Governo pode negociar, mas já ameaça grevistas

Após nova rodada de negociação com representantes do governo do Estado e que, desta vez, durou pouco mais de cinco horas, os professores da rede estadual de ensino - que paralisaram suas atividades há exatamente 60 dias - permanecem em greve. A decisão foi aprovada por unanimidade, no início da noite de ontem, em assembleia geral da categoria realizada no Ginásio Paulo Sarasate, apesar de o governo ameaçar com processo administrativo caso não retornem ao trabalho.

Marcada para as 15h, horário em que o Estádio Paulo Sarasate estava literalmente lotado, a assembleia só pôde começar às 17h45, quando muitos professores já haviam deixado o local. Os trabalhos da assembleia só foram iniciados após a chegada dos integrantes do comando de greve da reunião, mantida pelas lideranças da categoria com os representantes do governo Cid Gomes, no Palácio da Abolição.

O clima entre os professores era de ansiedade e de insatisfação. "Tem gente que também ensina no Município e trabalha amanhã cedo, por isso não foi possível esperar", explicou a professora Luiza de Marilac Belém, observando ainda o cansaço dos colegas de magistério. "Nestes dias de greve não há descanso. A gente procura participar de toda a programação do movimento. A luta é de todos", completou outra professora da rede estadual, Cláudia Abreu.

Palavras de ordem 
Quando o comando de greve iniciou a falação, muitas das cadeiras do estádio já estavam vazias, ainda assim, as palavras de ordem e os aplausos eram ouvidos a distância a cada pronunciamento mais contundente. O presidente da Associação dos Professores do Estado do Ceará (Apeoc), Anízio Melo, explicou que, pela primeira vez, o governo do Estado acenou com a possibilidade de que os níveis de referência - que vão de um a 30, conforme a graduação do docente - venha a ser observado no pagamento do piso salarial estipulado por lei federal, e que corresponde a R$ 1.187,00.

Admitiu, contudo, que o assunto não constou em ata durante a rodada de negociação, contando com a presença do chefe de gabinete do governador, Ivo Gomes, e da secretária de Educação do Estado, Izolda Cela. "Há uma perspectiva de repasse dos níveis de forma escalonada", disse Anízio, comentando, porém, que Ivo Gomes chegou a ameaçar de demissão, por processo administrativo, caso a partir da próxima sexta-feira aconteça o retorno ao trabalho. "Mas nós não aceitamos isso".

A rodada de negociação de ontem também contou com um integrante da Comissão de Educação da Ordem dos Advogados do Brasil - Seccional do Ceará (OAB), Edenir Martins. O advogado adiantou acreditar que o governo poderá, ainda, avançar em suas propostas e que os professores precisariam de um pouco mais de tempo para avaliar a questão.

Já a professora Rosa da Fonseca, militante que integra o grupo Crítica Radical, considerou a importância do respeito ao piso salarial e, também, dos níveis de referência da classe, conforme a qualificação do profissional. "É preciso que a população saiba que o movimento não é apenas pelo piso, como vem sendo anunciado erroneamente", registrou, denunciando que o governo do Estado pretende promover um achatamento salarial na rede de ensino.

Sobre o assunto, Sidney de Oliveira, integrante do comando de greve e que participa da Corrente Proletária na Educação - Liga Partido Operário Revolucionário, esclareceu que a proposta do governo enviada à Assembleia Legislativa (AL) prevê o pagamento do piso nacional, no valor de R$ 1.187,00, para apenas o Nível Médio. "Eles não querem aplicar o piso na nossa tabela de salário", disse, explicando que essa tabela coloca quem tem nível médio na referência de um a 12, os graduados de 13 a 20, os especialistas de 21 a 24, mestres de 25 a 27 e doutores de 28 a 30. "Rasgaram nossa tabela com o envio do projeto de lei à Assembleia", comentou, acrescentando que com a observância dos níveis o valor do piso tem efeito cumulativo, "mas eles querem é achatar nossos salários".

