No ano do centenário do Cine Cassino, em Crato, Cariri ainda exibe vestígios dos seus 'Cinemas de rua'

"Esse encontro clandestino/ Na sessão das quatro do Cine Cassino/ Só vem atestar: não adianta o filme/ Os criminosos sempre voltam ao local do crime", este trecho da música "Cine Cassino", de Tiago Araripe, gravado em 1982, narra sobre como o cinema foi local de encontros amorosos às escondidas, numa época que havia mais controle dos pais. O "cinema de rua", por muitas décadas, foi o principal local de entretenimento nas cidades do Interior.

O prédio do Cine Casino Sul Americano, local cantado na música, completará, no ano que vem, no dia 20 de dezembro, 100 anos. Por muito tempo, ele foi o principal cinema do Crato. O segundo mais antigo. Antes dele, em 3 de junho de 1911, o empresário italiano Vittorio di Maio, criou o Cinema Paraíso, perto da Praça da Sé. O primeiro da cidade e o pioneiro no Interior do Ceará.

O auditório era dividido com uma grade para cobrar por preço diferenciado. Na frente, o preço era mais baixo e, atrás, mais caro. "Quanto mais distante da tela, melhor a visão", explica o radialista e memorialista Huberto Cabral. Os filmes eram anunciados por um palhaço e crianças que percorriam as ruas. Durante a exibição, a Banda de Música Municipal tocava de acordo com a cena na tela, já que o cinema era mudo.

O Cine Casino Sul Americano, criado sete anos depois, funcionava com cinema no térreo e cassino no andar de cima. "Não foi somente sala de exibição. Era um Centro de Convenções do Crato. Todos os acontecimentos de cunho social, cultural e político aconteciam no Cine Casino", lembra Huberto.

Depois vieram muitas outras salas de exibição, na década de 1950, no centro da cidade, como o Cine Moderno, Cine Rádio Araripe, Cine Educadora. No bairro Seminário, tinha o Cine São José. Na década de 1970, seis cinemas funcionaram simultaneamente. Os campeões de bilheteria eram a "Paixão de Cristo" (1935), Marcelino Pão e Vinho (1955), O Ébrio (1946) e Os Dez Mandamentos (1956).

"O maior distribuidor era Severiano Ribeiro, de Fortaleza. Que construiu o Cine São Luiz. Mandava, pelo trem, nos estojos de metal. As máquinas eram importadas, americanas e alemã", lembra Huberto Cabral.

Na Praça Siqueira Campos, em frente ao Cine Casino Sul Americano, havia um grupo conhecido como a "frequência da juventude". Na semana, à noite, antes dos filmes, rapazes e moças ficavam por lá, flertando. No domingo, depois da missa, havia esse mesmo encontro, de manhã, depois dos vesperais nos clubes sociais. "Muitos namoros, noivados e casamento saíram desse grupo", garante Cabral.

Decadência
O espaço, onde antes cabiam 1.200 pessoas, hoje é ocupado por carros. O prédio do Cine Eldorado, construído em 1978, em Juazeiro do Norte, preserva a estrutura que antes recebeu a maior sala de exibição do Cariri até a década de 1990. Lá, é possível encontrar diversos objetos, como as cornetas de som, cadeiras espalhadas, antigos projetores e cartazes de antigos filmes. Mas a maioria do material foi para o lixo.

A tela reserva, nunca usada e encostada na parede da sala de projeção dá uma noção da velocidade que a decadência das salas de cinema nos centros da cidade ocorreu. "Eu não imaginava que o cinema de rua ia morrer", conta o empresário Expedido Costa, antigo dono do Cine Eldorado e que, em 2007, o transformou em estacionamento.

O empresário sempre se manteve do cinema, iniciando o trabalho em Campina Grande (PB), ainda criança, vendendo doces para o público, como "baleiro". Depois, Expedito começou a ajudar na projeção e foi aprendendo. Com a habilidade, o prefeito de Sumé (PB) cedeu prédio do cinema para que o colocasse para funcionar. Deu certo. "Eu comecei ali. Serra Branca e Sumé. Aí ganhei muito dinheiro exibindo filmes eróticos a partir das 22 horas. Era uma coisa rara. Depois vim para o Cariri, montar um cinema em Missão Velha, em 1964. Retornei em 1972 e comprei o Cinema Neroli, em Barbalha", lembra.

Com a distribuição e operação, Expedito Costa chegou a possuir 17 salas no Ceará, Paraíba e Alagoas. Em Juazeiro do Norte, alugou o Cinema Plaza e, em 1983, comprou o Cine Eldorado, de Otacílio Almeida. Lá, trabalhavam seis funcionários: dois faxineiros, um bilheteiro, um operador, um porteiro e o gerente. "De noite, eu fico sonhado com esse troço. As filas de Sansão e Dalila dobravam quarteirão. Isso aqui foi meu primeiro serviço", conta, nostálgico, o empresário.

