Dilma versus aliados*

Antes mesmo que se conheça a extensão da reforma ministerial anunciada para janeiro, já se constata um ambiente de alvoroço na base governista. E não sem razão: o que se anuncia é que a presidente quer pôr fim ao loteamento de cargos no governo.

Não é previsível que o consiga, não pelo menos numa dimensão significativa. A maioria governista estabeleceu-se sobre bases fisiológicas e é improvável que mantenha seu apoio, imprescindível para a governabilidade, sob outras condições.

Segundo uma fonte governista, Dilma pretende reduzir o número de pastas. Algumas virariam secretarias, outras seriam agregadas a outros ministérios e outras ainda seriam simplesmente extintas. Esse enxugamento, como é óbvio, resultará em economia para o tesouro, além de maior eficácia operacional. É uma ousadia que Lula, com toda a sua popularidade, não teve. E é tudo o que o país quer e seguramente agregará apoio de opinião pública.

Ocorre que a chamada realpolitik não funciona assim. Não basta ter a opinião pública. Ela é volúvel e tende a mudar de lado em face dos resultados. Sem maioria, como torná-los positivos? É claro que a presidente tem ciência disso. Se, mesmo assim, vai adiante, é porque tem alguma carta na manga. É aparentemente o que ocorre. Ela tem procurado abrir brechas na oposição. Além da proximidade com Fernando Henrique Cardoso, em quem tem hoje um conselheiro e amigo, cultiva relações no eclético PSD.

Gilberto Carvalho, ministro-chefe da Secretaria Geral da Presidência – e um dos cérebros da reforma –, chegou a oferecer a um prócer do PSD um ministério, recusado, embora não em termos categóricos. Há jogo.

O PSD é hoje a quarta força do Congresso, podendo vir a ser a terceira. Perde apenas para PT, PMDB e PSDB. Tornou-se peça importante na formação de maiorias. É significativo que Dilma tenha assimilado as postulações da bancada ruralista quanto ao Código Florestal, que deverá ser votado na próxima semana no Senado. Alguns figurões do PSD, como a senadora Kátia Abreu, integram o partido e já se mostraram dispostos a colaborar com o governo naquilo que não fira o ideário partidário, que se resume na defesa da economia de mercado e no Estado democrático de Direito.

Não é difícil conciliar esses compromissos com a agenda governamental, até porque estão postos no plano das generalidades, e o que está em jogo é um amplo varejo. Dilma sabe que não conta com a oposição conservadora para, por exemplo, criar um novo imposto para a saúde. Mas conta em outras iniciativas, como a própria reforma ministerial.

Se é essa, como tudo indica, a operação que pretende, não há dúvida de que é um jogo arriscado, além de trabalhoso, que fará de cada votação no Congresso uma operação estressante. Mas é a única maneira de reduzir a taxa de perversão do presidencialismo de coalizão, que resultou em loteamento do Estado, com os resultados já conhecidos. Dilma sabe que a bola da vez será o ministério que se quiser investigar. Basta sortear um e o círculo vicioso constatado nos anteriores lá estará reproduzido.

Ao decidir manter no Ministério do Trabalho o trabalhoso Carlos Lupi, a presidente apenas adiou sua saída. Se o tirasse agora, seu partido, o PDT, reivindicaria o cargo e manteria, na essência, o sistema de sucção de recursos. Tirando-o na reforma de janeiro, nomeará seu sucessor dentro dos novos critérios de preenchimento de cargos, que não contempla compromissos partidários.

A presidente trouxe para si um imenso desafio, que, se de um lado preocupa seu partido, o PT, de outro o anima a se apossar definitivamente do governo. Há, portanto, uma queda de braço com os partidos aliados, e outra com o próprio PT. Haja tensão. Até aqui, não se sabe o que pensa a respeito o vice-presidente Michel Temer, que não é exatamente um crítico do fisiologismo. Seu silêncio tem sido eloquente.
 
*Ruy Fabiano é jornalista

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