Na reunião com os representantes do governo, o comando de greve enfatizou que espera que o governador Cid Gomes não sancione a mensagem enviada à AL e que foi enfaticamente repudiada pelos professores. O dirigente da Apeoc, Anízio Melo, esclareceu que "reivindicamos a não punição e o não pagamento da multa que já chega a R$ 260 mil, além de autonomia para as escolas para que decidam a reposição das aulas por conteúdo e não por dia letivo".

Anízio lembrou que o governo chegou a ameaçar de demitir quem não retorne ao trabalho e o prazo para avaliação desse assunto seria a próxima sexta-feira. Para ele, as ameaças não são elementos de pressão, "quando deveríamos ter uma negociação que reconheça os direitos dos professores". Para hoje, está marcada mais uma reunião entre integrantes da Secretaria de Educação do Ceará e representantes da Apeoc na sede da promotoria de defesa da educação do Ministério Público Estadual.

O encontro foi solicitado pela OAB-CE e pelo próprio MPE para tentar encontrar uma saída para o impasse. Também hoje o comando de greve começa novas reuniões com os professores nas regionais de Fortaleza. Já amanhã, as lideranças dos grevistas buscarão manter nova rodada de negociação com o governo do Estado. E na sexta-feira, às 15 horas, acontece nova assembleia geral, ainda com local a ser definido, possivelmente o ginásio Paulo Sarasate. "Vamos anunciar o local exato pela internet", informou Sidney de Oliveira.

Rodada de diálogo registra avanço 
Uma comissão formada pelos professores da Rede Estadual de Ensino reuniu-se, por volta do meio dia até mais de 17 horas de ontem, no Palácio da Abolição, com o Chefe de Gabinete do Governador, Ivo Gomes, e a secretária de Educação do Estado, Izolda Cela, em mais uma tentativa de negociação entre as partes. Desde o início da greve, em agosto, esta foi a oitava vez que os trabalhadores e o governo se reuniram visando solucionar o impasse. Segundo Izolda Cela, o momento foi de grande importância para ambas as partes, e o governo estava disposto a ouvir a proposta de aumento dos professores, desde que se encaixasse no orçamento disponível para educação.

"Nós pedimos uma proposta com base na realidade. É fácil propor sem ter conhecimento da real disponibilidade de orçamento. Esperamos que o Sindicato possa aceitar a proposta do governo. Os alunos estão pagando o prejuízo e, por mais que as aulas sejam repostas, esse prejuízo é irrecuperável", disse a secretária de Educação. O presidente da Associação dos Professores do Estado do Ceará (Apeoc), Anízio Melo, também ressaltou a importância do encontro para o avanço das negociações, e disse que a Apeoc estava aberta para ouvir as contrapropostas do governo. "O Sindicato tem a posição de fechar uma negociação concreta. Nós queremos discutir a política no Estado e, no momento, a valorização do professor. Nós esperamos a aplicação do piso e sua repercussão na categoria", afirmou.

Anízio Melo ressaltou, ainda, que o pagamento do piso nacional aos professores se encaixa dentro das possibilidades do governo. "O governo tem um orçamento de 29,5% em educação. Apenas 62% dos recursos do Fundeb (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação básica) vão para o salário dos professores. O que é preciso é definir prioridades. Ao invés de construir prédios, locar os recursos para o pagamento dos professores. Esse é o debate que queremos propor".

Confronto 
Tanto a secretária de Educação quanto o presidente do Sindicato lamentaram o confronto entre professores e o Batalhão de Choque ocorrido no último dia 29. Segundo Izolda Cela, houve erro das duas partes. "Foi uma situação lamentável. Lutamos tanto por uma democracia e temos canais para isso. Não precisava chegar ao confronto. Houve erro parte a parte. A posição do Batalhão de Choque foi de contenção. Houve excesso também dos manifestantes. É preciso fazer uma autoavaliação", afirmou a secretária Izolda.

Para Anízio Melo, o episódio representou ainda um atraso para a solução do impasse. "Com certeza, o confronto foi um complicador do processo. Não foi dado espaço para se discutir e negociar com a categoria. Aquelas questões foram muito graves. Nós vamos continuar a defender a categoria de quem queira prejudicá-la para que a educação seja colocada como prioridade", enfatizou.

Fonte: Diário do Nordeste

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