"Aí veio o avanço da televisão e para matar o cinema. Aquela novela Roque Santeiro era uma espinha de peixe na garganta do exibidor. Era no horário da exibição. Não dava para pagar nem o frete do filme", brinca Expedito Costa, se referindo à atração exibida na Rede Globo em 1985.

Mas antes já havia outros concorrentes do cinema. Segundo Expedito, a Igreja começou a realizar as missas durante a noite, no mesmo horário dos filmes. Os circos também tomavam a atenção da população, além das festas ocasionais, em Barbalha e Crato. No entanto, o Cine Eldorado permaneceu até 1997, exibindo filmes eróticos. "Ultimamente, a gente já estava apelando. Contra minha vontade. Mas como tinha um funcionário aqui para manter, que trabalhou comigo por mais de 20 anos, eu mantive", explica.

Em 1997, com o falecimento do operador, Antonio Severino, o Cine Eldorado fechou as portas. "Mas eu não queria vender o prédio ou tornar um estacionamento. Queria alugar para uma escola de teatro e cinema", garante Expedito Costa.

Não só no Interior
O desaparecimento das salas de cinema não se deu apenas em Juazeiro do Norte e Crato. De acordo com o cineasta Ythallo Rodrigues, este fenômeno é semelhante ao de Fortaleza. Ele acredita que se trata de um efeito social e político das cidades para expulsar as pessoas dos centros comerciais e colocar nos shoppings. Lugares que aparentam ser mais seguros e reúnem serviços em um único espaço.

"Cria mundos paralelos. Esse terror todo que se cria é efeito da política. Ela quer isso: o terror social, ter cidades inseguras, uma polícia despreparada. O cinema faz parte disso e ele é expulso dos centros. Migram para o shopping, onde tem salas menores, um preço mais caro, mas para um público que diminuiu com o tempo", acredita Ythallo.

O cineasta acredita que o home vídeo foi impulsionado pelas locadoras de VHS, depois DVD, e aumento das TVs por assinatura tornarem mais acessível as produções. "Você compra o filme por R$ 2 no ambulante, quando um ingresso no cinema custa 10, 20 reais", completa.

Alternativas
O Centro Cultural Banco do Nordeste (CCBNB) e as unidades do Sesc em Crato e Juazeiro do Norte recebem do circuito de filmes alternativos ao cinema comercial. Os filmes voltam a ser exibidos nos centros, onde estão instalados esses equipamentos culturais. São espaços gratuitos e dão um bom público.

"Mas, se for pensar, não são cinemas. São salas de exibição que têm características diferentes do cinema, como acústica pensada ao cinema, sala de cinema como um modelo arquitetônico. Essas salas, algumas são teatro, auditórios. Não vejo isso como problema, mas isso é ligado ao uma tradição cineclubistas, que ocupa os espaços", explica Ythallo Rodrigues.

Retomada
O Crato foi contemplado com a construção de duas salas de cinema, por meio do Programa Estadual de Desenvolvimento do Audiovisual, o Ceará Filmes, do Governo do Estado. Ficará no prédio Mercado Central, que já começou a ser demolido. O local foi escolhido por ser próximo aos terminais de ônibus, supermercados e centros culturais. "A ideia é trazer a população de baixa renda para o cinema e outros equipamentos da cultura", afirma Wilton Dedê, secretário de Cultura do Município.

"Existe uma proposta de transformar o entorno no pequeno centro cultural, um calçadão com café, tabacaria, música. Um local boêmio, romântico. Área de gastronomia. Transformar num centro de gastronomia regional e um pequeno centro de artesanato", acrescenta.

Na sala menor, caberá pouco mais de 100 pessoas e, na segunda, até cerca de 350 pessoas. Elas poderão receber filmes produzidos localmente, mas a sala maior receberá filmes nacionais e internacionais. A Prefeitura irá gerir. Em agosto, começaram as obras, que têm previsão de conclusão no começo de 2019.

"Qualquer instrumento que se instale muda o cenário. Sou músico e vejo surgir um número grande de talentos com a chegada da Vila da Música e o curso de Música na UFCA", explica o secretário. Enquanto o cineasta Ythallo Rodriguez torce para que o projeto seja viabilizado e bem gerido. "Isso dá um impulso muito forte para qualquer cena. Mas ainda não foi pensada no Interior essa perspectiva de ensino, que só tem nas capitais. A existência da sala, nessa perspectiva de ser um cinema popular, mais social, tentando abraçar a produção local, espero que possa ter esse fomento do ensino. Criar cursos, viabilizar. A cena começa quando tem esse tipo de implementação", completa.

ANTONIO RODRIGUES
COLABORADOR

Fonte: Diário do Nordeste

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