Crato de Bárbara ao Crato da barbárie - Por: Sandro Leonel*

Para um grupo significativo de historiadores, a primeira penetração no território do Kariri se deu no último quartel do século XVII, chefiada pelos irmãos Lobato Lira. Faziam parte dessa ação bandeirante um padre secular e um frade capuchino, os quais, conquistando a confiança da nação kariri que aqui habitavam, conseguiram ladeá-los.

Subindo os exploradores o curso do rio Salgado, que banhava o fértil vale do Kariri instalaram nas imediações da cachoeira dos Kariri, hoje conhecida por cachoeira de Missão Velha, o primeiro aldeamento dos índios. Mais tarde, às margens do rio Ytaitera-nome indígena que significa “ água que corre entre pedras”-  no lugar onde assenta a cidade do Crato, instalou-se o mais importante núcleo de exploradores da região. O aldeamento fundado por frei Carlos Maria de Ferrara denominou-se Missão do Miranda, em lembrança, parece, de um dos chefes da tribo batizado com esse nome. Aparecem também as denominações de Miranda e dos Kariri Novos. A Missão do Miranda era administrada pelos frades capuchinos. A área de uma fertilidade invejável, logo se tornou um próspero povoado.

Não se sabe ao certo a origem dessa denominação. Parece que foi dada em homenagem ao vilarejo português de Alentejo, construído sobre as ruínas de uma povoação remotíssima, que era chamada Ucrate ou Ocrate. Na obra “O Ceará” Raimundo Girão e Antônio Martins Filho afirmam que Crato é uma corruptela da palavra Curato, pois, inicialmente a cidade se teria chamado Curato de São Fidélis de Singuaringa, depois Curato de São Fidélis e por fim Curato e daí Crato. O Crato foi palco dos principais acontecimentos históricos da primeira metade do século XIX. Foi a única localidade cearense que aderiu ao movimento libertador de Pernambuco em 1817. José Martiniano de Alencar e seu irmão Tristão Gonçalves de Alencar, liderados pela mãe e revolucionária Bárbara de Alencar, sublevaram a população do Crato e proclamaram aí a república que teve duração valorosa de oito dias. Tendo na primeira metade de sua história um legado de luta pela justiça social e construção de uma sociedade de vanguarda que fez do Crato por muito tempo ser uma cidade símbolo para a rica história interiorana do Nordeste brasileiro.

No ano da Rio +20 não podemos deixar de mencionar que essa cidade já difundia os ideários da sustentabilidade antes até da proposição do corolário de Bruntdland nos idos da década de 1970, pois através do decreto no 9.226 de 02 de maio de 1946 foi criada a primeira reserva florestal brasileira, a Floresta Nacional do Araripe-FLONA. O Crato tinha sala de cinema, as melhores faculdades, melhores escolas, teve o Caldeirão, ou seja, era suprema no tocante a dianteira dos avanços sociais. Tivemos grandes administradores, não poderia deixar de citar três deles, pois são comprovadamente os mais notáveis nos últimos cinquenta anos: José Horácio Pequeno, Alexandre Arraes e o maior gestor de todos, Pedro Felício Cavalcante um homem digno e honrado e um gestor acima da média.

Mas nos últimos vinte anos as enxurradas do canal não só promoveram perdas materiais, como também a perda da dignidade do povo cratense que passou a sofrer com administrações escabrosas envolvidas em escândalos constantes de prevaricação e trapaças de várias qualidades. A sociedade que era a vanguarda do Ceará entrou em decadência formando uma “Aristocracia de chinela” que visa o benefício próprio quando busca o poder político no município. O Crato de Bárbara virou o Crato da barbárie corruptiva.

Hoje no aniversário da cidade temos muito a refletir, pois somos uma sociedade que vive de passado muito rico, mas um presente vergonhoso e de uma perspectiva não muito animadora diante do que observamos no poder público, pois os salteadores de plantão que dizem querer o bem do Crato buscam na verdade o benefício próprio. O Crato do melhor virou o Crato do pior. Então, o que temos a festejar hoje?


* Artigo publicado mediante autorização expressa do autor. Todos os direitos reservados.

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