crítica sobre a realidade e se criem conhecimentos com bases científicas e que sirvam a sociedade   com o intuito de promover a dialetica.

Uma coisa que me tem chamado à atenção é como as críticas feitas ao estado atual do ensino superior são fundamentalmente as mesmas ao longo de todo o espectro político-ideológico: Compartimentalização do saber; especialização extremada que não permite mais uma visão do todo; ensino voltado exclusivamente para o mercado de trabalho. Sai-se, não formado, mas formatado onde negam veementemente o holismo.  Esse diagnóstico, e o juízo negativo sobre ele, é algo que poderia vir tanto da esquerda como da direita. Ambos concordam que essa imagem da universidade atual, manifestação do pior lado do pragmatismo, do utilitarismo e do materialismo (no sentido de sobrevalorização dos bens materiais), é terrível. A diferença está nas causas apontadas para esse quadro negativo, e nos ideais almejados.

O saudoso Darcy Ribeiro em sua obra constata que a universidade tem-se limitado a ser um órgão de repetição e difusão do saber elaborado em outras realidades e que muito pouco tem contribuído para uma integração nacional, consequência de uma análise critica de nossa realidade. No caso da URCA, a pioneira da região, anda longe de integralizar as inferências diárias do transcorrer cotidiano da nossa relação com o meio.

Outra diferença, embora menos clara, está nos diferentes ideais de universidade. Com o fato de que a universidade atual vai mal todos concordam. Mas como ela deveria ser? Existe uma tendência na esquerda (embora não seja partilhada por todos) de querer submeter toda a educação a fins políticos. A universidade seria, portanto, nada mais do que um instrumento de transformação social, de politização, tendo por fim último à abolição do sistema capitalista e a instauração de um novo modo de produção. No caso da URCA é notório o aparelhamento da IES com propósitos quase sempre obscuros e às vezes até espúrios, tanto na gestão como no movimento sindical docente.

Não queremos uma universidade‑escola, em que se faça tão somente ensino, onde não exista efetivamente campo, abertura e infra‑estrutura que permitam e incentivem a pesquisa. Uma universidade sem pesquisa não deve, rigorosamente, ser chamada de universidade. Mas não devemos esquecer que as pesquisas tem que ser voltadas ao meio social no qual a universidade se insere e não com teses e dicertações que nem os autores sabem para que sirva sua finalidade.

O ensino repetitivo é, geralmente, verbalístico, livresco e desvinculado da realidade concreta em que estamos e não podemos viver em um mundo pseudoconcreto como afirma Karel Kosic em sua obra. As aulas são constituídas por falações do professor e audições dos alunos, normalmente desmotivados, pois em alguns casos o professor se é que posso chamar assim, fala da sua vida particular e seus feitos materiais muitas vezes carregados de suspeição. O aprendizado é medido pelo volume de "conhecimentos", informações memorizadas e facilmente repetidas nas provas, nunca refletidas ou analisadas.

Rejeitamos um modelo de universidade que não exercita a criatividade, não identifica nem analisa problemas concretos a serem estudados, que não incentiva o hábito do estudo crítico. Estudar, nesse modelo, é, simplesmente, ler matéria a fim de se preparar para fazer provas, e todo um processo de crescimento intelectual e aprofundamento, em determinada área ou disciplina, fica encerrado com o anúncio da nota ou conceito obtido na prova, o melhor professor é aquele que traz maior número de informações, erudições; o melhor aluno é o que mais fielmente repete o professor e seus eventuais textos nas provas.

Não queremos uma universidade desvinculada, alheia à realidade onde está plantada, simplesmente como uma parasita ou um quisto. Ser alheia, desvinculada ou descomprometida com a realidade é sinônimo de fazer coisas, executar ensino, onde tanto o conteúdo como a forma não dizem respeito a um espaço geográfico e a um momento histórico concreto. Em outros termos, é verbalizar “conhecimentos”, “erudições” sem uma paralela visão do contexto social, real e concreto. É vociferar indistintamente as mesmas coisas ditas na França, Estados Unidos, Rússia, Alemanha etc., sem levar em conta, criticamente, a heterogeneidade de lugar, de cultura, de tempo e das reais necessidades do aqui e do agora.

Verdades estudadas há dez, cinco anos passados podem até continuar válidas, hoje, mas o jeito de estudá‑las, de percebê‑las é necessariamente novo, porque em dez, cinco, um ano, a realidade muda. Sacralizar verdades, conteúdos e formas é implicitamente apregoar uma mentalidade estática, avessa às modificações, dócil ao status, bloqueadora de qualquer crise, portanto, contrária ao crescimento, à evolução no sentido de construir um mundo onde o homem seja mais homem, sujeito de um processo e construtor de sua história. O exemplo disso está no questionamento da população do Crato sobre a importância da URCA. Fica a indagação: Qual o momento que a URCA,IFCE e UFC Cariri chamou uma discução sobre o canal do Crato?

Não queremos uma universidade na qual o professor aparece como o único sujeito, o magister, o mestre que fala, diz “verdades” já prontas, estruturadas, indiscutivelmente certas e detém os critérios incontestáveis do certo e do errado. O aluno é o ouvinte, o receptor passivo do que é emitido pelo professor‑mestre; sua função é, portanto, de ouvir, aprender, isto é, memorizar e repetir bem o que lhe é transmitido. Trata‑se de uma função nitidamente objetificante, porque resta ao aluno‑objeto pouca ou nenhuma possibilidade de criação, de argumentação, a não ser aquela ditada pelo professor.

Percebemos que esse clima de estudo é objetificante e orientado para uma simples repetição cultural, reprodução de idéias sem qualquer força de criação contínua, de produção nova, uma vez que se bloqueia a fecundidade e o exercício da crítica.

Querer uma universidade onde a gestão e os professores aparelham a IES com propósitos políticos e ideológicos tanto faz ser de esquerda ou de direita é perder o transcorrer da história. Não queremos uma universidade composta por mediocres intelectualóides que não contribuem em nada para a vivência social da nossa região.

Em síntese, não queremos uma universidade originada da imposição e meramente discursiva onde abadona o conhecimento de variadas formas. Queremos uma universidade que seja participante do contidiano das pessoas e não que esconda o saber.

Texto publicado no Jornal Contra Ponto Cariri de 03/08/2012


* Artigo publicado mediante autorização expressa do autor. Todos os direitos reservados.

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